Âncora de dor

Edigles Guedes

Ataca e recua sua doce onda elétrica…
Percorre o meu corpo, como atlética pista…
Salta-me com suspiros de frenética
Bailarina, em seu balé sem cordas autistas…

Esgrime com minha sorte de funâmbulo…
Escarnece de minha dor sedentária,
Como tal Pitágoras sem reto triângulo…
Foge de minhas angústias funerárias…

— Quem és tu? Digas-me logo, Amor íngreme,
O que vieste fazer em meu íntimo com trauma?
— Eu sou um barco à deriva, sem rumo ou leme…

— Quem és tu, insano Amor? Quem ousaria brincar
De cego, mas enxergando no escuro d’alma?
— Eu sou âncora de dor em seu coração a fincar…

23-12-2010.

Desenlace Amoroso

Edigles Guedes

Tic-tac!… O relógio da sala de estar bate
Meia-noite em ponto. Exausto do dia findo, arrasto-me
Para a cama de casal espaçosa e larga,
Pois quero deleitar-me em teu corpo… Ah! boa atração

Fatal de dois corpos jungidos pelo enlace
De lençóis brancos — alvos como esse embate
Da neve com a lã de algodão… Defendo-me,
Ataco-te co' uma cautela assaz amarga —

Minhas pernas (bambas de Amor) fazem, de reação
Em ação, a festa de travesseiros. Ao alcance
De nossas mãos está o desenlace amoroso:

Sorrisos de coxas e ilhargas desusadas,
Peitos arfantes declamam estrofes suadas,
Braços galantes sussurram meu hino amavioso!…

O Bilhete:Léxicos de Flores

Edigles Guedes

O bilhete pousa nas mãos de um mensageiro;
Voa, célere, ao seu destino: o sutiã, calado,
Onde aguarda a privacidade da leitura
Demorada e lenta, qual tartaruga a vagar

Pela imensidão do vasto mar de sargaços…
Oh! bilhete, silente, leva (assaz ligeiro)
Consigo linhas finitas de Amor… Atados
Barbantes ou colas selam essa brandura —

Ternos sentimentos evocados devagar…
Eu ouço o palpitar de teu coração de aço
Por meio das palavras, que escrevo no bilhete…

Ó palpitar sereno! que me emenda a letra
De péssima ortografia; mas, de mãos obstetras,
Fazem léxicos de flores em ramalhetes…

1-11-2010.

Prófuga Pescadora

Edigles Guedes

Prófuga pescadora: porventura podes
Eclipsar-te? Em que lua ou estrela escondeste
O teu corpo de sereia alviceleste?…
Remendaste a rede que me enlaça ao bigode

Do Amor salgado ou salobro, ou com sabor de mar?
Se, como peixe fora d’água fria, padeço
Só de pensar em ti… Pulcra pescadora — lenço,
Que enxuga a lágrima pérola de tanto amar!…

Oh! querida, essa lua minguante ulula noite
A fora, dentro de mim; pois, navega-me
Comigo essa navalha de anzol, encravada

Na boca do estômago, tal qual um açoite
Em lombo de escravo por Amor… Ah! rasga-me
No meu âmago essa dor de isca atra e deslavada!…

1-11-2010.

Amor Buzugo

Aliás, acaece que Amor move moinhos…
Se não fosse assim, como explicaríamos
O azul movediço do mar — dínamo
De sentimentos com tais torvelinhos…

Acaece que Amor move moinhos sonsos…
Contanto que se não mova uma palha
Sequer, ao prender a inspiração tênue
De pernas tesouras e braços mansos…

Como pode o vulcão desaguar gralha
Magma no mar de volúpias; e, ainda, sim,
Renascer no gozo do agrado anequim?…

Éramos crianças: eu com meu bodoque;
Você com sua boneca de sabugo
De milho; então, acaeceu o Amor buzugo!…

31-10-2010.

Amor Move Moinhos

Edigles Guedes

O que eu sou?… Somente o bailarino molambo,
Que se curva sob os teus passos de pássaro
Penteado pela chuva lã da madrugada,
Quando te alças nessa leveza de tua graça…

Tão somente o ramo, que te serve de escambo
Ou moeda para o comércio rude e avaro
Em teu ninho de sossego e calma largada,
Quando repousas de voar, tal como fumaça!…

Somente esse peso maduro e barítono,
Que te agrilhoa à terra vasta dessa alpercata,
Que se gasta, quando andas em noite sem sono…

Então, o que eu sou?… Tão somente o vento remoinho,
Qual passa com alarde de ser que desata
O nó da gravata — água de Amor move moinhos!…

29-10-2010.

Albergadora Barca

Edigles Guedes

Uma barca afasta-se de velas pandas:
Vai galgando a linha do horizonte imberbe;
Vai largando as cordas, que a prende ao cais prenhe;
Vai deixando saudades com sua agra âncora!…

A solércia da barca é que atra desanda
Ao navegar os mares, tal como azerbes
Ao vento enfunado por bolhas champanhes…
Segue a barca pelo vasto oceano afora…

Uma barca — que arrefece o troar das ondas,
Que se esquece do dia findo em suas águas anchas,
Que alentece em pescar estrelas e conchas —

Sabe o quanto lhe custa, a arguta anaconda
Do mar, naufragar na sequiosa praia do Amor!…
Eis que a barca é albergadora desse alvor!…

28-10-2010.

Amor no Portão

Edigles Guedes

Oh! Psiquê, bela jovem, que foi traída
Pelas almas ínvidas de suas irmãs…
Que tentada pela curiosidade:
Matou um gato e esquartejou certo cão!…

Carregando infeliz candeeiro na mão,
Ao espiar a tez de seu amado, nômade
Pingo de azeito atrai sobre ele — ímã
Tal qual de polos contrários. Caída

Uma lágrima de desgosto por tão
Insigne Cupido; logo, censura:
— O Amor não sobrevive sem confiança!…

E eu, leitor de muitas desesperanças,
Fico a sonhar as mil e tantas agruras
Por quais passa a alma do Amor no portão!…

28-10-2010.

Amor a Cochilar

Edigles Guedes

Ah! Esquecer-te, eu? Jamais! Acaso, o Amor é edifício
Da memória rabugenta de um apaixonado?…
Como hei de esquecer-te? Se me ensinas tão completo
Pulo de gato à noite, com suores abafados?…

Se tens tuas mãos a blandícia branda por ofício?…
Se me pejo com tuas pernas amarfanhadas
Nas minhas, repleto de eflúvios — fluidos de aroma
Agradabilíssimo… Em nossas almas tatuadas

Estão as lágrimas, entrelaçadas por insuetos
Olhos invisíveis, que evocam as ignívomas
Tardes de grama, sol e piquenique na praça…

Ah! Esquecer-te, eu?… Quem me dera fosse fácil deixar
Pra trás o Amor em qualquer esquina, sem arruaça!…
Oh! gaiato Amor, que vive em mim tão bem a cochilar!…

28-10-2010.

Coração sem Embargo

Edigles Guedes

Chove deveras em mim pungente pavor
De Amor, pois é substantivo de poucos
Adjetivos, que possam qualificá-lo…
Se Amor inventa sorriso angelical

E com arco e flecha acerta demais Amor:
O coração exaltado faz-se aqualouco
Cupido — misto de menino anômalo
Com asas de canja de galinha abissal…

Se ele engenha mãos com luva de pelica;
Vestido prendado ou saia rodada; fita
Nos cabelos de carmesim; ombros largos,

Decotados de pudor; então, cá, fica
A adaga do mouro, cravada na desdita
De coração apaixonado e sem embargo!…

27-10-2010.

Ondas Quixotescas

Edigles Guedes

Tu abanavas o leque com as mãos de sabres…
Ele regozijava-se, balançando-se
De um lado ao outro, como as palmeiras pálidas
Balançam-se na cadeira de balanço do

Vento vívido… O leque, lúbrico, de lebre
Pele, acaricia a tua tez tão casta! Esse close
De câmara digital revela, sobremodo,
A dor de tua alma mitopoética e árida!…

Ó leque leucêmico! por que faz inveja
Esse teu langor de enganador letífico?…
Sinto-me que, debalde, eu coro de cereja

Cor, ao ver-te, bela Dama, refrescando-te
Nos braços desse leque cruel e terrífico!…
Ó leque! sopra-me em ondas de dom-quixote!…

26-10-2010.

Tolo Anelo

Edigles Guedes

Bate-me à porta essa memória adormecida:
Suores nos lençóis da cama de Amor náufrago,
Lágrimas de espera nunca dantes alcançadas,
Suspiros de saudade que apertam o peito

Inaudito, insônia de mente entorpecida
Pelo perfume de baunilha… Eu, que me afago
Com teus cabelos bastos, com mãos acanhadas,
Tateio o escuro à cata de ti… Corpo atreito

Ao teu aflato de flores, que bafeja esses
Sorrisos de doces de leite — caramelos,
Manhãs de domingo, guardas nos adereces

Teus… Já não sei se me deleito nesse sonho
Delicioso; ou, se me embriago com tolo anelo
De namorado merencório e enfadonho!…

26-10-2010.

Retrato na Parede

Edigles Guedes

Eis que o tapete convida-me para adentrar
A casa paterna: cenário de benignas
Lembranças de outrora… Quando eu era menino,
Empinava pipa no carpete da sala,

Com o ventilador ligado ao máximo
De consumo de energia elétrica. Minha
Mãe ralhava comigo, dizia que não tinha
Pena do bolso de meu pai. Então, acérrimo

Eu ficava… Fazia essa cara de bengala
Sem apoio à mão, que lhe acaricia. Ferino,
Escondia-me no quarto. Mamãe — fidedigna

À sua índole de pomba — vinha-me acalentar…
Hoje, crescido, bate-me uma saudade
Grande, ao olhar esse retrato na parede!…

25-10-2010.

A Contar Estrelas

Edigles Guedes

Deitei às mãos as madrugadas insones,
Enquanto o meu travesseiro sonhava
Com essas lágrimas de crocodilo…
Não sei o que te digo ao pé desse ouvido

De mercador, se o que te falo nada
Te comoves: vás partir! — aerofone
Lírico e musical, que se inflamava
Com teus lábios de ninfa sem asilo…

Destarte, nosso Amor de cão lambido
Não passa de uma farsa malfadada!…
Dama, de pilhéria comigo, dizes

Que eu sou um vagabundo a contar estrelas…
Quem me dera findar esses felizes
Cálculos, e contar tua história bela!…

24-10-2010.

Refrães Bucólicos

Edigles Guedes

Sua mão lívida fechou-me os vãos do coração;
Aterrou-me os poços, que eu, lamentavelmente,
Cavei para dessedentar-me a sede clara,
Como o sol do meio-dia, nessa terra de sertão…

Sua mão casta, com sorriso de marfim, sente
A textura da minha pele suave e avara
Por recrear-se consigo em delírios — gráficos
De Amor olvido e, hoje, relembrado no poema

Escrito na árvore do bosque das araras…
Embala-me sua mão rota com as lágrimas,
Que regaram o jardim de utopias e ricos

Dissabores do dia a dia… Que aljôfar (cítara
Da minh’alma) persiste em cantar, melancólico,
Essa cólica de meus refrães bucólicos!…

24-10-2010.

Ano Novo

Edigles Guedes

Na penumbra do quebra-luz, tenra pintura
Tua se insinua entre a luz e a escuridão da noite…
Fogos de artifícios anunciam o ano novo,
Que bate às portas de bobos casais cingidos

De branco na praça municipal… Securas
De sentidos brindam comigo o belo açoite
Que levei às costas por amor correspondido
De mal a pior, como casca ou gema sem ovo!…

O peru, que sobrou do Natal, cabisbaixo,
Está com suas pernas estendidas no forno.
A cozinheira prepara a mesa para a ceia…

Meus olhos viajam, por entre facas e alcateias,
Até encontrarem teus olhos despidos, mornos
De saudade; e nós brincávamos de pique-baixo!…

23-10-2010.

Pérfida Senhora

Edigles Guedes

Por que limpais uma lágrima com o lenço
De vossa mãe falecida há tão pouco tempo?…
Se essa lágrima não é de arrependimento;
Mas sim, de remorso e fosso — desse engrimanço

Teu para enganar-me com o charme hipertenso
De uma lágrima caduca, de passatempo…
Oh! sinceramente não sei que sentimento
Foi esse que me mordeu as têmporas e os remansos

Do meu coração apetecível e sereno!…
Deveras, o lenço, que acenais na mão destra,
Causa-me esse desassossego fumígeno!…

Ah! pérfida Senhora, fostes vós?… Matastes
De desgosto e fel vossa mãe, vossa madrasta
De bons conselhos, por não me amar como dantes?…

23-10-2010.

