Amor Buzugo

Aliás, acaece que Amor move moinhos…
Se não fosse assim, como explicaríamos
O azul movediço do mar — dínamo
De sentimentos com tais torvelinhos…

Acaece que Amor move moinhos sonsos…
Contanto que se não mova uma palha
Sequer, ao prender a inspiração tênue
De pernas tesouras e braços mansos…

Como pode o vulcão desaguar gralha
Magma no mar de volúpias; e, ainda, sim,
Renascer no gozo do agrado anequim?…

Éramos crianças: eu com meu bodoque;
Você com sua boneca de sabugo
De milho; então, acaeceu o Amor buzugo!…

31-10-2010.

Amor Move Moinhos

Edigles Guedes

O que eu sou?… Somente o bailarino molambo,
Que se curva sob os teus passos de pássaro
Penteado pela chuva lã da madrugada,
Quando te alças nessa leveza de tua graça…

Tão somente o ramo, que te serve de escambo
Ou moeda para o comércio rude e avaro
Em teu ninho de sossego e calma largada,
Quando repousas de voar, tal como fumaça!…

Somente esse peso maduro e barítono,
Que te agrilhoa à terra vasta dessa alpercata,
Que se gasta, quando andas em noite sem sono…

Então, o que eu sou?… Tão somente o vento remoinho,
Qual passa com alarde de ser que desata
O nó da gravata — água de Amor move moinhos!…

29-10-2010.

Albergadora Barca

Edigles Guedes

Uma barca afasta-se de velas pandas:
Vai galgando a linha do horizonte imberbe;
Vai largando as cordas, que a prende ao cais prenhe;
Vai deixando saudades com sua agra âncora!…

A solércia da barca é que atra desanda
Ao navegar os mares, tal como azerbes
Ao vento enfunado por bolhas champanhes…
Segue a barca pelo vasto oceano afora…

Uma barca — que arrefece o troar das ondas,
Que se esquece do dia findo em suas águas anchas,
Que alentece em pescar estrelas e conchas —

Sabe o quanto lhe custa, a arguta anaconda
Do mar, naufragar na sequiosa praia do Amor!…
Eis que a barca é albergadora desse alvor!…

28-10-2010.

Amor no Portão

Edigles Guedes

Oh! Psiquê, bela jovem, que foi traída
Pelas almas ínvidas de suas irmãs…
Que tentada pela curiosidade:
Matou um gato e esquartejou certo cão!…

Carregando infeliz candeeiro na mão,
Ao espiar a tez de seu amado, nômade
Pingo de azeito atrai sobre ele — ímã
Tal qual de polos contrários. Caída

Uma lágrima de desgosto por tão
Insigne Cupido; logo, censura:
— O Amor não sobrevive sem confiança!…

E eu, leitor de muitas desesperanças,
Fico a sonhar as mil e tantas agruras
Por quais passa a alma do Amor no portão!…

28-10-2010.

Amor a Cochilar

Edigles Guedes

Ah! Esquecer-te, eu? Jamais! Acaso, o Amor é edifício
Da memória rabugenta de um apaixonado?…
Como hei de esquecer-te? Se me ensinas tão completo
Pulo de gato à noite, com suores abafados?…

Se tens tuas mãos a blandícia branda por ofício?…
Se me pejo com tuas pernas amarfanhadas
Nas minhas, repleto de eflúvios — fluidos de aroma
Agradabilíssimo… Em nossas almas tatuadas

Estão as lágrimas, entrelaçadas por insuetos
Olhos invisíveis, que evocam as ignívomas
Tardes de grama, sol e piquenique na praça…

Ah! Esquecer-te, eu?… Quem me dera fosse fácil deixar
Pra trás o Amor em qualquer esquina, sem arruaça!…
Oh! gaiato Amor, que vive em mim tão bem a cochilar!…

28-10-2010.

Coração sem Embargo

Edigles Guedes

Chove deveras em mim pungente pavor
De Amor, pois é substantivo de poucos
Adjetivos, que possam qualificá-lo…
Se Amor inventa sorriso angelical

E com arco e flecha acerta demais Amor:
O coração exaltado faz-se aqualouco
Cupido — misto de menino anômalo
Com asas de canja de galinha abissal…

Se ele engenha mãos com luva de pelica;
Vestido prendado ou saia rodada; fita
Nos cabelos de carmesim; ombros largos,

Decotados de pudor; então, cá, fica
A adaga do mouro, cravada na desdita
De coração apaixonado e sem embargo!…

27-10-2010.

