Garças Arlequíneas



Edigles Guedes

As garças voam por sobre o céu finito

De águas guelras e tímidas. Não minto,
Quando afirmo: que ando farto e faminto.
Tanto verme pensamento ou detrito

Quanto cloaca sentimento ou sentido...

Aflige-me o transe de tão treslido
Destino, que sem tino — assaz ladino —,
Afugenta-me lídimo sino hino!

Mácula de pernas tão longuilíneas

Pousa no coração da tarde suave.
O mádido Sol medra as curvilíneas

Asas vórtices e vívidas de ave!

Sinto-me as garças cores arlequíneas:
Chave sem vão, fechadura sem trave.

23-3-2012.

Bem-aventurados Fingimentos



Edigles Guedes

Oh! bem-aventurados fingimentos,

Que, nesta ausência, tão doces enganos
Sabeis fazer aos tristes pensamentos!
Luís de Camões

Oh! bem-aventurados fingimentos,

Que fazeis de Amor esses doces enganos;
Embora sejam tristes pensamentos
Que me enredam sutis teias, duros danos!

Oh! bem-aventurados desenganos,

Que fazeis da felícia vis lamentos;
Embora sejam as lágrimas de anos
Que me enxugam os olhos desatentos!

De tanto procurar o Amor insano,

Achei danos duros nos sentimentos
Humanos de sincero, brusco lhano!

De tanto catar felícia, lamentos

Encontrei no melífluo desengano:
Oh! viver é tortura de tormentos!

22-3-2012.

Ousar



Edigles Guedes

Ousar é perder o equilíbrio momentaneamente. Não ousar é perder-se.

Sören Kierkegaard


Quando ousar é perder-se os estribos,

Por mais que tão instantaneamente
Desagradável à alma presente...
Não ousar é perder-se em recibos

De compra e venda, não obstante sem

Tabelião no meio para atrapalhar
A convivência de verme ao vermem!...
Quando ousar é perder o equilíbrio,

Ainda que tão momentaneamente

Indesejado pela alma ingente...
Não ousar é perder-se em grande rio...

Rio tão grão quanto o tabelionato

Na esquina da Travessa, à toa, ao ar...
Ao desdém dado por falta de ato!...

22-3-2012.

Rasguei a Boca



Edigles Guedes

A boca rasguei, quando pensei torto:
Amar é caminho sem mapa ou rota?
Terra sem norte ou bússola? Eis farto
Estou de ser navio impérvio sem frota!

Amar que me rasgue a pútrida pele!
Sinto-me tal número sem múltiplo,
Estranhíssimo e chato livro aquele
Que narrava peripécia e périplo!

Sou Marco Polo num convés sem ratos;
Velas, mastro e leme boquiabertos,
Enquanto navego por mares gratos.

Amo aventuras, adeuses, apelos;
Multiplico-me em duplos, de mim triplos;
Faço saltos cambalhotas num pulo!

21-3-2012.

Amor Escreve-me

Papel de aço no peito para suportar
Agruras sem fim!… Tragédia grega outra
Que sucumbe no íntimo de mim!… Ah! partir
Como se parte as duas partes da mesma ostra!…

Parto-me, divido-me em vis tentáculos
Num mar insidioso… Sou criança em biciclo…
Eu pedalo por ladrilhos imáculos…
Eu buzino em guidom da cor de caboclo…

E o Amor escreve-me: — Cabelos sem caspas,
Panelas sem canecas, moscas sem sopas,
Cordas sem tampas, pensamentos sem aspas:

Assim é você e sua alma sem ósculos
Da Dama de Vermelho!… Crus epiciclos
De sentimentos roem carnes e músculos…

21-3-2012.

Caríssimo Aljofre



Edigles Guedes

Espreitei caladamente a tua foto,
Deitada em mesa de carinho e afeto…
Dói-me! e como me dói! dor de dente e afta
São teus perfumes de mulher com nafta!…

Então, num longo e desgracioso gesto,
Responde-me com desdém sobre um isto
Ou um aquilo vagamente… De resto,
Olho-te furtivamente o benquisto

E lhano olhar teu, quando tem por fulcro
Teu olho de ametista — cofre sem lacre:
Como fosse luto ganho sem lucro!…

Eis que pinga em mim caríssimo aljofre
De teu rosto angelical, que me fere!…
Eu triste toco meu pequeno pifre …

20-3-2012.

