O Mastigar de Amendoim Japonês




Enclausurado em casca oca de ovo
Acorda-me, marrom, com cheiro fosco.
Guloseima, em decúbito: saudade
É mastigar por dentes e seus males.

Setenta era o peso denso e líquido,
Mui crocante e salgado tanto. Nisso,
Por um piedoso dente, amendoim fica
A degustar sua sóbria morte e sina.

Sim, mecanicamente, me deleito
Com essa urgência, fome de felina;
Com essa aparência bem-vinda: o leito!

Tudo nasce, decerto, logo morre;
É a lei tolerável da existência
Humana: somos todos uma tosse!

Autor: Edigles Guedes.

A Arte de Lavar Panelas




Segure a panela com duas mãos rijas.
Esprema o alumínio contra a pia fixa,
Até que saia suor em caldo, aos mergulhos.
Bem, lave o fundo e todos os mínimos furos.

Pegue outra panela já seca e suja.
Aos borbotões, que abra a torneira; que fuja
A mão com espuma e bom sabão, calado e cálido!

Desta forma, aos poucos, cala-se cru e ázimo,

Tempo perdido entre uma bolha e outra

Aos pingos, que escorra a imundície insana!
Navego-me por entre ondas Quantas ondas

De detergentes!… Minha face surta e muda
Diante da limpeza demais almejada:
Vaga e voa veloce, a pequena bolha!…

Autor: Edigles Guedes.



Prometeu Acorrentado 2




Foi-se o preso lamento na garganta,
Aguilhoado está meu útero ser…
Aguilhoado está meu fígado a tanta
Pedra; cá, sofrimento e por haver…

Foi-se o aplauso, que fora recebido
Por salaz igual, tão caro a mim…
Restou-me esse bom fígado, lambido
Por perversa de língua águia carmim…

Nesses, trons escarpados, rebos expio
O meu crime: de trair minha progênie,
Por amar quantas gentes, de arrepio…

Eis, pois, já que me sofre o Destino
— Fogo, dor que exânime da sânie!…
Louco sou por sonhar sem juízo ou tino?…

Autor: Edigles Guedes


Memória de Lince



Eis a fotografia do teu rosto,
Pendurada no meu quarto e peito,
Onde bate (e como bate!…) tosco
Coração tão carente e mais doído!…

Eis a fotografia de tão tácita
Cútis tua — esse cálice que queima
Minha pele desnuda, e rude, e pálida,
Com teu hálito, má contrapartida…

Eis a fotografia de tão cálidas
Maçãs dos lábios teus — oásis suaves
Em deserto de areias inauditas…

Eis a fotografia assaz símplice
E tua, na tatuada grave lacre
Da minha acre memória, vago lince!…

Autor: Edigles Guedes.

Febre Anil



Escondeu-se o pranto na boca insensata,
Quando a lágrima ilustre pingou fóssil pingo,
Deveras, molhou minha face — acrobata
Da dor humana, a qual desfruta de perigo.

Escondeu-se o manto no corpo sem braços
— Que mil vezes me abracem!… em desvairados
Abraços, como fossem de levianos laços
De Lua, mel, fel, sorrindo os sorrisos raros.

Escondeu-se o meu tato em tua boca ingrata,
Que mamava da gata o leite, em vis deleites
De luxúria — o luxo de quem nunca acata

O Amor e seus desejos castos ou ardentes.
Escondeu-se em minhas fibras ora exânimes,
Febre por tua anil carne, lábios e dentes!…

Autor: Edigles Guedes.


Aquário de Vida

À mercê dos favônios, Bisviver jigajoga, Bajogar a conversa, Retisnar os neurônios… Lida que se renova. Quem me dera essa trela… Fá...