Ondas Quixotescas

Edigles Guedes

Tu abanavas o leque com as mãos de sabres…
Ele regozijava-se, balançando-se
De um lado ao outro, como as palmeiras pálidas
Balançam-se na cadeira de balanço do

Vento vívido… O leque, lúbrico, de lebre
Pele, acaricia a tua tez tão casta! Esse close
De câmara digital revela, sobremodo,
A dor de tua alma mitopoética e árida!…

Ó leque leucêmico! por que faz inveja
Esse teu langor de enganador letífico?…
Sinto-me que, debalde, eu coro de cereja

Cor, ao ver-te, bela Dama, refrescando-te
Nos braços desse leque cruel e terrífico!…
Ó leque! sopra-me em ondas de dom-quixote!…

26-10-2010.

Tolo Anelo

Edigles Guedes

Bate-me à porta essa memória adormecida:
Suores nos lençóis da cama de Amor náufrago,
Lágrimas de espera nunca dantes alcançadas,
Suspiros de saudade que apertam o peito

Inaudito, insônia de mente entorpecida
Pelo perfume de baunilha… Eu, que me afago
Com teus cabelos bastos, com mãos acanhadas,
Tateio o escuro à cata de ti… Corpo atreito

Ao teu aflato de flores, que bafeja esses
Sorrisos de doces de leite — caramelos,
Manhãs de domingo, guardas nos adereces

Teus… Já não sei se me deleito nesse sonho
Delicioso; ou, se me embriago com tolo anelo
De namorado merencório e enfadonho!…

26-10-2010.

Retrato na Parede

Edigles Guedes

Eis que o tapete convida-me para adentrar
A casa paterna: cenário de benignas
Lembranças de outrora… Quando eu era menino,
Empinava pipa no carpete da sala,

Com o ventilador ligado ao máximo
De consumo de energia elétrica. Minha
Mãe ralhava comigo, dizia que não tinha
Pena do bolso de meu pai. Então, acérrimo

Eu ficava… Fazia essa cara de bengala
Sem apoio à mão, que lhe acaricia. Ferino,
Escondia-me no quarto. Mamãe — fidedigna

À sua índole de pomba — vinha-me acalentar…
Hoje, crescido, bate-me uma saudade
Grande, ao olhar esse retrato na parede!…

25-10-2010.

A Contar Estrelas

Edigles Guedes

Deitei às mãos as madrugadas insones,
Enquanto o meu travesseiro sonhava
Com essas lágrimas de crocodilo…
Não sei o que te digo ao pé desse ouvido

De mercador, se o que te falo nada
Te comoves: vás partir! — aerofone
Lírico e musical, que se inflamava
Com teus lábios de ninfa sem asilo…

Destarte, nosso Amor de cão lambido
Não passa de uma farsa malfadada!…
Dama, de pilhéria comigo, dizes

Que eu sou um vagabundo a contar estrelas…
Quem me dera findar esses felizes
Cálculos, e contar tua história bela!…

24-10-2010.

Refrães Bucólicos

Edigles Guedes

Sua mão lívida fechou-me os vãos do coração;
Aterrou-me os poços, que eu, lamentavelmente,
Cavei para dessedentar-me a sede clara,
Como o sol do meio-dia, nessa terra de sertão…

Sua mão casta, com sorriso de marfim, sente
A textura da minha pele suave e avara
Por recrear-se consigo em delírios — gráficos
De Amor olvido e, hoje, relembrado no poema

Escrito na árvore do bosque das araras…
Embala-me sua mão rota com as lágrimas,
Que regaram o jardim de utopias e ricos

Dissabores do dia a dia… Que aljôfar (cítara
Da minh’alma) persiste em cantar, melancólico,
Essa cólica de meus refrães bucólicos!…

24-10-2010.

Ano Novo

Edigles Guedes

Na penumbra do quebra-luz, tenra pintura
Tua se insinua entre a luz e a escuridão da noite…
Fogos de artifícios anunciam o ano novo,
Que bate às portas de bobos casais cingidos

De branco na praça municipal… Securas
De sentidos brindam comigo o belo açoite
Que levei às costas por amor correspondido
De mal a pior, como casca ou gema sem ovo!…

O peru, que sobrou do Natal, cabisbaixo,
Está com suas pernas estendidas no forno.
A cozinheira prepara a mesa para a ceia…

Meus olhos viajam, por entre facas e alcateias,
Até encontrarem teus olhos despidos, mornos
De saudade; e nós brincávamos de pique-baixo!…

23-10-2010.