Jardineiro


Edigles Guedes

Jardineiro fui de um jardim sem rosas:
Colhia somente espinhos e esquecia-me
A flor que verdejava nas más horas!…
Grudei meus olhos fidos em seu talhe

De princesa lúbrica com mil dotes…
Ao andar, seu talhe espetala as calçadas…
Seus olhos fúlgidos (que me não olhe!)
Fuzilam-me a minha acidífera alma…

Alíferos seus beijos que voluteiam
Nos céus da cor azul com tórrida e feia
Lua, navegando seu branco em bandeja

Argêntea… Passeia entre cravos — ela…
Seus pés de jasmins evolam perfumes
Suaves de luzes, que estrelas reluzem!…

20-3-2012.

Cerca Inútil



Edigles Guedes

Cerca inútil que planto no jardim de
Minh’alma, temendo que algum bandido
Roube de mim esse Amor deslambido!…
Ah! se ela tão somente me fugisse

Dos meus pensamentos tão libertinos,
Isso já era o bastante p’ra sossegar
Meu coração temente!… Mas o ofegar
De minhas mãos e nossos desatinos

Provocam-me a sensação descontente!…
Pulou-me a cerca o teu coração fugidio,
De um pio salto saiu pelo mundo erradio…

Piedoso salto de acrobata do Amor
Que me libertou da estranhíssima flor
De sentimentos, ó jardineiro ente!…

19-3-2012.

Fútil Cerco


Edigles Guedes

Em cada ambívio — que passei — topei
Com a figura mansa de minha
Carne dolorida… Ó minha Sina!
Cujas entrelinhas reli e tresli…

Mas, nada, simplesmente nada sei
Da fogueira das vaidades que arde
No meu peito de pedra de jade!…
Sigo — como tinta desinfeliz

Dessa caneta esferográfica
No papel dúplex… Onça maligna
Que se afoga em seu próprio vômito!…

Ó meu corpo! por demais sofrido:
Tenha pena de mim, pois me perco
Em cada encruzilhada — fútil cerco!…

19-3-2012.

Dinamite crua



Edigles Guedes

Madrugada opaca dentro de mim…
Não sei se o navio da Desilusão
Resolveu partir do meu vil jardim
De frustrações mil!…Ando salvo e são

Dos meus pensamentos agônicos,
Por enquanto… Amanhã, a depressão
(Doença dos Desencantos fônicos)
Fará de mim um feto sem ventre!…

Sinto-me tal como mais um dentre
Milhares de corpos tardios, cuja
Gula — ou pecado pútrido — suja

A alma carente de luz e explosão!…
Sou uma dinamite crua sem pavio:
Perco-me em cada noiva de atavio!…

19-3-2012.

Um Reles trem e Fêmea Fumaça



Edigles Guedes

Um trem veio que veio: fumaça chegou.
A gare superlotou de mimos,
Paletós ambulantes, sorrisos
Transeuntes, cheiro forte de cobu!…

Um trem descarrilhou sua fumaça.
Narinas – civilizadamente
Sujas – limpam-se aos lenços. Desgraça
De trilhos que não passam: demente!…

Um trem e sua fumaça de maria.
Perfume que se evapora. Nuvens
Negras em branco dia: um quê sem ira!…

Um reles trem – só máquinas nas veias –
E fêmea fumaça de felugens
Rompem a manhã de teias tétricas!…

10-3-2012.

Meu Coração Duro


Edigles Guedes

Despeço-me do monstro marinho
Sem lenço na mão para acenar-lhe
Um adeus de longuíssima data!…
Não trago comigo esse carinho

De infância perdida ao saltar pipas,
Brincar de esconde-esconde… Fiz tripas
Meu coração duro, empedernido…
Eis que nem martelo com rugido

Quebra-lho em fagulhas!… Oh! desata
Esse cálice de mim na calhe
Que sigo por entre pulcras pedras!…
 
Quanto me pesa um adeus não dito!…
Levo na bagagem o olho fito
Na muralha: que pedras! mais medra!…

10-3-2012.

Esse rio


Edigles Guedes

Ah! esse rio – sem cabeçalho
Ou rodapé – atravessou-me
Braços largos o bandalho
Do homem que sou!… Entristeceu-me

Deveras. Frio e caudaloso
Rio que trafega no vácuo,
Que há fora de mim… Sinuoso
E frio, o rio assoma que inócuo!…

Eu não sei que névoa anuvia
Meus olhos – pavios tão cegos!…
Mas sei que o rio segue por via

Jamais vista na pradaria…
Moles, míticos morcegos
Sobrevoam rio, frio, calmaria!…

9-3-2012.