Peito de Apolo

Edigles Guedes

De ordinário, caminhavas encantadora…
Nos teus olhos, tremia lágrima cruel e tola,
Como água de uma tempestade num cálice
Azul de bondade!… Ó vil criatura! que fora

Eu, pois jamais imaginei sua farândola
De desditas!… Ó lágrimas! que em ti denguices
Desperta nesse corpo de mulher carente…
Eu careço dessa tempestade, que são olhos

Teus, a vagar por entre as nuvens das auroras…
Eu careço desse cálice tão silente
De teus beijos — na tua saliva, eis que me molho!…

Ó princesa, amanheces em mim, como outrora!…
Eu quero enxugar tua lágrima no meu colo
De carinho e zelo, no meu peito de Apolo…

22-10-2010.

Uma Foto de Nosso luau

Edigles Guedes

Deste-me um beijo de chocolate. A janela
Do tílburi estremeceu-se da sua cabeça
Aos pés do cocheiro, que chicoteava veloz
O cavalo baio… Tu coravas, amarela

De vergonha, diante do sobressalto à beça
Do pangaré… Enquanto eu agarrava-me co’ atroz
Esperança à ilusão de que Amor jamais fugia
A galope de seu destino — fado amigo!…

Enganei-me, como se deixa enganar todo
Caríssimo coração apaixonado… Rugia,
Então, em mim, esse desespero!… Cá comigo,

Eu que disse: — É melhor guardar no cofre da nau
Memória esse inseto momento que, a rodo,
Sofrer de Amor sem uma foto de nosso luau!…

22-10-2010.

Pele de Carmesim

Edigles Guedes

Quando sentas nos meus joelhos,
A perna fica-te, sonsa,
Pendendo de cá para lá,
Como um pêndulo e aparelhos

De bom relojoeiro… Mansa
Voz afaga-me… Que opalas
São as tuas mãos!… Devagar, como
A caspa sem asma, eu fio-me

Nos teus cabelos tão louros
Para acudirem, sim, a mim
Os teus beijos flamívomos…

Susténs os chinelos, firmes,
Com os dedinhos calouros
E tua pele de carmesim…

22-10-2010.

Demovo-me

Edigles Guedes

Com sapatinhos de cristal, minha donzela
Dança co’o vento — esse cavalheiro invisível…
Rodopios e saracoteios de bailarina
Exímia na arte encantatória de gazela…

Eu perco-me ao olhar sua destreza de circo:
Baila, tal se estivesse a cavalo no vento;
E o vento fosse um potro azul e branco — aprisco
Desses sonhos e fantasias de tremulento?…

Todavia, tudo que é bom, dura muito pouco:
Acabas de redemoinho inacreditável
Nos meus braços de carinho… Eu, que cego e mouco,

Entonteço com seu sagaz charme de fera
E abóbora!… Foi-se como penicilina…
Demovo-me com sua carruagem de megera!…

21-10-2010.

Chove Deveras

Edigles Guedes

Eu encontro-me que deitado
Nessa verde grama enjoada…
Uma nuvem, que magoada,
Passa no céu despeitado

Diz para si mesma: — Eis que
Minha vida é ave sem graça,
Um desengonçado parque
De diversões nessa caça

Por passeios daqui pra acolá!…
O vento, que cavalgado
Anda, disse-lhe: — Carola

Nuvenzinha, inda hoje serás
Chuva… Aliás, de braços dados
Co’a grama, chove deveras!…

21-10-2010.

A Senha

Edigles Guedes

Um lenço de dama bela
Cai no atoleiro da bacia
De algodão doce!… Eu recolho-o
E guardo-o junto comigo.

Contudo, minha donzela,
Percebo que sua ventania
É de Amor por esse abrolho
De sentimento mui ázigo!…

Oh! não vês que ele não te ama…
Oh! não vês que ele desdenha
Da rosa que lhe quer tanto

Bem… Choras, porque te acalmas!…
Enquanto eu recolho a senha
Para o teu coração ingrato!…

21-10-2010.

Pingos Tênues

Edigles Guedes

A chuva cai e canta, pasma,
O seu canto de pio sabiá,
Dependurado na gaiola,
Defronte ao chuveiro… Que asma

É essa de quem sequer sabia
Da respiração da viola?…
De seus medos a dedilhar
De chuva e Amor este meu ser

Tão pequeno e tão prudente…
Sinto-me como pimpolhar
De pingos tênues… Ah! tecer

As madrugadas sem dentes,
Tal qual ouvir de são ouvido
Canto de quem vai bem-ido!…

20-10-2010.

Esse Jardim com tuas Prosas

Edigles Guedes

Não se pode queixar de mim!…
Por que eu não sei do tanto
Que tu te queixas no jardim?…
Se há tantas rosas… e quantos

Cravos há à porta desse ente
Querido… Quem sou eu para
Duvidar de teu presente,
Amor?… Se vivo de aparas

Da minh’alma desgastada!…
Se eu respiro do próprio ser,
Quem sou, essa minha frustrada

Viagem ao interior da rosa
Ou do cravo!… Ah! Quiçá hei de ter
Esse jardim com tuas prosas!…

20-10-2010.

Beijo e sua Enxabidez

Edigles Guedes

Envio-lhe um beijo com a mão…
Tal como um aceno turvo
De lágrimas sem sossego,
A escorrer pelo rosto em vão!…

Por conseguinte, eu me curvo
Perante essa dor de cego
Desespero da saudade
Infinita no meu peito!…

Sinto-me estranho: desejo
De partir contigo, árcade
Amor, que me acalma… Afeito

Coração que nem entejo
De mulher e sua gravidez…
Que beijo e sua enxabidez!…

20-10-2010.

O Amor Trancou-se

Edigles Guedes

Estou cansado da vida...
Ela quer-me a alegria finda
De barco de papel, que inda
Persiste em navegar de ida

Sem vinda, sem volta à roda
De mim!... Não sei se a estibordo,
Eu finco-me; ou, se a bombordo,
Eu largo-me, como moda

De canção sem belo refrão...
Se trinco há nesse soneto,
É porque a porta do patrão

(O Amor) trancou-se na prisão
Do meu coração... Discreto,
Eu vivo-me dessa ilusão!...

20-10-2010.

Amor que se Combate

O amor cessa se não há combate.
Sören Kierkegaard

Edigles Guedes

Meus olhos de ave de rapina
Devoram-te, de sobremesa!…
Teus olhos, doce purpurina,
Festejam os meus brios à mesa…

Meus ouvidos clamam, afoitos,
Pelo murmúrio de tua língua!…
Teus ouvidos: poema de introito
À minha vida… Oh! vivo à mingua!…

Meus lábios grossos convidam-te
Para esse baile sem máscaras,
Que é o meu coração empedernido!…

Teus lábios de fel, encardidos,
Causam-me dor de águas amaras!…
O amor cessa se não há combate!…

19-10-2010.

Fogosos Ruídos

Edigles Guedes

Ouço ruídos de quem anda a passear com salto
Alto ou como quem passeia de quebra insana
Da rocha na borrasca do mar, linda sereia!…
Ouço ruídos aluados: sapatos no asfalto?

Ou simplesmente o som inaudível da cana
De açúcar a partir-se no canavial? ou areia
E água atlântica, que entraram nos meus ouvidos
Sem pedir-me permissão ou benção com a mão?…

Ouço ruídos… São juvenis ruídos?… Latidos
De um latim extinto, mas que tão bem vivido
Está em nossa memória rara e imaginação!…

Ouço ruídos… Porquanto assim eu tenho crido…
São fogosos, como o sussurro ao pé calado
Do seu sorriso… São os beijos dos apaixonados!…

19-10-2010.

Passeio de Bicicleta

Edigles Guedes

Tu estás montada a cavalo na bicicleta.
É-me lindo ver-te os cabelos ao vento…
Inopinadamente, ouço o cálido assento
Ranger ante o peso de tuas pernas de atleta;

Teus musculosos braços aéreos, de ginasta
Olímpico, agarram-se ao guidom da máquina
A vapor de tua força; o teu short me alucina,
Entorpece-me a vida, que me brada: — Basta!…

Eu, porém, persisto com meus olhos ávidos
Por enxergar-te mais lânguida ave ao deslizar
Nas nuvens de asfalto, desse orvalho plácido…

Cedinho, de manhã, eis que eu me refestelo
Contigo, em pista de ciclismo, a civilizar
Tuas nádegas suaves de sentidos no prelo!…

18-10-2010.

Entoada Dúvida

Edigles Guedes

Ah! que dúvida eu sinto: não sei se é Amor,
Que guardas no teu coração de piegas;
Ou se finges tão bem que Amor carregas
Na cesta de Chapeuzinho Vermelho…

Ora coalhas em mim essa rude dor
De prisioneiro da alcova sem grades;
Ora apinhas em mim benigna fraude
De Amor em meu peito de escaravelho…

Porventura, eu sou algum Lobo Mau, grosso
De modos, com seus dentes de colosso,
Sua voz enfadonha de vovozinha?…

Quanto é dúbio esses olhos de andorinha!…
Em mim se aninha essa entoada dúvida:
É-se Amor ou finges na cama álbida?…

17-10-2010.

A Falta que o Armário me faz!…

Edigles Guedes

No armário do meu escritório estão postos
Alguns papéis avulsos, que eu teria
Jogado fora, se me houvesse em mão
Um cesto de lixo; ou isqueiro, solto

E fácil, para tocar fogo e chamas
Nessa papelaria da minha histeria;
Ou (quem sabe?) um requietório assaz caixão,
Para enterrar a desdita na lama…

Mas, de fogo, nem sequer jovial pavio
Eu encontro-o, quanto mais as chamas ditas!…
De lixo, o porteiro esse aviso prévio

Deixou-me à porta para recolhê-lo…
De lama, resta-me esse que me espreita:
O armário que me faz falta, por tê-lo!…

17-10-2010.

Homem que se faz de Pedra

Edigles Guedes

Sou de pedra: noventa e nove por cento
De areia, de pó, no sangue verde de barata!…
Sem qualquer brecha, eu me ergo, como essa lápide
Tumular… Que secura de seus sentimentos!…

Aqui, no almocávar da minh’alma, eu medito
Um cadinho sobre mim — criatura cordata…
Pois bem, no papel ofício, uma tangetoide
Eu traço, procurando o fio fraco e abscôndito

De união ao rés da pedra, que me desperdiça…
Ah! Que sangue de pedra!… Tropeço e carniça —
Eu sinto-me que sou; mas, há muito que penar!…

Por isso, faço-me de pedra exemplar, sem par
Na face da terra, que de vício e vaidade,
Vive-se divagando sem identidade…

17-10-2010.

Cartilha de Amar

Edigles Guedes

Pesadas pálpebras de sono socorrem-me
Dos sonhos malfadados dessa realidade,
Que me circunda sem aparente motivo…
É madrugada seresteira e tão disforme

É essa ostra de Flaubert, que me escondo todo o dia!…
Há uma peleja sorrateira na cidade
Dos meus pensamentos à socapa, sem crivo
Ou liberdade de evasão muscular… Tardia

Lembrança — que me faz prostrar diante do sono
Amigo — recebe-me em rudes aposentos
Com quatro pedras na mão… Eis, sim (paroxítono

Pássaro que sou), como poderia me enganar
Com sonhos de Amor venturosos?… Se lamentos
São letras fortunosas na cartilha de amar…

17-10-2010.

Marionete Pícara

Edigles Guedes

De repente, tal qual elefante que agarra
Certo objeto de estimação pela tromba,
Eu lancei a ti o meu olhar comprido e pernas bambas…
Quedara-me da cadeira de balanço,

Quando percebi que teu braço franco amarra
O cadarço de teu lábio ao sapato atroz
De meu beijo!… Ah! eis que me senti tão veloz
Passarinho a correr frívolo em teu encalço…

Assim, pruridos de pensamentos estivos
Invadem-me a alma cativa de teus olhares…
O que fiz para merecer favor esquivo

De tua benevolência, de tua atenção para
Comigo?… Ah! quem me dera que pernas hílares
Tuas fizessem-me uma marionete pícara!…

16-10-2010.

Colher Cabelos

Edigles Guedes

Colhi os teus cabelos na palma da minha mão…
Eles eram tão suaves plumas, que adejaram
Serelepes; eis se vão, sem me pedir perdão…
Perdão de quê?… Logo, todos me perguntam.

Perdão por me machucarem com esperanças,
As quais — como onda de mar aberto — levam
E trazem saudades de Amor perdido… Crianças
Peraltas e traquinas são os teus cabelos!…

Ó cabelos rubros e ruivos! que me raivam
Com tuas plumas esvoaçantes, ao escarnecerem
De mim, nesta tarde de olhos brandos e belos!…

Ó cabelos! que os colhi com bastante zelo
Na palma da minha mão!… Eis que ao alvorecerem
Os tênues anos jamais verão igual anelo!…

16-10-2010.

