Olhar Casto do Amor

Edigles Guedes

Eis o vento, minha filha: você não
Pode colhê-lo com as mãos em concha
De oceano Atlântico das luzes, senão
O sargaço, enciumado, esse cangoncha,

Faz beicinho e cara feia para você,
Minha donzelinha de papai cheirar!…
Eis o vento, ele não fia, arrefece-se
Co’o clímax tanajura; vive a joeirar

As folhas saídas de baixo de árvores –
O vento, traquino, gosta apoquentar.
Eis que o vento mallarmaico, de odores

Selvagens, consigo carrega sua dor:
A dor de ver o que vejo e não tatear,
A dor de amar pelo olhar casto do Amor!…

31-8-2010.

Céus sem Alças

Edigles Guedes

Nenhuma arte na porta da sala de
Estar, nenhum caminhar de cágado
Com os passos rentes ao ser de alarde
Em mim, nenhum barulho endomingado,

Nenhum cheiro no meu rosto de abrolhos
E vácuo dos automóveis cortantes
Dentes, nenhum fungar de esbeltos olhos,
Nenhum dourado beijo de pé arfante…

Mas, vestida, qual Dama da Camélia,
Você desalinha da gravata o nó.
Você diz-me doces sem contumélia;

Você desata-me o cinto da calça;
Você deixa-me estarrecido, áfono;
Você transforma a terra em céus sem alças!…

31-8-2010.

Peregrinos Semens

Edigles Guedes

Peregrino eu sou desta terra estranha
(Algibeira para mim), por isso o aço
Das palavras a brotarem entranhas
Em mim – cavalo búfalo sem laço,

Sem rédea ou bridão para segurá-lo!
Peregrino, estou a perguntar: começa
Aonde esse cego nó de bucéfalo
Pedestre, sem trânsito que me meça

Da avenida da minh’alma aos mazorros
Pés de lata e angústia do meu corpo em rua?
Levanta-te! pare de andar a zorro

Por aí: a vida não estanca! Toda cruel, crua,
Ela (a vida) recria-se em ébrio forró
De peregrinos semens e vulvas nuas!

31-8-2010.

Vômito de Verme?

Edigles Guedes

Conspurcado mar de ossos e minérios:
Onde me navegaste? onde essa preamar
Quer me levar? Cantam conchas, saltérios,
Violinos recalcitrantes, verbo amar…

Eu – pútrida carne de vermes sáfios –
Sinto-me e sou tão xucro, e tolo, e néscio,
Quanto uma criança de terra sáfara,
Quanto uma tormenta que em si alcântara…

Sem naufrágios d’alma, Robinson Crusoé
À deriva da Arca do pujante Noé,
Eu, passo a passo, desconstruo-me, ingrato!…

Esfarelo-me no primeiro prato
De sopa com letrinhas voos, flutuantes…
A vida é um vômito de verme instante?

25-8-2010.

Alpendre Ábaco

Edigles Guedes

Deságuo-me em pleno voo de imaginação; tenor de
Banheiro – eu não sei imitar os pássaros e seus cantos
Indígenas. Aprendi na carpintaria da vida
A ser originalmente eu mesmo e nada além de mim!

Vivo sem as pretensões de passarinho canoro,
Sobrevivo nas asas do plenilúnio axífugo.
Centrífugo em meu umbigo, eu não sei das viagens de Marco
Pólo, de Júlio Verne, ou de Gulliver. Estou longe

Dos aventureiros de finais de semana!… Aboiado
Em minha espreguiçadeira dou o braço a torcer: lida
Distante de mim, preciso dialogar com aleli…

Homem de rudes palavras, vocabulário ápodo
Da noite sem fuga de Bach!… Desmemoriado fungo
Eu sou, debaixo do alpendre da cor de aberto ábaco?

24-8-2010.