Quando me Roubaste



Edigles Guedes

Quando me roubaste o Coração brando…
A sequidão devorou-me, portanto.
Sofri calafrios de prantos; enquanto,
Pela estrada afora e sozinho, eu ando…

Quando me roubaste a Razão túrbida…
O deserto fez flor no sentimento…
O que era belo se tornou lamento…
Descida sem encontro de subida…

Quando me roubaste os pios pensamentos
Secretos, piíssimos, dentro da caixa
Da minh’alma: eu sorri contentamentos!…

Quando me roubaste, insana mocinha,
O meu sorriso d’alma com sua baixa
Autoestima: eu voei que voei bem asinha!…

9-3-2012.

Prometeu Acorrentado



Edigles Guedes

O passado devorou-me o futuro…
Nenhuma Mágoa pousou em meu coração?…
Quiçá uma Mágoa bruta me embotasse
O paletó da garganta!… Monturo,

Talvez, de ideias e amores tão fugazes!…
Ideias que padecem por sua inanição!…
Amores que se vão sem pingos esses!…
Eis minh’alma devorada, e vorazes,

Por abutres ferozes… Oh! mimosa
Alma que fenece com o fogo brio
Dos homens!… Existências lamentosas,

Pois não são deuses – tão cru somente pó
Das cinzas!… Somos sombras de um desvario…
Fênix sem cauda e sem asas: um cepo!…

9-3-2012.

Pena Ancha


Edigles Guedes

Máquina do tempo parco…
O meu cérebro maquina
A mão sutil de vil barco,
Que trafegava na esquina

De algodão-doce com pouco
Sal no quotidiano louco…
Que mão lamenta esse fogo?…
Que desce aos prantos, aos rogos!…

Voo tal qual arco sem flecha…
A chave estúpida fecha
A porta tão lentamente…

Ando tão de mim descrente…
Que piso na bola murcha
E caio que nem a pena ancha!…

4-3-2012.

Sonho de Vinil



Edigles Guedes

Eis um sonho de vinil,
Tatuado no meu peito
De cavalo varonil…
Troto, troto, sem jeito

Por campos verdejantes…
Por vales tão contentes…
Navego (tal como antes)
Por entre cegos entes,

Que só vêm seus quereres…
Navego – barco que sou! –,
Singrando os caos cárceres

Das mil águas infindas…
Vã quimera que passou…
Que sonho acordado, ainda…

27-2-2012.

Larga Âncora



Edigles Guedes

Uma borboleta anil
Caiu, pois caiu pelo funil…
Mas não foi borboleta;
E, sim, uma corveta

Que naufragou no torto
Mar sem navios, sem porto…
Manhã de fevereiro,
Faz frio, tal qual chuveiro

Com água mui frígida…
Caminho… Viagem de ida
Sem volta: oh! reta, oh! curva…

Sem despedida turva…
Corveta larga âncora…
Feliz, coração chora!…

26-2-2012.

Dor-dragão


Edigles Guedes

A cadeira surda não sabe exprimir
A fragrância que se evola do átomo…
Amor, cujo Amor cuinca e me faz fremir!…
Eis que tremo! eis que frêmito! tal como

Verde vara ao sabor do vácuo vento…
Ah! se minha Dor transpassasse dores
Da parturiente ao dar à luz, num lento
Valsejar de sofrimento sem flores!…

Oh! Dor inaudita que retrocede
Para assomar mais forte: cão com sede
Do meu sangue equestre; cão co’ atroz fome

Da minha carne – esta mendaz síndrome
Da galopante invenção… Cruel pesadelo!…
Dor-dragão sem pílula ou perdido elo!…

26-2-2012.

Aquele Sorriso Manco



Edigles Guedes

Desabotoa aquele sorriso manco, quando
Chega da cidade industriosa e sem tamanho…
Sem alarde, sem um oi sequer – urso pando
Vivendo no zoológico: gaiola com banho –,

De mansinho para não magoar os ouvidos
Macios de meu amorzinho… que dorme às bandeiras
Desfraldadas. Ouço vaidade de pruridos:
Um salto alto após outro é desvestido; beiras

De precipícios são ditas ao lustre mudo;
Os calos latejam suas dores… Ela coça
Meu pescoço-telescópio com beijo ancudo.

A Lua (singela e bela) cabe em nosso quarto!…
Uma sinfonia de grilos corteja a moça
De vermelho; enquanto eu lagarto tal qual parto!…

25-2-2012.

Aquário de Vida

À mercê dos favônios, Bisviver jigajoga, Bajogar a conversa, Retisnar os neurônios… Lida que se renova. Quem me dera essa trela… Fá...