Ave que Borbotoa

Edigles Guedes

Eu estou de emboscada na sala de estar,
Meus olhos rifles estão atentos às mãos
E pés de minha presa facínora…
Eu sorvo aos goles de sedento esse ar

De ansiedade ou de angústia. Na contramão
Do Destino, acuado em abóbora aurora,
De relance, eu vejo tuas mãos sensatas
Rogar-me um ósculo de pele a pele!…

Os rifles dos meus olhos desfalecem…
As tuas mãos sequestram, como piratas,
O meu fôlego de epiderme imbele…

Ah! doces tiros de beijos!… que tecem
A sala de estar com esse perfume
De mulher — ave que borbotoa implume!…

16-10-2010.

Tentáculos Víperos

Edigles Guedes

Tentar é inútil desvencilhar-se dos braços
Meus; eles são tentáculos miraculosos
Dalgum polvo que mora no mar assombroso,
E que não tem medo ou pejo de teus laços…

Ó tentáculos víperos! que me arrebatam
Suspiros do meu peito infante, quando chega
De mansinho a Dama dos meus sonhos… Ó cega
Paixão, que me abrasa!… Aos borbotões, desatam

Beijos na grama parida de borboletas…
Ó tentáculos viperinos! que me entrançam,
À boca da lua, os meus lábios nos lábios dela!…

Já não sei que estrela fulgura, agora, alerta,
Em meus braços bem-fadados!… Ah! em mim balançam
Essas tranças de cabelos com suas procelas!…

16-10-2010.

Sonhos e Nudez

Edigles Guedes

Pejada de sonhos e nudez, calma
E serena, olhas-me com teu semblante
Melancólico, como se consoante
Perdesse entre vogais as puras palmas!...

Suplico-te: — Me não olhes co’esses olhos
De caramelo, com vislumbre e sabor
De chocolate; pois, eu (por claro Amor)
Sou capaz de fazer porta e ferrolhos!...

Eu sei que teus lânguidos olhos passeiam
Pela nudez de teu ventre materno...
E quantos sonhos teus bons olhos refreiam!...

Há uma criança fogosa para nascer...
Há um verso de desencanto paterno,
Que, frouxamente, em mim virá a crescer!...

15-10-2010.

O Lago Pérfido e suas Águas

Edigles Guedes

Por que me trouxes a este lago de pérfidas
Ilusões?... Se sabias que sou homem de acanhadas
Palavras na boca mofina e desgrenhada...
Se sabias que boas conversações e fingidas

Juras de Amor me dizias tão placidamente,
Como as águas deste lago e suas correntes...
Ah! feroces águas, que prendem o meu jeito
Ao peito da minha amada... No meu leito

De Amor eu quero os teus beijos aleivosos...
Ah! atroces águas, que inundam o meu tão nobre
Ser com esse desejo assaz cobiçoso!...

Por que me trouxes a este lago?... Se me não crês,
Se eu sou para ti metal tão vil como o cobre…
Ah! veloce lago cândido, que me é cortês…

15-10-2010.

Canto de Moinho Monso

Edigles Guedes

Cada qual canta como lhe ajuda a garganta,
Diz o bom e velho provérbio popular...
Contudo, eu (que me desvaneço ao especular
Sobre as causas de minha pústula infanta)

Já não sei que padecimento é este, que me vai
N’alma assomando, assim devagarinho, sonso;
Já não sei porque tal falecimento se esvai
De meu legítimo canto de moinho monso...

Ó dolorosa garganta!... Que me não convém
Admoestar esta dor ladina no meu peito!...
Pois, os males de Amor não se espantam com cantar,

Inda que seja canto de sereias... Ai! que vem
Em mim o sofrer pérvio por Amor eleito!...
Pois, de males de Amor sentimos nau a navegar!...

15-10-2010.

De Mentira e Engodo Vive o Amor a Mendigar?

Edigles Guedes

Por que de mentira e engodo vive o Amor só?...
Por que mentes descaradamente, quando
Afirmas que sentes tão somente remorso,
Por me afligir com tuas mentiras?... Sopesando

Em meu peito vil esta dor sem cotovelos,
Que me atropela os sentimentos embotados...
Eu sou do peixe, a isca: um doce caramelo
De ilusão infinda... Pensamentos embuçados

Engodam o meu ser de papel almaço!...
Meu ser que me é tão enganado com os maus tratos
De Amor aprumado, ancho... Ó meu ser agraço!...

Quem lhe ensinou que só de mentira e engodo
Vive o Amor a mendigar?... Quem, cego e sem tato,
Aprende que de Amor se pesca o ser lodo?...

15-10-2010.

Coração Afogueado

Edigles Guedes

Quando se está com o coração afogueado, é notório
Sentir estes insondáveis fulgores e arrepios,
Subindo, como avalanche, pelo tão simplório
Dorso de homem feito ao fio da espada e seu cardápio…

Por isso, não ensejo enevoar a alegria de lábios
Tão femininos quanto os teus!… Por isso, não ensejo
Privar os teus lábios de parcos sorrisos!… Sábios
Desejos de parvos desvanecem meus bafejos

Da sorte — encontro-me despido da pura razão
De ser uma mera marionete nas mãos sujas
Da fortuna pálida, sem um pingo de sazão!…

E, quando se está com o coração afogueado,
Bastante abrasado por Amor laçado; seja
Dia, seja noite, é bom de Amor estar afogado!…

15-10-2010.

Dama sem Apólices

Edigles Guedes

Eis que a Dama se achega, bonita e empertigada,
Com seu vestido de chita rodada; prendada
Moça balança-se ao colo de zéfiro — vento
Que passa em seu caminhar de cágado bem lento…

Que lufada é esta, a qual se introduz de supetão no
Tecido alvo da cor da neve de minha Dama?!…
Ela enrubesce a face da bela lua sem dono;
O olho demais transparente, sem ação, inflama;

O seu andar de andorinha segue-se assaz ritmado.
Ó lufada sagaz!… Que se mostra astuta em luta
Corporal, face a face, co’o vestido mimado!…

Enquanto isso, eu (pobre homem de percalços e óbices)
Ensejo ser o zéfiro afável — que aeronauta
Desbrava os sete ares da Dama sem apólices!…

14-10-2010.

Presa sem Oferta

Edigles Guedes

Na realidade, estás farta de ouvir travessuras
De amores, como se o menino Cupido, brando,
Estivesse a debochar das flechas. Nessa altura,
Tu gargalhas às bandeiras despregadas. Pando

Ventre o meu ri de mim mesmo; afinal, palhaço
Eu fui, quando me deixei lograr pela beleza
De mulher madura. Quão tolo bicho no laço
Da fantasia de amar é o homem!… Sim, tenho certeza

Que há mais veneno na lábia duma mulher dama
Do que na garganta de políticos mesquinhos!…
Elas agem tal como serpente sem escamas:

Preparam o bote e enlaçam a vítima. E fartas,
Esguias, vão-se para longe do corpo e sequinhos
Ossos. Por isso, sorris: eu — presa sem oferta!…

14-10-2010.

Lábios de Lince

Edigles Guedes

Sentada ao pé da escada, como quem nada quer,
Deixas ficar tua destreza, linda donzela!…
Destreza de caçadora impiedosa a vencer
O bárbaro leão, convicto de suas mazelas;

Destreza de marinheiro co’a mão no leme
A enfrentar corajosamente mil procelas,
Furacões, tempestades, tufões, nada teme;
Destreza de fera: instintivamente aquela,

Que de um salto só ou rugido cadente, freme
Seu estrondoso grito, lépido de fascínio!…
Confortáveis, ao ouvido, estão as tuas mãos íngremes

A soletrar a letra miúda de um romance.
Teus olhos fulgem devagar; quando, ao declínio
Do sol, findas de ler os meus lábios de lince!…

14-10-2010.

A Lição de Ulisses e as Sereias

Edigles Guedes

As sereias — que atentaram Ulisses, o grego
Perspicaz — mudas ficaram, pois encantadas
De Amor pelo astuto guerreiro, renderam-se!…
O segredo de Ulisses era as cordas atadas

E a cera nos ouvidos posta. Se favores
De Amor queres gozar na vida, aprende, ó mortal,
Com o sábio Ulisses: amarrem-se tais dores
Ao mastro da realidade, serena e frugal;

Não se aparte jamais por alameda dos sonhos
— Pois ela é a perdição do Amor dos marinheiros.
Depois, nem tudo que de Amor se diz ao ouvido

É para crermos, porque o Amor é trapaceiro:
Hoje, ele se enche de elogios e mil venturas;
Amanhã, ele se enfeza, e fala de amarguras!…

9-10-2010.

Tatuagem Inconcebível

Edigles Guedes

Lua sem sol, estrela sem carinho, bicho do
Mato sem toca ou ninho, nuvem sem pálido
Vento… Eu caminho sozinho com esse lodo
De angústia (por nome Amor), colado ou bem lido

Na testa do meu peito… O quê? Se me desato
A rir, serei tido e achado por crasso louco;
Se me desato a chorar, eu serie um exato
Misantropo sorumbático. Certo é: pouco

Sei de mim, pois no meu peito está desenhado
Essa tatuagem inconcebível, sedenta
Por tinta de Amor proscrito. Pássaro alado,

O qual bateu asas e voou, deixando-me a grita
De quem quer se libertar dos grilhões… Se assenta,
Porém, na rocha de Prometeu e sua desdita.

9-10-2010.

Desterrado

Edigles Guedes

Desterrado eu estou da pátria que beijos
Teus me afogavam de Amor cálido…
Tuas gentis madeixas cheiram a queijo
Bom de Sanharó, cheiro mádido…

Que naufrágio foi esse em que me perdi
Da razão de Amor por ti, minha Dama?!…
Em que recife a nau calhou solteira,
Deixando-me à deriva, com tábua

Por salva-vidas?!… Então, eu me abscondi
Na gruta do teu peito – lago em chamas
Inflamou em mim essa chã e alcoviteira

Alusão de desterrado sem trégua…
Marinheiro que peleja por Amor
Longe dos braços da amada e seu fulgor!…

8-10-2010.

Lhano Sorriso

Edigles Guedes

Custa-me crer em teu sorriso sincero,
Se tudo que me destes foi um coração
Quebrantado de dores de Amor. Eu quero
Sorrir contigo, tatear tuas gaiatas mãos…

Olhar para ti e ver os meus olhos fixos
A espelhar tua alma sem nódoa, sem mágoa…
Como eu quero escalar montanha de lixo
De teus pensamentos fugazes… Ah! Água

Do riacho, que bebi em teus beijos insanos,
Vem inebriar-me com os cabelos soltos
Dessa fingida mulher camaleão. Lhano

Sorriso teu, o qual me custa a crer… Diga-me:
Por que vives a espantar esse absolto
Espantalho (que sou) desse teu ditame?…

7-10-2010.

Cerdo Lápis

Edigles Guedes

O lápis – esse operário bifronte –
Que desenha na folha em branco, letras
De minério e suor da mão brutamontes,
Persegue seu instinto, sua bilontra

Mania de embromar o rabisco lerdo
Nesta noite de ferro e aço nos olhos.
O lápis, cuja tinta se mistura
Com minhas lágrimas ou essa secura

De garganta álpica sem grito. Cerdo
Lápis!… Que me suja a alhos e bugalhos
Com grafite – rota de pedras gratas…

Lápis amigo, por que escrever dardos
Me custa?… Se eu não pedi esse agasalho
De fogo (que me queima) e a mão fragata!…

7-10-2010.

Mãos Panteras

Edigles Guedes

À tarde, ela veste-se de perfume e aroma
Silvestre à espera do amado, que tece sonhos
De uma noite de verão… Então, súbito, assoma
O amado à porta de seu banal armarinho!…

Sobressalta-se a Dama sem camélias. Ufa!…
O decote do ombro deixa-se cair, qual pena
De ave canora ao desabrochar de sua alcofa…
Seu leve olho de plumas ao amado acena.

Num fotográfico movimento de corpo
Felino, ela esconde o que escondido está. Suas mãos
Ágeis como pantera. Logo, o amado crespo

De vergonha e sem pudor encolhe-se ao mundo
De caracol. Coração navega sem timão
Nesse sonho descontente de tão cacundo!…

6-10-2010.

Acesa luz

Edigles Guedes

Não sei se valeu a pena apagar
A luz da sala, e desistir de esperar
No sofá férvido, que venha chegar
Você a mim, nesta noite a me alquebrar!...

Será que você desistiria de mim?...
Mas foram tantas noites de acesa
Luz... Tantas noites de agonia no jardim
De angústia e dor... Que não sei se a surpresa

De lhe ver novamente vale a pena
Mais uma noite de sono... Essa insônia
De ver madrugadas sem Helena,

Sem Troia, sem Homero para cantar
Com sua lira decrépita as velhas glórias
De guerreiros perdidos de tanto amar!...

5-10-2010.