Mãos Enxaguadas

Edigles Guedes

Refém do medo da madrugada matreira, seco
Dos meus instintos mais íntimos, eu vou navegando
O Infinito entre um ponto e uma vírgula, co’a palavra
De entremeio. Sigo o destino de travessão pálido:

Eu procuro o tímido pássaro atroz, aquele outro
Personagem, para que juntos possamos (quem sabe?)
Tocar a valsa vienense de Drummond, em um só eco!…
Eu sinto em minha calvície de anos, vagabundando

Em mim a floresta do desespero humano, lavra
De uma existência digna de anonimato esquálido.
Nasci para ser tão somente pó da terra!… Já ouço

O bramir esquecediço da baioneta e do sabre.
São as palavras que me chamam agoniadas, vexadas,
A pularem no papel, por minhas mãos enxaguadas!…

24-8-2010.

Bom Covil

Edigles Guedes

Proscrito em indumentária
Silvestre, eu (pobre criatura
De carbono e urticária)
Padeço na gramatura

De minha língua baderna!
São tantos estrangeirismos
Andando por aí!… Que eterna
Alma descansa algarismos

Pútridos de vícios sóbrios!
Trago em meu peito varonil
Esse esculacho: mais vale

Um passarinho com seus brios
Voando do que pássaro alarde
No da raposa bom covil…

24-8-2010.

Lira Desafinada

Edigles Guedes

Desalmada mulher dos pesadelos
Meus: o que foi que te aconteceu? Brado
De onça selvagem na caatinga do Meio.
Qual caçador de minério em barroca

Terra, assim é o coração empedernido.
Astuto, meu coração que arrefece
Estes sentimentos nobres!… Sim, bruto
Coração! onde você escondeu o cálido

Amor por donzela em seu cálice?… Ora,
Breve amigo, minutos passilargos de
Suspiros! onde está a bela donzela?…

Eu sei que ela corre perigo. Posto
Que o perigo sou eu!… Tranca-ruas de versos
Afoutos, de lira desafinada!...

22-8-2010.

Espáduas Turvas

Edigles Guedes

Domingo prazenteiro: que desastre
De dia foi o meu, sem uma gota de arte
Nas veias banais da América latrina!…
Eu sofro do sopro incógnito de Amor!

Amor que aflora na curva da escada,
Amor que enamora os bons namorados
De plantão na praça. Bastos coqueiros
Balouçam na cadeira de balanço

Em minha casa. Navios verdes, alto
Mar de cachos ensolarados, chuvas
De agosto que respingam bem quentinhas

Em mim. Oh! brando nó que me desata!
Oh! estupefatas mãos e espáduas turvas!…
Que desassossegam olhos trigueiros!…

22-8-2010.

Magnéticos Olhos

Edigles Guedes

Magnéticos olhos fartos, enfarte
Da minh’alma, tal como esse desgaste
Na lâmina da faca cega e torta
Em seu amolar-se diário em pedra rota.

Magnéticos olhos gástricos, lince
Que se lança em caçada brutal, chance
Nenhuma para a presa, que indefensa,
Foge dali, pula daqui; propensa

A um mugido e ora sus! – a morte certa.
Magnéticos olhos cáusticos, como
Uma xilogravura descoberta

De homem rústico, rupestre, terrestre
Ser que se alegra co’a miséria – assomo
De tal solidariedade pedestre!…

22-8-2010.

Sargaço ao léu

Edigles Guedes

Noite sestra! … Submarino atônito
Na cavalgada da maré cética.
Eu escuto, de memória, as escumas sãs
Do oceano Atlântico com indômito

Amor, gemendo por rochas náufragas,
Sem cor. As algas como epilépticas
Pernas, desafortunadas cortesãs,
Fluem o fluxo e o refluxo das amargas

Águas. Salobro sal de ácido cuspe
Das horas magras, corais marítimos
Sem tons musicais, silêncio apócope

Do sargaço ao léu – tão estreito em sua casa
De lama e esgoto… A praia (poluída) escassa
De banhistas e lamentos bálsamos!…

19-8-2010.

Tosco Marulhar d´Água

Edigles Guedes

Uma equação sem solução aparente –
Assim é o Amor: cego que não vê um palmo
À sua frente. Cego guia de bengala –
Ausente. O Amor é lugar de tementes

Águas conturbadas por procelosas
Ondas sem sal… Mastigo eu, lasso, calmo,
A reminiscência em traje de gala
Da minh’alma. A vida é pernas dengosas?