O Relógio Cacareja

Edigles Guedes

Uma pausa no tempo anódino, que escorpião
Inocula em mim seu veneno de velhice…
Minha pele, como página carcomida,
Estraga a laranja de sol e sua pieguice…

Descasco a laranja bendita – aporrinhação
De suco e gomos extintos no cru mordiscar
Da boca simplória… Essa intuição carótida
Do tempo desperta em mim constante peniscar

De pensamentos. Destarte, a faca abiótica –
Eis que vai descascando a superfície estadual
Do estábulo da semente cor metálica!…

Minha pele, qual epiderme da laranja,
Deflagra a ação de corte rente à pausa bambual
Do tempo. O relógio cacareja sem franjas!…

12-9-2010.

Pardal Salobro

Edigles Guedes

Um pardal fez seu ninho nos caibros da
Área de serviço, agora, alegrinho,
Vive a pipilar sua canção antípoda:
Diametralmente contrário ao carinho

Da chuva esguia, ensimesmada e oblíqua;
Contrário ao hálito – que abraço do Sol
Rubicundo!… Uma flor, reta e longínqua,
Lamenta-se da sorte de girassol

De sua partida; pois, amanhã já não
Existirá névoa flor, mas sim como
Pó de fenecida flor na contramão

De sua história de vida!… Eu (que sou beliz)
Vivo a espiar o pardal salobro e acromo,
Que pousa na pétala da flor feliz!…

12-9-2010.

Pardal Cismático

Edigles Guedes

Somos um só corpo, abraçados
Na grama verde e verrugosa,
Nesta tarde de ensolarados
Pássaros e tão brumosas

Árvores, que se emperiquitam
De tais outonos, primaveras…
Corpos bastos, que se empelicam
Na grama à ventura e à vera!…

Tarde de peitica do verde
Com o azul do céu estrábico;
Tarde de sinfonias discordes…

Na grama auriverde, dois corpos
Distraem-se co’o astrolábio
Do pardal cismático, acarpo!…

8-9-2010.

Barquinho de Aulido

Edigles Guedes

Retenho a mão cálida sobre a água
Férvida de manhã e sua liquidez…
Concebo com minhas mãos esse mar
De procelas e labirintos,

Onde um barquinho afoga suas mágoas…
O barquinho de aulido e fluidez
Desata um choro – cólica a bramar!
Ó barquinho acérrimo (insisto),

Por que vives a chorar o leite
Derramado?… Eu posso, por acaso,
Colar os cristais acafobados?

Por que são essas lágrimas, deleites
Não consumidos?… Sim, são pégasos
Choros tão contritos e derreados!…

8-9-2010.

Madame Alcoviteira

Edigles Guedes

Há um silêncio que se deliu na aurora…
Ázigos ventos brincam na varanda…
Uma folha fúcsia, pálida, ancora
Em meus pensamentos, numa ciranda

De crianças espevitadas, correndo
Pelo quintal afora, sem demora,
De pernas céleres. Vida tecendo
Seu ramerrão… A rotina vai-s’embora,

Quando um papagaio rabugento quebra
O silêncio em pedaços de mil vidros.
Acordo, e quase caio da boa cadeira

De balanço; suspiro: − Ufa! Que zebra!…
Quem me mandou olhar, ver navios anidros?…
A vida é uma madame alcoviteira?…

7-9-2010

Anélito de Tarântula

Edigles Guedes

Trago comigo o seu hálito em boca alheia…
Que anélito é este que incendeia corpo
E tráfego aéreo de falas e suas teias?
Fôlego de tarântula – no escopo

Da linguagem rupestre e tão ríspida,
No espaço de um risco nas entrelinhas
De meus pensamentos vaus… Insípida
Pulga dúbia, débil, dúctil, se aninha

Minh’alma: − Quantas bocas esse bafo
Já beijou? Quantas vezes… prometeu-me
Ósculos de Amor e felicidades?

A pulga atrás da orelha – desabafo
Da consciência – tem razão. Hálito deu-me
De tarântula esse cuspe de grude!…

5-9-2010.

Estúrdio de Amor, Náufica nau

Edigles Guedes

Eu estúrdio estou, logo depois que a vi; atra
Dama camoniana, que me dilata
Amor sem cabeça com pé pilantra,
Que me faz pervagar noites leucantas!…

Eu estúrdio estou, tão estúrdio de mim eu ando,
Que o canto do colibri faneranto
Dói-me no acalanto d’alma… Seu pranto,
Meu pranto é: de quem perdeu o memorando

Dessa alma moça – abstêmia de sua aridez!…
Estúrdio, pois eu não me desvencilhei,
Das madeixas que são grilhões de minha

Alma; que me deixa na desenxabidez
De nau sem porto, sem farol. Eu encilhei
Minh’alma, sim, em náufica nau asinha!…

5-9-2010.

Gato Cacófato

Edigles Guedes

Folga-me tarde branda de seu aflato!…
A lés-nordeste de mim, eu me encontro
Tão insular quanto um gato cacófato
Na manhã de setembro. Então, dentro

De mim para comigo, eu sei que a tarde
Inflama no meu peito sadio, engodo
De horas preclaras ao lado da sede,
Que me torna tão humano degredado!…

Trancado na jaula do corpo, minha
Alma sente-se como um carboidrato
Sem pulo efervescente de suas bolhas!…

Sente-se como gato que se aninha
Num salto solerte (que eu não desato);
Sente-se qual flutuante pia sem rolha!…

2-9-2010.

Pingo Giganteu

Edigles Guedes

Pés mimeógrafos apalpam-me as chagas:
Pústulas − ginásios de Amor ferido.
Parcos sorrisos de anágua e babados
Esboroam em meus recurvos sentidos!…

Transborda em mim um sentimento: praga
De ametista e ameixa maldormida,
Noite de psitacídeo encabulado!…
Afogo-me de peixe sem guarida

Debaixo de tuas asas angelicais;
Escondo-me nos lençóis de teu rosto,
Como quem vai a seguro e lídimo cais!…

Estrôncio de mim, eu emendo-me co’o teu
Sorriso − sereia célere, sol-posto
Num pingo de paraíso tão giganteu!…

1-9-2010

Olhar Casto do Amor

Edigles Guedes

Eis o vento, minha filha: você não
Pode colhê-lo com as mãos em concha
De oceano Atlântico das luzes, senão
O sargaço, enciumado, esse cangoncha,

Faz beicinho e cara feia para você,
Minha donzelinha de papai cheirar!…
Eis o vento, ele não fia, arrefece-se
Co’o clímax tanajura; vive a joeirar

As folhas saídas de baixo de árvores –
O vento, traquino, gosta apoquentar.
Eis que o vento mallarmaico, de odores

Selvagens, consigo carrega sua dor:
A dor de ver o que vejo e não tatear,
A dor de amar pelo olhar casto do Amor!…

31-8-2010.

Céus sem Alças

Edigles Guedes

Nenhuma arte na porta da sala de
Estar, nenhum caminhar de cágado
Com os passos rentes ao ser de alarde
Em mim, nenhum barulho endomingado,

Nenhum cheiro no meu rosto de abrolhos
E vácuo dos automóveis cortantes
Dentes, nenhum fungar de esbeltos olhos,
Nenhum dourado beijo de pé arfante…

Mas, vestida, qual Dama da Camélia,
Você desalinha da gravata o nó.
Você diz-me doces sem contumélia;

Você desata-me o cinto da calça;
Você deixa-me estarrecido, áfono;
Você transforma a terra em céus sem alças!…

31-8-2010.

Peregrinos Semens

Edigles Guedes

Peregrino eu sou desta terra estranha
(Algibeira para mim), por isso o aço
Das palavras a brotarem entranhas
Em mim – cavalo búfalo sem laço,

Sem rédea ou bridão para segurá-lo!
Peregrino, estou a perguntar: começa
Aonde esse cego nó de bucéfalo
Pedestre, sem trânsito que me meça

Da avenida da minh’alma aos mazorros
Pés de lata e angústia do meu corpo em rua?
Levanta-te! pare de andar a zorro

Por aí: a vida não estanca! Toda cruel, crua,
Ela (a vida) recria-se em ébrio forró
De peregrinos semens e vulvas nuas!

31-8-2010.

Vômito de Verme?

Edigles Guedes

Conspurcado mar de ossos e minérios:
Onde me navegaste? onde essa preamar
Quer me levar? Cantam conchas, saltérios,
Violinos recalcitrantes, verbo amar…

Eu – pútrida carne de vermes sáfios –
Sinto-me e sou tão xucro, e tolo, e néscio,
Quanto uma criança de terra sáfara,
Quanto uma tormenta que em si alcântara…

Sem naufrágios d’alma, Robinson Crusoé
À deriva da Arca do pujante Noé,
Eu, passo a passo, desconstruo-me, ingrato!…

Esfarelo-me no primeiro prato
De sopa com letrinhas voos, flutuantes…
A vida é um vômito de verme instante?

25-8-2010.

Alpendre Ábaco

Edigles Guedes

Deságuo-me em pleno voo de imaginação; tenor de
Banheiro – eu não sei imitar os pássaros e seus cantos
Indígenas. Aprendi na carpintaria da vida
A ser originalmente eu mesmo e nada além de mim!

Vivo sem as pretensões de passarinho canoro,
Sobrevivo nas asas do plenilúnio axífugo.
Centrífugo em meu umbigo, eu não sei das viagens de Marco
Pólo, de Júlio Verne, ou de Gulliver. Estou longe

Dos aventureiros de finais de semana!… Aboiado
Em minha espreguiçadeira dou o braço a torcer: lida
Distante de mim, preciso dialogar com aleli…

Homem de rudes palavras, vocabulário ápodo
Da noite sem fuga de Bach!… Desmemoriado fungo
Eu sou, debaixo do alpendre da cor de aberto ábaco?

24-8-2010.

Mãos Enxaguadas

Edigles Guedes

Refém do medo da madrugada matreira, seco
Dos meus instintos mais íntimos, eu vou navegando
O Infinito entre um ponto e uma vírgula, co’a palavra
De entremeio. Sigo o destino de travessão pálido:

Eu procuro o tímido pássaro atroz, aquele outro
Personagem, para que juntos possamos (quem sabe?)
Tocar a valsa vienense de Drummond, em um só eco!…
Eu sinto em minha calvície de anos, vagabundando

Em mim a floresta do desespero humano, lavra
De uma existência digna de anonimato esquálido.
Nasci para ser tão somente pó da terra!… Já ouço

O bramir esquecediço da baioneta e do sabre.
São as palavras que me chamam agoniadas, vexadas,
A pularem no papel, por minhas mãos enxaguadas!…

24-8-2010.

Bom Covil

Edigles Guedes

Proscrito em indumentária
Silvestre, eu (pobre criatura
De carbono e urticária)
Padeço na gramatura

De minha língua baderna!
São tantos estrangeirismos
Andando por aí!… Que eterna
Alma descansa algarismos

Pútridos de vícios sóbrios!
Trago em meu peito varonil
Esse esculacho: mais vale

Um passarinho com seus brios
Voando do que pássaro alarde
No da raposa bom covil…

24-8-2010.

Lira Desafinada

Edigles Guedes

Desalmada mulher dos pesadelos
Meus: o que foi que te aconteceu? Brado
De onça selvagem na caatinga do Meio.
Qual caçador de minério em barroca

Terra, assim é o coração empedernido.
Astuto, meu coração que arrefece
Estes sentimentos nobres!… Sim, bruto
Coração! onde você escondeu o cálido

Amor por donzela em seu cálice?… Ora,
Breve amigo, minutos passilargos de
Suspiros! onde está a bela donzela?…

Eu sei que ela corre perigo. Posto
Que o perigo sou eu!… Tranca-ruas de versos
Afoutos, de lira desafinada!...

22-8-2010.

Espáduas Turvas

Edigles Guedes

Domingo prazenteiro: que desastre
De dia foi o meu, sem uma gota de arte
Nas veias banais da América latrina!…
Eu sofro do sopro incógnito de Amor!

Amor que aflora na curva da escada,
Amor que enamora os bons namorados
De plantão na praça. Bastos coqueiros
Balouçam na cadeira de balanço

Em minha casa. Navios verdes, alto
Mar de cachos ensolarados, chuvas
De agosto que respingam bem quentinhas

Em mim. Oh! brando nó que me desata!
Oh! estupefatas mãos e espáduas turvas!…
Que desassossegam olhos trigueiros!…

22-8-2010.

Magnéticos Olhos

Edigles Guedes

Magnéticos olhos fartos, enfarte
Da minh’alma, tal como esse desgaste
Na lâmina da faca cega e torta
Em seu amolar-se diário em pedra rota.

Magnéticos olhos gástricos, lince
Que se lança em caçada brutal, chance
Nenhuma para a presa, que indefensa,
Foge dali, pula daqui; propensa

A um mugido e ora sus! – a morte certa.
Magnéticos olhos cáusticos, como
Uma xilogravura descoberta

De homem rústico, rupestre, terrestre
Ser que se alegra co’a miséria – assomo
De tal solidariedade pedestre!…

22-8-2010.

Sargaço ao léu

Edigles Guedes

Noite sestra! … Submarino atônito
Na cavalgada da maré cética.
Eu escuto, de memória, as escumas sãs
Do oceano Atlântico com indômito

Amor, gemendo por rochas náufragas,
Sem cor. As algas como epilépticas
Pernas, desafortunadas cortesãs,
Fluem o fluxo e o refluxo das amargas

Águas. Salobro sal de ácido cuspe
Das horas magras, corais marítimos
Sem tons musicais, silêncio apócope

Do sargaço ao léu – tão estreito em sua casa
De lama e esgoto… A praia (poluída) escassa
De banhistas e lamentos bálsamos!…

19-8-2010.

Tosco Marulhar d´Água

Edigles Guedes

Uma equação sem solução aparente –
Assim é o Amor: cego que não vê um palmo
À sua frente. Cego guia de bengala –
Ausente. O Amor é lugar de tementes

Águas conturbadas por procelosas
Ondas sem sal… Mastigo eu, lasso, calmo,
A reminiscência em traje de gala
Da minh’alma. A vida é pernas dengosas?

Turista de minhas pupilas sem dor
De cotovelo para consolá-las,
Eu sigo avante por veredas sem cor!…

Há dias que a tristeza sela tamanduá
Em mim – bicho de dar nó nas estrelas
Gasosas? Ah! tosco marulhar d’água!…

18-8-2010.

Riacho Anil

Edigles Guedes

Tabela de preços sem valor próprio,
Ilustrações sem valia alguma, livro
Da última badalada da meia-noite,
Pensamentos dispersos na latrina!…

A vida no badalo com sorriso
De guizo: gato seio em telha vã, sem pio!…
Repousa na mesa esse marca-livro
Tolo, tão tolo quanto eu!… Artrocondrite

De sentimentos vagos a trafegar!…
Palavras balbuciadas em menina
Boca?… Coração estúpido a estortegar!

Por que a vida há de ser uma dor senil?
Olhos, os teus cabelos, que são bem lisos,
Morena. E eu me acho tal como riacho anil!…

17-8-2010.

Velha Ingrácia

Edigles Guedes

Rasga o verbo conosco. Corríamos
Pela cozinha de casa, brincando
De pique-cola. A gargalhar, sorríamos!…
Essa velha Ingrácia vociferando!

Ácido ascórbico em cápsulas alvas
Cheirando a roupa branca da saudosa
Negra Ingrácia. Ó quanta saudade fulva
Da negra Ingrácia!… Doméstica aftosa

Nos calos de meninos! E os seus doces?
Ela era doceira de mancheia!… Ímpares
Salgadinhos pulam na frigideira!…

Hoje, meus olhos passeiam bem veloces
Em casa, buscam os olhos ácares
Da velha Ingrácia. Por onde ela andará?…

15-8-2010.

Maré sem Chassi

Edigles Guedes

Sussurro duma brisa claudicante,
Murmúrio sem água potável, guapo
Peixe navegando a sirte do existir.
Doce páramo, lago aconchegante!…

Tarde sem verão de permeio, feio sapo
De cócoras em sua terra de fremir
O frio – que vem cavalgando esse monte!…
O mesmíssimo frio de pedra… Anteontem,

Uma estrela cadente veio “post mortem”
Passear na Terra, e escafedeu-se no mar.
A vida de astro é tão breve celeste

Quanto à morte da mariposa de Assis!…
Duro é recalcitrar co’agulhas, remar
Contra o ferro-velho – maré sem chassi!…

15-8-2010

Psiu sem Noite

Edigles Guedes

Um ventilador velho e vuco-vuco
Resfria o dia deitado na cama alada!
Um cansaço e bom relógio sem cuco
Discorrem sobre a álgebra da salada

De frutas na cozinha fantástica
De minha casa! Há um mundo prodigioso
Dentro da minha cachola rasa e esférica!
Um mundo de homem mudo e langoroso!

Um liquidificador persistente
Tritura as matérias (banana e maçã)
Em seu forno a jato e recalcitrante!

Um tetéu, na vigília do pernoite,
Canta seu cântico de ave ribaçã?
Tudo é abracadabrante psiu sem noite?

15-8-2010.

Céu Aliseu

Edigles Guedes

Madrugada incólume, em que o grilo canta
Seu salmo monótono!… Há um risco inerte
No papel da carta, que eu não escrevinhei.
Tudo é silêncio cego de escuridão…

Um mosquito sonâmbulo me inquieta.
Pobre bicho! que bastante solerte
Soletra a cartilha verde, que eu sonhei
Nos tempos de menino… Grã solidão

Com os livros de Monteiro Lobato
Em minhas mãos de calos e assíntotas!…
Sento-me ao lado do lustre astômato

Da sala de estar. Eu já não sou mais eu,
Sou uma breve figura (cara torta)
Em porta-retratos… Manhã, céu aliseu!…

8-8-2010.

Pulcro Talhe

Edigles Guedes

Usuário das horas arqueográficas…
Prossigo por ingentes pensamentos.
Há um túnel na estrada reprográfica
Dos sandeus – longobardos sentimentos.

Pulcro talhe de mulher desabrocha
Na linha do horizonte geodésico.
Quem vem lá? Já vem bela flor em concha
De vestido farfalhante – belisco

Nos olhos ariscos da tarde insossa!…
Pulcro talhe de mulher desengrossa
O hábito das estrelas tão cadentes

Quanto de fervores amanhecentes!…
Ó talhe de mulher sem escrúpulos!
Que me encanece, qual gato aéreo pulo…

7-8-2010.

Dia dos Pais

Edigles Guedes

Meu pai, pego da pena para exaltar,
Hoje, a tua paciência para comigo!…
Eu (um obtuso imperfeito) que a peraltar
Nos teus braços, ombros e torso amigos

Vivi desde menino bem franzino,
Venho nesses versos, tal qual mendigo,
Pedir a tua bênção, meu papai alvino!…
Pois, eu sou pequenino do tamanho

Do alevino. E agradeço a mão que sigo
Por me guiar guarnecido, sem acanho,
De carinho enobrecido. Neste dia,

(Enaltecido por muitos) declaro,
Em salto de bom tom, nossa melodia,
Como pássaro na chuva serôdia.

7-8-2010.

Peixe sem Dentes

Edigles Guedes

Por que a pedra no meio do meu caminho
Não é igualzinha a pedra do vizinho?
Preciso aprender a fazer das pedras
Uma fortaleza ou forte, que medra

No imo. As pedras que jogaram em mim,
Com o tempo faleceram em jasmim,
Tornaram-se um canto – entrave de cisne,
Tornaram-se meu titubeante tisne.

Fugiu em mim um fôlego de gota
De chuva. Deságua cachoeira rota
Que pole a pedra triste, mocoronga.

Hoje, chora em meu peito transparente
Essa dor rente de peixe sem dentes,
De dor sem ferida, sem trapizonga.

5-8-2010.

Soneto à Bacia Sanitária

Rechonchudinha: chupeta de criança
Plantada ao contrário na árvore – cano
De descarga. Quem sabe?… Uma esperança
Verde de milagres bem espartanos,

Flutuando em sua nau por guerra escondida
Entre estômago, intestino e sua boca…
A gula aguda que agulha a ferida
Da úlcera gástrica em gluglu de foca,

No espetáculo do circo estomacal.
Quando a vejo, ó boa bacia sanitária,
Os meus olhos enchem-se com pá de cal!…

Pois, lembro-me da azia e má digestão,
Lembro-me as hemorroidas solitárias,
E o jornal lido no trono sem razão.

03/08/2010.

Navega em mim

Edigles Guedes

Navega em mim a solidão das horas
Sem pudor da tarde alva. Tarde calva:
De substantivos ermos, adjetivos
Estropiados, advérbios deletérios…

Navega em mim um mar colosso e afora,
Sem escrúpulos das horas fuscalvas,
Porquanto o tempo é degenerativo
E imperdoável em seu giro ─ vozerio

Das engrenagens de relógio infindo.
Navega em mim esse grande estrupício:
O Amor, nem sempre todo bem-avindo,

Nem sempre em mim bastante compreendido…
Mas que persiste, tal como no hospício
Um lunático de siso encardido!…

02/08/2010.

Uma Colher de Sede

Edigles Guedes

Quanto mais me amavas, mais eu te perdia.
Porque no jogo do amor é assim: nem dia,
Nem hora marcada existem para o Amor
Deixar sua marca registrada ─ clamor

Dos calos na mão do coração ingrato!
O Amor é um chato: velozes sapatos
E umas sandálias Havaianas no dorso.
Há sempre na boca o gelo remorso

Pelo beijo que não nos concedemos,
Há os desencontros irreconciliáveis
De mãos sem afagos. Nós esquecemos

O quão difícil é viver sem paredes
E portas trancadas. Quem sabe?… Talvez
O Amor nos dê uma colher de sede!

01/08/2010.

Manhã de Inspiração

Edigles Guedes

Creia-me: o vento sopra. E o rio (que há em mim) flutua
Qual barquinho de papel ─ Parmênides
Ontológico em estátua perpétua.
Brinco com a desenhada efélide

Em teu umbigo felpudo, de pelúcia.
O ouro do sol atravessa a janela,
Bem nutrida dos suspiros e bafos
Entrelaçados. Manhã de inspiração:

Eu e ela sobraçados, a nau carícia
Em naufrágio de lágrimas. Cadela
Vira-lata deambula, desabafo

De faro catando lixo. Numa ação
Repentina o vento sopra, levando
Consigo a memória esdrúxula de aedo…

31/07/2010

Soneto de pé Quebrado

Edigles Guedes

Caiu o sobrolho da tarde na figura anônima
Da mulher primaveril. Asco, ânsia, vômito:
Passeiam, lado a lado, com minha boquiaberta alma.
Estou só, e a lembrança de perfume do indômito

Coração poreja na pele do meu cérebro.
É tudo impróprio para menores de dezoito
Anos? Eu tenho uma alma avessa a certos adultos?
É tudo tão bruma em sua lógica de tal grego

Aristotélico? Que nos é proibido pensar
Com nossas pernas no Amor que se foi ─ que se perdeu.
E haja pernas minúsculas e sem músculos!…

Eu sou aquela andorinha em doce e frívolo penar.
Aquela que pousou na janela e se rendeu
Ao teu pesar com charminho, à tua voz de bruços!…

30/07/2010.

Eucarionte de mim

Edigles Guedes

Sentado na espreguiçadeira tosca,
Eu animo-me com o canto maduro
Do sabiá-laranjeira. A semântica
Das horas gorjeia entre aplausos e apuros.

Eu encontro-me de mim para comigo,
Quando do beijo em ósculo de Iscariotes,
Retumba em minha face de pascigo
Traído pela Lua ─ esse ácido eucarionte

De mim. Prossigo avante com mácula
Esconsa no meu peito etnográfico.
Vale íngreme, caminho ínvio. Pulula,

Cá dentro, esse chiste de nau. Portugal:
Tão longínquo quanto fotográfico
Nas lembranças de menino ditongal!…

31/07/2010.

Ando no Uivo da lua

Edigles Guedes

Porta que se abre para dentro de mim;
Como lata de sardinha enlatada,
Aberta por meio de abridor de lata;
Como se desabrocha flor de jasmim

Dentro do jardim de poemas… Que porta
De escárnio na minha carne! Balada
De Manuel Bandeira sem estrela chata
Para a vida inteira!… Amnésia que corta

O bagaço da hérnia de disco em pele
De poeira. Por que a vida é dor que se dói?…
Lamento que se lamente e urocele

Da lua na noite sem ruas ou calçadas
Para os meus sapatos tolos com dodói!…
Ando no uivo da lua, que beira a estrada.

9-4-2010.

Dipsomaníaco Coração

Edigles Guedes

Desventura de mãos capitulares
Em corpo transcendente de si mesmo.
Desafortunadas pernas ciliares
Na constelação de abléfaro orgasmo.

Desbloqueados olhos que me olham glaucos,
Como chuva em curta curva elíptica.
Penumbra que sonha pés mamelucos,
Indo e vindo por caminho tarouco!…

Desmemoriada gangrena de outrora;
Putrefato tempo, que freme, agora,
Seus irremediáveis aços de calma!…

Amor: palhaço do dipsomaníaco
Coração, embriagado pelo ambrosíaco
Perfume, que se evola da isógama!…

10-4-2010.

Tarde Verrugosa

Edigles Guedes

Debruçado na janela do quarto,
Vejo um carro de boi a vagar estrada
Da hora. É meio-dia e o calor, ingrato infarto
De suores no intermúndio de mim, com zoada

Escaldante, chama-me para a sesta!
Aceito o convite de bom grado. Azo
De bate-papo na varanda. Fresta
De descanso em meio ao ramerrão frustrado…

O calor como sempre nada fala,
É silente tal qual ébria fornalha
Temulenta, espigaitada. Amígdala

De voz incongruente, a rede enjoosa
Balança-me nos braços em migalha
De sono, nesta tarde verrugosa.

10-4-2010.