Turista de minhas pupilas sem dor
De cotovelo para consolá-las,
Eu sigo avante por veredas sem cor!…

Há dias que a tristeza sela tamanduá
Em mim – bicho de dar nó nas estrelas
Gasosas? Ah! tosco marulhar d’água!…

18-8-2010.

Riacho Anil

Edigles Guedes

Tabela de preços sem valor próprio,
Ilustrações sem valia alguma, livro
Da última badalada da meia-noite,
Pensamentos dispersos na latrina!…

A vida no badalo com sorriso
De guizo: gato seio em telha vã, sem pio!…
Repousa na mesa esse marca-livro
Tolo, tão tolo quanto eu!… Artrocondrite

De sentimentos vagos a trafegar!…
Palavras balbuciadas em menina
Boca?… Coração estúpido a estortegar!

Por que a vida há de ser uma dor senil?
Olhos, os teus cabelos, que são bem lisos,
Morena. E eu me acho tal como riacho anil!…

17-8-2010.

Velha Ingrácia

Edigles Guedes

Rasga o verbo conosco. Corríamos
Pela cozinha de casa, brincando
De pique-cola. A gargalhar, sorríamos!…
Essa velha Ingrácia vociferando!

Ácido ascórbico em cápsulas alvas
Cheirando a roupa branca da saudosa
Negra Ingrácia. Ó quanta saudade fulva
Da negra Ingrácia!… Doméstica aftosa

Nos calos de meninos! E os seus doces?
Ela era doceira de mancheia!… Ímpares
Salgadinhos pulam na frigideira!…

Hoje, meus olhos passeiam bem veloces
Em casa, buscam os olhos ácares
Da velha Ingrácia. Por onde ela andará?…

15-8-2010.

Maré sem Chassi

Edigles Guedes

Sussurro duma brisa claudicante,
Murmúrio sem água potável, guapo
Peixe navegando a sirte do existir.
Doce páramo, lago aconchegante!…

Tarde sem verão de permeio, feio sapo
De cócoras em sua terra de fremir
O frio – que vem cavalgando esse monte!…
O mesmíssimo frio de pedra… Anteontem,

Uma estrela cadente veio “post mortem”
Passear na Terra, e escafedeu-se no mar.
A vida de astro é tão breve celeste

Quanto à morte da mariposa de Assis!…
Duro é recalcitrar co’agulhas, remar
Contra o ferro-velho – maré sem chassi!…

15-8-2010

Psiu sem Noite

Edigles Guedes

Um ventilador velho e vuco-vuco
Resfria o dia deitado na cama alada!
Um cansaço e bom relógio sem cuco
Discorrem sobre a álgebra da salada

De frutas na cozinha fantástica
De minha casa! Há um mundo prodigioso
Dentro da minha cachola rasa e esférica!
Um mundo de homem mudo e langoroso!

Um liquidificador persistente
Tritura as matérias (banana e maçã)
Em seu forno a jato e recalcitrante!

Um tetéu, na vigília do pernoite,
Canta seu cântico de ave ribaçã?
Tudo é abracadabrante psiu sem noite?

15-8-2010.

Céu Aliseu

Edigles Guedes

Madrugada incólume, em que o grilo canta
Seu salmo monótono!… Há um risco inerte
No papel da carta, que eu não escrevinhei.
Tudo é silêncio cego de escuridão…

Um mosquito sonâmbulo me inquieta.
Pobre bicho! que bastante solerte
Soletra a cartilha verde, que eu sonhei
Nos tempos de menino… Grã solidão

Com os livros de Monteiro Lobato
Em minhas mãos de calos e assíntotas!…
Sento-me ao lado do lustre astômato

Da sala de estar. Eu já não sou mais eu,
Sou uma breve figura (cara torta)
Em porta-retratos… Manhã, céu aliseu!…

8-8-2010.

Pulcro Talhe

Edigles Guedes

Usuário das horas arqueográficas…
Prossigo por ingentes pensamentos.
Há um túnel na estrada reprográfica
Dos sandeus – longobardos sentimentos.