Mãe: Amor Inviso

Edigles Guedes

Mãe, o teu ventre foi campo fértil para
O embrião — que era eu. Campo de batalha crua,
Milhões de espermatozóides em seara
De competição abléptica: casa nua

De carne e óvulo, pequeno Polegar
Sem botas de sete léguas… Teu ventre
Foi concha quentinha, que me fez esgar
De pássaro em noite sessiliventre!…

Mãe, o que posso dizer a ti? Clipes
De ideias sésseis e tão voláteis quanto
Esse alvorecer entre herpes e dropes!…

É tão bom o teu colo de sorriso
Anil, que nem céu de estrelas em pranto!…
Mãe: colcha de interciso Amor inviso!…

10-4-2010.

Copo em Têmporas

Edigles Guedes

Copo, corpo torto, de matéria ovo;
Cuja gema é a molécula de essência
Surda: não ouve os bastidores do polvo
De dores alheias, não ouve a vítrea ciência

D’alma das coisas, animais e flores;
Cuja clara é a célula de aparência
Máscula das horas instáveis, sabre
Das areias movediças, indecência

Do umbigo da cor branca, fungo leso.
Copo, corvo ao pó despojado, lado
Bê da vida em vinil de vidro. Obeso

Jogo entre impúbere céu arcaico e chuva
De abril temporão; em têmporas de assado
Tempo na frigideira que se curva!…

9-4-2010.

Maçã de Espelho

Edigles Guedes

Minha benquerença por ti é comparável
Às turquesas mãos derretendo-se em fogo
De língua hematita, acrisolada. Arável
Coração de crisocola!… Catálogo

De mim, fico enlevado, olhos de tigre
São os teus. Não sei se minto ou digo a verdade,
Quando afirmo: — Ah! Amor de boa avença!… Milagre
Da boa esperança!… Amor de adiposidades

No tato da pele turmalina. Adaga
De quartzo são os teus pés: encanto de áspides!…
Louco papa-léguas (eu sou) da fadiga

Do amanhecer entre lençóis e ametistas
Coxas… Ágata muscínea, amarílides
Beijos em tua maçã de espelho aforista!…

9-4-2010.

Sete Cítaras

Edigles Guedes

Sete cítaras septibrânquias: sede
De sedas surrupiando o cálcio suco
D’alma do ser septíssono!… Alípede
Vento de som sitibundo, aqualouco!…

Sete cítaras septívocas cantam
O chalrear de inequívocas piritas!…
Lápis-lazúli de coração tam-tam,
Expedito, sopra a flauta chedita!…

Sete cítaras em louvaminha — foz
De cataratas do Níagara solta
Em baque de queda de cutelo algoz

Sete cítaras em cólica de tom
Camaleão septicolor… Giravoltas
De obsidianas nuvens de puído ultrassom!…

9-4-2010.

Peixe-Mulher

Edigles Guedes

Labirinto de Minotauro que me
Desfiei o fio da meada. Como Perseu
E o Jasão (agro cnidário) eu culatreei meu
Destino; se fado houver de azedume

Tal qual este, o meu. Não sei por que a fama
De Medusa é de mulher invejosa?…
Ela não sabe que é muito chorosa
A lágrima de peixe ígneo na cama!…

E de peixe ferrugíneo é que se faz
O Amor mítico das pernas femíneas!…
E que peixe icteríneo, segue atrás

Da fila indiana das horas em conchas
De pérolas lilacíneas e lígneas!…
Ah! Peixe-mulher que me medusa, anchas!…

8-4-2010.

Fátua Donzela

Edigles Guedes

Cabeçalho de tarefa de casa,
Asa de andorinha passarinheira,
Pécora pulcra que nem boi na brasa,
Pérola áspera sem beira nem eira!…

Tua rosa… perfume evola-se acerba
Pele de nariz febril. Termômetro
De paixão violenta, que a quilômetro
De distância inflama e queima; soberba

De pernas em bateria de exército
Amigo da infantaria de agres coxas
Em cio de briófitas, em cio ciófito!…

A noite dilacera suas estrelas
De sentimentos tão cógnitos!… Roxas
Orquídeas vicejam… fátua donzela!…

7-4-2010.

Hidrângeas Coxas

Edigles Guedes

Tropel de sentidos fluidos: os mares
(Em faúlhas de água e sal) espalmam terras
De muitos anos-luz. Eia, vaivém de ares
E vagas!… Gasosa escuma — que erra

Pela fenestra do vento indômito!…
O urro de sol na areia da praia no prazer
De corpo desvestido, calmo ábdito
Das horas de outrora. Noite de lazer

Dos lumeeiros que luzem suas lanternas…
Lago de Amor é o teu regaço, aberto
Para os meus braços de ingentes apertos!…

Ovelhas mãos, délias mãos de cisternas!…
Anêmonas pernas, que viçam jasmins!…
Hidrângeas coxas que se rojam em mim!…

7-4-2010.

Meros Espasmos

Edigles Guedes

Debalde, procuro entender as flores;
Mas não sou algum botânico, em contramão
Da taxonomia dos almários seres!…
É inútil a filosofia: meu pulmão

De pensamentos. Viver não se rende
Ao charme da razão crua e nua dalgum Kant.
Viver ultrapassa a rede que prende
O intelecto à emoção dum canto. Cante,

Meu amigo, esse momento, porque existe
O momento independente de você
Querer ou não. Este momento em que riste

De mim, não precisa do teu sarcasmo
Para existir; ele existe veloce
E trivial!… Nós somos meros espasmos!…

7-4-2010.

Fulminívomo Mortal

Edigles Guedes

Sempre entre risos, há uma lágrima,
Que rola pela blandície da tez
Rubicunda. É pouca essa palidez
Das horas, quando estou nesta cama

Contigo, minha cálida amada!…
Não me cansarei a correr perigos
Por te amar; como ágil herói ázigo,
Sofro venturas bem abreviadas.

Por que choras por mim?… Eu sou teu, assim
Como a lua pertence à noite, como
Molly Bloom no feudo canto de sim!…

Não chores! meu bem, a noite já vem…
E eu, estátua de mim, fulminívomo
Mortal, enfrento a borrasca-nuvem!…

7-4-2010.

Retrato Rasgado

Edigles Guedes

Retrato rasgado não se emenda.
Por que há em teus olhos de tigresa
Tanta raiva raiando em rios? Tremenda
Fúria por uma boba magreza

De vaso, que acidentalmente caiu
Do terceiro andar da estante, cheia de
Bibelôs sem valia. Rosto descaiu
O teu; tua cútis de aurora — rede

Que pescou meu coração — desfez-se
Em apuro de vermelho seco!…
Por que a tua face pesa sobre mim?…

Não se ire! meu benzinho… Olha: desse
Chove e não molha, é melhor bravo eco
Soar de Amor e compaixão, meu jasmim!…

7-3-2010.

Mulher Aulétride

Edigles Guedes

Abrupta, ela chega com sua bolsa
De camurça (linda de dar dó!). O sol
De meio-dia, deixou na varanda de
Casa, junto co’as sandálias broncas!…

O seu vestido dança essa valsa
Vienense, como débil girassol
A seu bel-prazer, à sua vontade…
Acolá: a lua — adormecida — ronca

Suas mágoas de namorada traída
Pelo sol com as estrelas. O mundo
De noctiluzes, de lampírides,

Percebe-se que é sob encomenda
Para o seu busto: colo infacundo,
Pudibunda mulher aulétride!…

7-4-2010.

Telefone Toca

Edigles Guedes

Telefone toca. Eu, prontamente,
Atendo - esperançoso de meu Amor!
Infelizmente, não é essa demente
Mulher que me apaixonei! Aquela flor

Esquecida no jardim... Macieira,
Que encanta meu coração pedante!...
Ah! Como eu sou essa boa cafeteira
Mergulhada na mesa carente

De manhã. Pois ela não quer saber
Da dor alheia, somente quer sofrer
A dor do bule quente de café!...

Telefone toca. Já a esperança
Se vai... Sonho que é ela... Minha herança
É essa sina que há em mim, de fé em fé.

7-4-2010.

Solo da Paixão

Edigles Guedes

Estou atreito com esse claustro; é certo
Que cedo ou tarde o meu Amor vai deambular
Por aqui. Aguenta só um pouco!… Decerto,
O Amor não tarda; e se adiar, não é de burlar

As leis do torcedor fiel da boa poesia!…
Preste atenção, o Amor é jogo da velha:
Ninguém perde, e ninguém ganha. Afronésia
De minhas faculdades teatrais. Telha

Vã, que caiu do telhado do meu juízo —
É assim o amor. Abscônsia alma, deveras,
Sabes que batalha naval, prejuízo

De meus parcos recursos — é o Amor. Solo
Da paixão incrustada em mim, como vera
Criança sem vê no aniversário o bolo!…

6-4-2010.

Endereço do Coração

Edigles Guedes

Qual o endereço do meu coração?
É necessário um discurso franco
Com ele. Desenxavido, loução,
Meu coração — foge a saltimbanco

Da palavra cruzada do terno
Amor. Corre pra longe do falso
Amor. Ele não te entende!… Inverno
De dura geada, ele é. Cadafalso

Para os teus pés célebres — é o dito
Amor. Se conselho fosse bom, não
Se dava, vendia-se na quermesse

Da esquina. Mas, eu dou-te, contrito
Coração! É que não quero errar; senão,
O Fulano sofrer que se apresse!…

6-4-2010.

Teu Corpo em Flores

Edigles Guedes

Inalo as flores da estufa e rendo-me
Ao teu cheiro de mulher carótida!…
Rosas são as tuas mãos: peixes em cardume
No meu aquário em mim, das horas grávidas!…

Boninas são as tuas pernas estrábicas,
Eis que malmequeres ou bem-me-queres!…
Margaridas são coxas auléticas
Tuas, em sussurro de suave cárcere!…

Cravos — escravos de Jó — são espáduas
Tuas, na manha de gatinha sedosa!…
Girassóis são tuas vergonhas divíduas,

Com odor de lírio sério, campestre!…
Teu corpo recende de mulher ciosa
A alfazema… Que você me sequestre!…

6-4-2010.

Que Malsim!...

Edigles Guedes

Eu sei: tu não tens contigo a tulipa,
Que te dei. Sinceramente, jogasses
Fora as seis pétalas tolas, sem aspas
Nas entrelinhas sonsas. Que benesse

Trouxeste para minha vida? A não ser
Esses meu pesar de mosca meio morta,
Meio lisa; ou talvez aquele adolescer
De gangrena aberta por ruas tão tortas

Da minh’alma de escafandrista. Estou alheio
Às ondas do mar; estou no escomunal
Navio do tempo presente. Eis que folheio

Um livro para distrair-me; porém, sim,
Persiste em meus pensamentos toda nau
De lembranças da tulipa. Que malsim!…

6-4-2010.

Doce Cafuné

Edigles Guedes

Tu és o ovo de chocolate com Páscoa
De recheio, meu benzinho. Que sereno
É este, que assopra seu fulgor?… Como ecoa
No coração zabumba o seu odor lhano!…

Eu sou manteiga derretida pelo
Charme de mulher bandida. Elegância
De ombros desconjuntados, banguelos;
Bala de prata co’aquela fragrância

De veneno. Mulher de sapato alto:
É um perigo de ascensorista — fatal…
Tu és meu brinquedo esquecido, em contralto

De estupendo coral de estrelas murchas!…
Tu estás soprano em corpo continental —
Doce cafuné!… Anjo, que me avalancha!…

6-4-2010.

Teu Retrato

Edigles Guedes

Teu retrato, tatuado no meu peito,
É sinal inequívoco de paixão
Surda, dentro da caixa de defeitos
Dos meus pensamentos em circunflexão…

Teu retrato (enlaçando-me a mim pelo
Peito) faz-me feliz no mudo aspecto
De teu beijo vagabundo. Eu que anelo
Por tua lua em loas lúbricas… Circunspecto,

Devoro o esmalte de tuas unhas — fera
A ferir-me de desejos, encantos
De porcelana chinesa. Pantera

De fêmea faceira, atada ao retrato
Da figura, sem sobressalto, de Amor
Fovente. Ó mulher, mercê de destemor!…

6-4-2010.

Língua Lamelífera

Edigles Guedes

Língua: lamento alífero de aluguel;
Alimento do lanoso e legível
Laurel de latim. Laúde sem limites,
Sem luvas de lavanda laurífera.

Lava-louça sem alarde, lealdado.
Leseirice — aluado lambrequinado!
Língua lúbrica com loucas lílotes;
A lheguelhé língua lamelífera.

Lavoura analítica prelibente,
Com loquaz sem lucro literalmente.
Lã de lambugem; lustro levirrostro.

Libélula libente: lastros lábios.
Língua em laço, lanifício luzidio;
Luar luxuriante de lamelirrostros…

6-4-2010.

Premência Parida

Edigles Guedes

Manhã de bule ao sol. Estou sentindo
O formigar dos mares de areia. Fecundo
A manhã com minha porosidade
De cansaço. Estou eunuco de tuas esgrimas

De pele, minha amada. A nau cegueira
Sucumbiu meu coração. Na algibeira
Dos meus pensamentos, há só ansiedade
Por tuas mãos em escorrego — lágrimas

De felicidades na epiderme
Dos meus sentimentos. A gata freme
Teus roufenhares de pernas lânguidas.

Na cama áspera, de espáduas desnudas,
Quadris sereiam tuas dádivas carnudas.
Mulher dardeja premência parida!…

6-4-2010.

Fezes Cópulas

Edigles Guedes

Eis que tudo são fezes: breves risos
Do humano transitório nesses guizos;
Guizos entre a ternura da loucura
(Que cerceia a lógica aristotélica)

E a razão cartesiana das emoções
(Jogo de suas marinheiras sensações).
Há nos guizos, que também são procura
E revanchismo de certa estética,

Maculada por íngreme sapato,
Fincado no chão (ácido firmamento),
Aqueles ares de negra pérola

Em desgosto de rosto desdobrado,
Na mansão de abril com mítico brado.
Guizos em risos de fezes cópulas!…

6-4-2010.

Paisagem com Frutas

Edigles Guedes

Maçã sem parafuso de talo;
Mamão com fuso horário no ralo
Da pia; uva: ave em decúbito dorsal;
Banana sem ultraje de gala;

Melão magoado em agrotóxico;
Abacaxi: pipi de penico;
Maracujá só em agosto com sal;
Ameixa com saudável procela;

Morango em sabor de flor de menta;
Caqui: engole pimenta garota;
Melancia: caroço em figurinha;

Laranja em colisão de topázio;
Limão de engarrafado olho lúzio;
Pera em peleja de carochinha!

6-4-2010.

Sem ti, Amor

Edigles Guedes

Sem ti, tão desprezado Amor,
A chuva cai aos miúdos. Mor
Flor que o mundo já viu, porém
Desmentiu sua existência: atra

Dor, que dói em meu peito. Siso
Em loucura: dado riso,
Que sorte e azar, sócios, contêm
Seios alísios alcoólatras!…

Sem ti, tão dromedário Amor,
O sol poreja o mesmo suor,
Agora a pouco. Devaneio

De meu desafortunado
Coração há muito fadado
Ao teu laço, que me esperneio!…

5-4-2010.

Galo Geocêntrico

Edigles Guedes

Galo guerreiro, gabarola, geme
Seu gemido galáctico, gruiforme;
Gado sem gorjeta, cego gráviton
Do grão-vizir; gole galactófago!…

À guisa de gato grunhindo gelo,
Galgando gaios gestos, gaiatos grânulos
De gaiola com legume — gaudioso glúon…
Gênio galante, gigante geófago.

Grão-turco grasna golfe gongórico;
Gongolo graúlho a golpear galênico
Golfo graúdo de golquíper oógamo!…

Gozoso gavião sem gasto, sem ganho.
Gota a gaguejar Golias de golfinho
No geocêntrico galo polígamo!…

4-3-2010.

Noite Pulcra e Peralta

Edigles Guedes

No rodapé da calçada, eu navego
As horas de ignóbil caminho avante!…
Perseguir-me-á, cravada em poste cego,
A lâmpada elétrica, doravante…

Evanescente sombra que me angustia…
Por que me segues em noite regada
Por penumbras das pernas rotas da tia
Lua? — Seara de nostalgia malfadada…

É esta em que me bebo a moléstia suja
Das horas engendradas por suicidas
Mandíbulas do ser que era eu… Enferruja

Em mim os motins de navio pirata;
Gruda em mim teu beijo, que me homicida
Na bacia da noite pulcra e peralta!…

4-3-2010.

Reparas

Edigles Guedes

Reparas no riacho… ele late mágoas
Na lata do lixo. No assoalho limpo
Da sala de estar, há um tapete guapo,
Que sorri do perigo dos pés — águas,

Que em moinho, espezinham as dermatoses.
Reparas no arroio… ele sangra valente
Seu canto de pássaro alvinitente,
Na manhã leopardo de celulose.

Reparas no fiapo d’água, que escorre
Da pia… ele não reclama; sequer se fia
Na fortaleza que há em ausente torre

De alumínio e detergente. Reparas
No rio imprecatado e liso, que se afia
Nas pedras de engaste, com tais texturas…

4-3-2010.

Girafa em tom Gráfico

Edigles Guedes

Girafa das horas órfãs, orgânico
Cântico dos ponteiros, em desacerto
De segundos, aos pés bastante malucos
De centopeia galante. Traumas cobertos

Por vestígios de auroras frustradas; tanto
Tempo deserto pelo atroz platelminto
De versos, em cólica de ser; os cantos
De meus desencantos a mentir. Eu sinto

A gravidade pungente das agruras,
Chagas abertas no canal de Suez em mim!
Eu sinto a voz frita — calabresa escura

Na frigideira da vida — ardendo ártico
No meu ser. Girafa, em zoológico jardim,
Não sabe se vai ou fica, em tom gráfico!…

4-3-2010.

Amargo fel Solteiro

Edigles Guedes

Gotícula de fel na injeção do ser:
É assim a poeira da noite escabrosa,
Que invade a terra do nunca — jamais ter
Do que se regozijar. Tenebrosa

Madrugada — infecção vã que se alastra
Pela inércia das paredes do quarto
Contíguo; e traspassa a funesta letra
Inscrita na bolha de sabão: farto

Dos poucos minutos de vida arterial!
Há uma pulga atrás da orelha, vestida
De verme e vergonha cervicobraquial;

Há um agastamento bem sorrateiro,
Na minha esperança com desvalida
Gotícula de amargo fel solteiro!…

4-3-2010.

Ao Romper Boca Bilíngue

Edigles Guedes

Desata-me a madrugada do ovário da noite.
A insônia das horas consome o relógio — grito
De toureiro com espada, na mão, e grande sorte
De capa vermelha, na esquerda de seu anélito.

Ainda ouço no frufrulhar de lençóis nossa cama:
Ebulição de orgasmos; travesseiros despidos
De lua e estrelas. Eis que fora começa a toleima
Dos automóveis em suas inépcias. O carpido

Coração, aleijão de amores, manqueja de perna
Torta. Está meditabundo; pois, a essa hora, os lençóis
Vazios dilatam vera solidão de baderna —

A solidão de abajur co’uma lucerna tênue.
Eu quero mui a mulher de desejos em caracóis,
Parida em minha cama, ao romper boca bilíngue!…

4-3-2010.

Ceifador de Estrelas

Eu jamais ceifarei estrelas;
Não sou qualquer astrônomo
Co’intuito de conhecê-las.
Conheço de vista o abismo

Que há entre Órion, gigante presto,
E Aldebarã independente.
Estrelas não estão no cesto
De lixo. São: dor de dente

Pra ir ao dentista na quinta?
Não são: a de futebol bola
Pra entrar no gol dessa quarta.

Estrelas são plasmas — gases
Ionizados. Mas assola
No peito essa estrela de ases…

3-4-2010.

Rudes Rugas

Edigles Guedes

Elefantes horas, que desgarradas,
Tecem suas aranhas em teias de amoras
Rupestres; nuvens cândidas, saradas,
Tartamudeiam suas mágoas sem demora!…

O relógio analógico da sala
É tão devagar quanto tartaruga
Marinha. O cuco da caixa — ele fala:
— O que foi feito de tuas rudes rugas?…

Eu respondo meio cordato, prudente:
— Foram pastar capim! Estou tão senil,
Que as rugas estão caindo, decadentes!…

A lâmpada de pele magnética
Espelha seu vidro elétrico e vinil
Numa vitrola quimiossintética!…

3-4-2010.

Lua: Morango de Carne

Edigles Guedes

Lago de cisnes, que boiam suas ilusões;
Branca de neve na agônica noite!…
Lagoa de namorados com profusões
De ósculos helmintos, belipontentes!…

Laço a jato jungindo dois corações
Em longo enlace de flores e espinhos!…
Louco boião de seda… ambas as adições
De corpos cálidos em calmos ninhos!…

Xampu de coco a escorrer em madeixas
Femininas com águas comburidas!…
Caleidoscópio com jejum de ameixa;

Famélico morango de carne e só!…
Lua que me lembra pernas coloridas
Da mulher que amei. Estou de mim defesso!…

3-4-2010.

Amor em Quadrinhos

Edigles Guedes

Ah! mulher dos meus ais (suspiros delirantes!), frente
A frente com minha nudez de segundos precários!…
Eu, pasmado com tuas mãos lascivas!… As bendizentes
Mãos de Mulher Maravilha, esse corpo locatário!…

Suaves são os pés de gazela alencariana, em romance
De horas tórridas!… Lucíola, de pernas escarlatas,
Escalando a montanha de meu peito nu, sem chance
De reação!… Teus olhos de Mulher Gato: escandalosos

Olhos que miram em mim a tua face de acrobata
No circo ou círculo de teus seios lanosos, xistosos!…
Assinatura de sangue e dor no meu peito amante;

Eis a marca que deixas em meu coração barrancoso!…
Nas páginas amarelas de histórias em arfantes
Quadrinhos, eu vou bosquejando dissabor desbrioso!…

3-4-2010.

Coração Cronista

Edigles Guedes

Coração que cora comigo consútil,
Cozido em caldeirão contrito; caminho
Casto por cônsul civil; cachorro em covil
Civilizado; canário com carinho!…

Chapeuzinho ciente do crápula cioso;
Consciência calva das chicotadas chochas;
Canivete camacho, caliginoso;
Cálamo em cano; cana conchuda, concha;

Corvo carnívoro em cães carnificinas;
Ciência calma de cãs culminantes; calo
Cético em celeste cobra cabralina;

Ciúme da correspondência em cisma cripta.
De chofre, cor de caldo criptocéfalo
Caiu o coração como cálido cronista!…

3-4-2010.

Fado Algoz

Edigles Guedes

Carrasco do lodo de sentimentos,
Condoídos em coração abandonado;
Algoz da lama putrefata — atentos
Olhos de rapina em pássaro. Fado

Esse que carrego comigo — dentes
De leão a rugir sirtes, voo de águia alpina
Por montanhas alvissareiras, fontes
D’água a jorrar para a feérica sina!…

Fado: sequestrador impertinente
Das sem-razões de coração amoroso.
Vem, cruento amigo! destilar albente

Fel em minh’alma peregrina, ausente
Do mundo que a cerca! Que doloroso
É sofrer por uma mulher envolvente!…

2-4-2010.

Palavras a Sete Chaves

Edigles Guedes

Palavras, que você sussurrou em meu ouvido,
Ainda estão guardadas lá dentro do peito,
Trancadas a sete chaves no acérido
Cofre do coração. Palavras, sem jeito,

Voam ao imo da gente e inflamam a centelha
De Amor entorpecido, que acorda em fúria
De furacão, arrasando as casas, as telhas
Vãs, edifícios de agruras catenárias:

Tudo vai para o espaço! Quando palavras
Atiçam chamas de Amor benfazejo. Quão
Pequeno é o dicionário de minha lavra

Para exprimir o bonde — cio de desejos!
Portanto, tuas palavras deixavam-me tão
Excitado quanto a palidez de um beijo!…

1-4-2010.

Álacre Amor Partiu

Edigles Guedes

Que ênfase nas pálpebras de onça pintada!
Num franzir de sobrolhos, aquela mulher
Pegou do trem do meio-dia, sem dizer nada,
Partiu; deixando-me uma carta pra colher

Navios, que passam em brancas nuvens. Carta
Escreveu-me ela, com sua bem caprichada
Caligrafia — frágil como rosa —, farta
De desleixação minha, que era fachada

O Amor que deveras existia. Ela não me
Disse adeus, simplesmente partiu; sem dizer
Um ai ou um ui, tão somente fugiu. Escapou-me

Feito pomba arredia. Não vá, meu álacre Amor!
As pálpebras dos minutos estão a coser
O tempo de hoje; o amanhã é fugaz como flor!…

1-4-2010.

Amor sem Alarde

Edigles Guedes

Sem alarde, chega o Amor de mansinho,
Como quem não quer nada, mas querendo
Raptar com esses olhos meu carinho.
Furtivamente, o Amor bate (torcendo

O nariz em sinal de birra) à porta
Do meu coração amante. Se me escondo,
Ele logo descobre o paradeiro
Meu; se me não escondo, meu derradeiro

Amor enxovalha-me e cara torta
Faz para mim. Amor que é marimbondo
De ferrão estrondoso: e arrebenta o fosco

Coração. Por isso, aos teus pés, eu faço
Essa declaração de papel tosco;
Eu torço pra que Amor dure como aço!…

1-4-2010.

A Tarde Gorjeia

Edigles Guedes

Locomotiva de pássaros
(Azuis da cor do mar) trafega
O oceano de nuvens. Cântaro
De chuva cai; cai e não me nega

A bênção de pingos minguados.
A tarde gorjeia seus cânticos
De sol em lumes dissecados;
As nuvens em sons diuréticos

Navegam meu íntimo, tal como
O barco voa sobre as mil vagas
Do aquário sem peixe, sem tomo.