Pulcro talhe de mulher desabrocha
Na linha do horizonte geodésico.
Quem vem lá? Já vem bela flor em concha
De vestido farfalhante – belisco

Nos olhos ariscos da tarde insossa!…
Pulcro talhe de mulher desengrossa
O hábito das estrelas tão cadentes

Quanto de fervores amanhecentes!…
Ó talhe de mulher sem escrúpulos!
Que me encanece, qual gato aéreo pulo…

7-8-2010.

Dia dos Pais

Edigles Guedes

Meu pai, pego da pena para exaltar,
Hoje, a tua paciência para comigo!…
Eu (um obtuso imperfeito) que a peraltar
Nos teus braços, ombros e torso amigos

Vivi desde menino bem franzino,
Venho nesses versos, tal qual mendigo,
Pedir a tua bênção, meu papai alvino!…
Pois, eu sou pequenino do tamanho

Do alevino. E agradeço a mão que sigo
Por me guiar guarnecido, sem acanho,
De carinho enobrecido. Neste dia,

(Enaltecido por muitos) declaro,
Em salto de bom tom, nossa melodia,
Como pássaro na chuva serôdia.

7-8-2010.

Peixe sem Dentes

Edigles Guedes

Por que a pedra no meio do meu caminho
Não é igualzinha a pedra do vizinho?
Preciso aprender a fazer das pedras
Uma fortaleza ou forte, que medra

No imo. As pedras que jogaram em mim,
Com o tempo faleceram em jasmim,
Tornaram-se um canto – entrave de cisne,
Tornaram-se meu titubeante tisne.

Fugiu em mim um fôlego de gota
De chuva. Deságua cachoeira rota
Que pole a pedra triste, mocoronga.

Hoje, chora em meu peito transparente
Essa dor rente de peixe sem dentes,
De dor sem ferida, sem trapizonga.

5-8-2010.

Soneto à Bacia Sanitária

Rechonchudinha: chupeta de criança
Plantada ao contrário na árvore – cano
De descarga. Quem sabe?… Uma esperança
Verde de milagres bem espartanos,

Flutuando em sua nau por guerra escondida
Entre estômago, intestino e sua boca…
A gula aguda que agulha a ferida
Da úlcera gástrica em gluglu de foca,

No espetáculo do circo estomacal.
Quando a vejo, ó boa bacia sanitária,
Os meus olhos enchem-se com pá de cal!…

Pois, lembro-me da azia e má digestão,
Lembro-me as hemorroidas solitárias,
E o jornal lido no trono sem razão.

03/08/2010.

Navega em mim

Edigles Guedes

Navega em mim a solidão das horas
Sem pudor da tarde alva. Tarde calva:
De substantivos ermos, adjetivos
Estropiados, advérbios deletérios…

Navega em mim um mar colosso e afora,
Sem escrúpulos das horas fuscalvas,
Porquanto o tempo é degenerativo
E imperdoável em seu giro ─ vozerio

Das engrenagens de relógio infindo.
Navega em mim esse grande estrupício:
O Amor, nem sempre todo bem-avindo,

Nem sempre em mim bastante compreendido…
Mas que persiste, tal como no hospício
Um lunático de siso encardido!…

02/08/2010.

Uma Colher de Sede

Edigles Guedes

Quanto mais me amavas, mais eu te perdia.
Porque no jogo do amor é assim: nem dia,
Nem hora marcada existem para o Amor
Deixar sua marca registrada ─ clamor

Dos calos na mão do coração ingrato!
O Amor é um chato: velozes sapatos
E umas sandálias Havaianas no dorso.
Há sempre na boca o gelo remorso

Pelo beijo que não nos concedemos,
Há os desencontros irreconciliáveis
De mãos sem afagos. Nós esquecemos

O quão difícil é viver sem paredes
E portas trancadas. Quem sabe?… Talvez
O Amor nos dê uma colher de sede!

01/08/2010.

Aquário de Vida

À mercê dos favônios, Bisviver jigajoga, Bajogar a conversa, Retisnar os neurônios… Lida que se renova. Quem me dera essa trela… Fá...