Frevo de pássaros límpidos,
Nuvens onívoras e aladas,
Tarde de abril co’aminoácidos…

1-4-2010.

Lâmina voz

Edigles Guedes

Lâmina voz sussurrante ao pavilhão do meu ouvido,
Ilustrações tetraplégicas de pernas frementes,
Em frêmito de bambus ao galope arrependido
De ventos brandos. Geografia dos mínimos diamantes

Múltiplos incomuns de teus beijos colotecáceos!…
Caminhos os meus dedos pelas pérolas de teu umbigo,
Perambulo meus pés em teu bom ombro liquenáceo,
Teu corpo de violão, eu dedilho em meus dedos ambíguos.

Há uma navalha de voz que ceifa a minha vontade
Própria; voz que me rendo, deponho minhas espadas;
Voz de canário atilado no poleiro confrade…

É assim a voz dessa mulher avoada — confrange-me
A alma suas lisonjas atmosféricas, consentidas
No inverno de minhas mãos em seu úbere seio, que geme!…

1-4-2010.

Coração Passarinheiro

Edigles Guedes

Páginas de espáduas em que escrevo os meus versos
Com beijos pálidos, em mui destrambelhados
Beijos. A língua — esse ser minúsculo, terso,
Mas que faz grandes estragos — eu, tresmalhado,

Trago-a comigo em deslize de louco afago
Por tua pele de pantera sem melanina,
Albina, neve de branco gelo, de grado
Bom, de fogo candente. Ah! cútis, cantarina,

De morena em libido afogado por mares
Dantes não navegados, faz-me marinheiro
De ti, de tua pele: que me despoja os ares!…

Empacoto a minha língua no teu pescoço,
Minha cantatriz! Coração passarinheiro
Perde-se (encontra-se) em teu corpo de colosso!…

1-4-2010.

Desejos Furtados

Edigles Guedes

Ó doces sandálias! que fervem no seio maculado
De aurora. Meu Amor trançado entre pernas de carente
Mulher sedosa! Há canto mavioso de sabiá aguado
Na cama de hotel fajuto. Estou arrebatado; ciente

Da minha pequenez diante da rosa, que Amor mostra
Com as coxas entreabertas para mim; desabrochar
De flor no jardim da matemática, que demonstra
O quanto sou um ignóbil mortal de mim a debochar!

Reles sandálias, cujos quadris perfazem cínicas
Curvas na cama gemebunda — em cio da madrugada,
Calada por gritos e uivos de prazer. Que clínicas

Horas da anatomia do teu ser em mim. Quantos sonhos
Sonhados por entre os dedos de tua sandália abada!…
Quantos desejos furtados em logros seios castanhos!…

1-4-2010.

Noite de céu Eletromagnético

Edigles Guedes

Esta noite afoba-me como um jaguar
De desabafo. Não sei se quintilha
Quis despertar o amanhã (que não chegou);
Ou se a roríflua rosa quis desprezar

O meu amor, só por curiosidade?
Sei que, nesse instante tão brevíssimo,
Há o sopro longínquo da brisa lassa
Pelo céu eletromagnético — espaldar

De estrelas acrisoladas por nuvens
Errantes. Um pirilampo queima-se
Em sua fosforescência de fósforo

Com caixa arreganhada. Um grilo tosco,
Acrípede, deu um espirro com pernas:
Quase que a noite padece de susto!…

31-3-2010.

Fernando Pessoa

Edigles Guedes

Teus olhos de gênio oblíquo, perdidos
Por entre óculos anafados. Tidos
Por espectros de sombra de tua face
Fácil, esguia, lânguida, adelgaçada.

Nariz aquilino, travessão oblongo.
Andar esquipático, mocorongo.
Teu cérebro engendrava, num enlace
Descomedido, a sina da algraviada

Co’o sensacionismo de tuas equações
E o interseccionismo de tuas digestões
Na tu’alma, num cansaço de tristeza!…

Perene é o espaço da acre cirrose
Hepática, que comeu o teu bigode
Tão distinto: triângulo de beleza!…

31-3-2010.

Toalha em Banho

Edigles Guedes

Corpo inerte estendido no varal,
A secar pelo vento de angústia
Matutina; vento que em mi’adorna
O azul fornido de madrugada!

Flâmula febrífuga ao balanço
Do arame farpado, que dançava
A incúria do meteorológico
Tempo; ora chove, ora nostálgico

Faz sol, num veranico húmus de maio.
Acenos de mãos em tão cândidos
Adeuses; às vezes, desmantelos

De apelos sem voz ou gestos caros,
Ou olhar sobranceiro. Toalha em banho
De sol: quanto descontentamento!…

1-4-2010.

Pernas em Canto de Sereia

Edigles Guedes

Que cálculos esquizofrênicos em frenéticas
Pernas são esses? Pluviais pernas, que ablaquecem quebrantos
De meus polutos gritos; carnívoros ouvidos
De mulher fumegante em cama de lençóis lúbricos!…

Que lua ocídua reluz no céu atônito? Que venusta
Estrela resplende, no azul da noite, suas lágrimas
De cristais, que se eivaram pela madrugada? Cismas —
De insônias maldormidas — aquecem pernas astutas,

De tanto vagabundearem em casa patética!
Pernas pteridófitas ceifaram almos prantos,
Acalentaram-me o cansaço dermatológico

Do dia azedo que nem limão azedo. Que canto órfico
Maculou minhas pernas gralhas? Canto prazenteiro
De sereia: cantas comigo debaixo do chuveiro!...

24-3-2010.

Coração Despedaçado

Edigles Guedes

Coração despedaçado não te preocupe!
Eu hoje recolho os teus pedaços, cacos de mim,
Que estou aos pedacinhos — tão diminuto! Trupe
De malabaristas sequestraram o jasmim,

Que coloria a minha vida destrambelhada!…
Coração despedaçado salta! pulando
Pela minha boca, e diz àquela trigueira
O quanto te quero, minha flor de amendoeira!…

Eu tenho andado ensimesmado, atabalhoado;
Mas, jamais me esqueço da minha flor de jasmim...
Ela tem encantos mil, ela me faz feliz!…

Coração, vivo com a cabeça agrilhoada
Nesse lenço de cheiro, que ela deixou. O beliz
Lenço — ao sorvê-lo, sinto-me co’ este frenesim!…

27-3-2010.

Monólogo com um Palito de Dentes

Edigles Guedes

Palito de dentes, o que estás fazendo
Aí, dentro do paliteiro? Resignado
Estás com tua magreza? Mui bem, decerto
Algum bicho carpinteiro, guapo, aguado,

Pintou o sete contigo. Meu precolendo
Amigo, me não tenhas por um decreto
Desazado!… Eu sou tão carente de amigos
Verdadeiros, tal como pena ao escrutínio

Deitada. Palito, eu vou passear contigo.
Quem sabe assim esquecemos o infortúnio,
Que nos abateu tão de supetão. Amargo

Fado o nosso! O teu: de viver enjaulado…
O meu destino: ela prometeu-me largo
E deu-me estreito viver abandalhado!…

27-3-2010.

Augusto dos Anjos

Edigles Guedes

Foi enxuto, meu desditoso contentamento!
De um macérrimo esquálido ímpar. Violáceas
Olheiras deformavam o cavo retrato
Dos olhos de vizinho, ave sem fareláceas

Asas! Somente imaginação ele portava
Com asas de estro virente, bem comparável
À lua em seu passeio noturno. Perambulava
Com sua clavícula arqueada — de indefensável

Gado desmamado — pelos vãos de Pau d’Arco.
Seus sapatos puídos tagarelavam. Corpo
Quebrantava-se em sua omoplata; estrumes parcos

Alegravam seu viver. Que pena! a matéria
De verme, que eras tu, findou-se! Metacarpos
Tornaram-se lixo, em petição de miséria!…

28-3-2010.

Senhora com Blandícias

Edigles Guedes

Coração estouvado, estou triste pela noite —
Que cai no chuveiro de pingos roríferos
Da aurora — no campo de pensamento. Açoite
Do guizalhar dum grilo vergasta alífero

Ser: a minh’alma, presente divino! Oblíquo,
Olho para fora do tarro em que coabito
Co’a Natureza das horas. Um flexíloquo
Regougar de coruja espavoriu (súbito)

As corujinhas em seu grabato entanguidas.
O tempo flui lentamente pela ampulheta
Do relógio cuco na parede estúpida!

Minha melancolia vai riscar de felícia;
Pois, o dia já vem e a noite, à boa-fé, não aguenta
O fulgor de minha Senhora com blandícias!…

28-3-2010.

Pés Apopléticos

Edigles Guedes

Pés pancreáticos pisam em partidos
Pontos pândegos; pômulo pomposo
Paira no pascigo — pasto impávido
Com perigos perdidos. Prestimosos

Pés, pábulos, perambulam pacatos
Por primores de apriscos. Pés, pálidos,
Passeiam por puberdade de tal pato
Pateta. Céptico épico proibido!

Pés apopléticos perturbam parvos
Painéis de patrícias palmas! Paródia:
Pedro Primeiro, príncipe protervo!

Pés plácidos, pardos (panegíricos
Crépidos), pobres palermas! Paciência
Em papel de pânico pacífico!…

28-3-2010.

Rosto de Rodofícea

Edigles Guedes

Rosto rúbido: raro ramo rico
De rabdovírus; rubro romântico,
Que raiva em roda-viva rutilante,
No rocio reptante e resfolegante!

Rosto a rabavento no rodomoinho
Rochaz, robusto, ríspido, risonho;
Romance rústico de riólitos rios,
Que ringem seu ribaldo regalório!

Rosto de réptil roçando (revoa rua
De revindita) reverbério; recua
Sua régua — recobro recomendado.

Rosto de rodofícea recolhido,
Roaz; rima rija, ridente rinorreia.
Recrudesce o rosto em ruda ritmopeia!…

28-3-2010.

Face Flamifervente

Edigles Guedes

Face frívola, formas famélicas,
Fugidias figuras, florão fluídico!
Fulgura fanática, fantástica,
Em flor-seráfica. Fã fatídico?

Face facunda, efêmera; foguete
Fogoso, faceiro, foi fulminante
Por folhetim facínora; fachuda,
Folgazã: faceirice foliaguda!

Face em fôlego fru-fru, forte, foito,
Fogaréu foge-foge, fagócito
Formoso, farândola refulgente.

Face — fortim do fortuito; flâmula
Flamipontente com flamifervente;
No fula-fula, fugace fábula!

28-3-2010.

Remoinho de Fosso

Edigles Guedes

Embevecido estou por tua beleza
Estonteante, parece mulher-dama
Em dia de frios beijos e sol de pernas,
Entre almofadas de veludo e cama

De amores aturdidos. A lanterna
Acesa no armário da natureza
É assim a tua pulcritude. Septênfluo
Riacho do Mondego, que minha canção

Não soube divulgar o Amor lucífluo
(Faz-me trêmulo em meus ossos). Coerção
De sentidos ancípites — ambíguos

Em mim. Beleza — essa tua! — como posso
Esquecê-la ou negá-la? Conspícuo
Rosto que me atrai em remoinho de fosso…

28-3-2010.

Desdita de Amor

Edigles Guedes

Brandas ribeiras, quanto estou contente...
Cláudio Manuel da Costa

Lamuriosas ribeiras, por quem choras?
Que lágrimas em rio rugido tornas?
Tuas lágrimas formosas, aos cântaros,
Fluem de tua face de tez alva; cantos,

D'água mole em pedra dura, retinem
Nos meus ouvidos cheios de cera, que nem
Ecoam as estalactites nos ecos
Da gruta calcária, minada em ticos

De pedra bruta. Ó pastor de humanos
Tratos! Onde se escondeu tua lágrima
Por doce Nise? Coração serrano,

Se não fie em lágrima absorta, árida;
Pois mor prova de Amor há: essa desdita,
Que sofremos longe de Nise linda!...

26-3-2010.

No Horizonte da Minh'Alma

Edigles Guedes

Alma desdita, quanto Amor folgaste
No íntimo ser de minha amada Nise?
Em teu seio (melão maduro), em bela haste
Eriçado, descanso da labuta

Do dia enfadonho. Na tênue próclise
De tua boca, eu calo-me em beijo — luta
Ferrenha dos teus lábios meus grudados.
Acenos de mãos sutis lançam dardos

Inflamados do mais estreme nardo!
Teus gestos, de gazela gris, eivados
Desse sentimento torto: saudade

Da minha Dama que naufragou pontes
E rios, no meu coração. No horizonte
Da minh'alma está a formosa beldade!...

26-3-2010.

Aquário de Vida

À mercê dos favônios, Bisviver jigajoga, Bajogar a conversa, Retisnar os neurônios… Lida que se renova. Quem me dera essa trela… Fá...