Pérfida Senhora

Edigles Guedes

Por que limpais uma lágrima com o lenço
De vossa mãe falecida há tão pouco tempo?…
Se essa lágrima não é de arrependimento;
Mas sim, de remorso e fosso — desse engrimanço

Teu para enganar-me com o charme hipertenso
De uma lágrima caduca, de passatempo…
Oh! sinceramente não sei que sentimento
Foi esse que me mordeu as têmporas e os remansos

Do meu coração apetecível e sereno!…
Deveras, o lenço, que acenais na mão destra,
Causa-me esse desassossego fumígeno!…

Ah! pérfida Senhora, fostes vós?… Matastes
De desgosto e fel vossa mãe, vossa madrasta
De bons conselhos, por não me amar como dantes?…

23-10-2010.

Peito de Apolo

Edigles Guedes

De ordinário, caminhavas encantadora…
Nos teus olhos, tremia lágrima cruel e tola,
Como água de uma tempestade num cálice
Azul de bondade!… Ó vil criatura! que fora

Eu, pois jamais imaginei sua farândola
De desditas!… Ó lágrimas! que em ti denguices
Desperta nesse corpo de mulher carente…
Eu careço dessa tempestade, que são olhos

Teus, a vagar por entre as nuvens das auroras…
Eu careço desse cálice tão silente
De teus beijos — na tua saliva, eis que me molho!…

Ó princesa, amanheces em mim, como outrora!…
Eu quero enxugar tua lágrima no meu colo
De carinho e zelo, no meu peito de Apolo…

22-10-2010.

Uma Foto de Nosso luau

Edigles Guedes

Deste-me um beijo de chocolate. A janela
Do tílburi estremeceu-se da sua cabeça
Aos pés do cocheiro, que chicoteava veloz
O cavalo baio… Tu coravas, amarela

De vergonha, diante do sobressalto à beça
Do pangaré… Enquanto eu agarrava-me co’ atroz
Esperança à ilusão de que Amor jamais fugia
A galope de seu destino — fado amigo!…

Enganei-me, como se deixa enganar todo
Caríssimo coração apaixonado… Rugia,
Então, em mim, esse desespero!… Cá comigo,

Eu que disse: — É melhor guardar no cofre da nau
Memória esse inseto momento que, a rodo,
Sofrer de Amor sem uma foto de nosso luau!…

22-10-2010.

Pele de Carmesim

Edigles Guedes

Quando sentas nos meus joelhos,
A perna fica-te, sonsa,
Pendendo de cá para lá,
Como um pêndulo e aparelhos

De bom relojoeiro… Mansa
Voz afaga-me… Que opalas
São as tuas mãos!… Devagar, como
A caspa sem asma, eu fio-me

Nos teus cabelos tão louros
Para acudirem, sim, a mim
Os teus beijos flamívomos…

Susténs os chinelos, firmes,
Com os dedinhos calouros
E tua pele de carmesim…

22-10-2010.

Demovo-me

Edigles Guedes

Com sapatinhos de cristal, minha donzela
Dança co’o vento — esse cavalheiro invisível…
Rodopios e saracoteios de bailarina
Exímia na arte encantatória de gazela…

Eu perco-me ao olhar sua destreza de circo:
Baila, tal se estivesse a cavalo no vento;
E o vento fosse um potro azul e branco — aprisco
Desses sonhos e fantasias de tremulento?…

Todavia, tudo que é bom, dura muito pouco:
Acabas de redemoinho inacreditável
Nos meus braços de carinho… Eu, que cego e mouco,

Entonteço com seu sagaz charme de fera
E abóbora!… Foi-se como penicilina…
Demovo-me com sua carruagem de megera!…

21-10-2010.

Chove Deveras

Edigles Guedes

Eu encontro-me que deitado
Nessa verde grama enjoada…
Uma nuvem, que magoada,
Passa no céu despeitado

Diz para si mesma: — Eis que
Minha vida é ave sem graça,
Um desengonçado parque
De diversões nessa caça

Por passeios daqui pra acolá!…
O vento, que cavalgado
Anda, disse-lhe: — Carola

Nuvenzinha, inda hoje serás
Chuva… Aliás, de braços dados
Co’a grama, chove deveras!…

21-10-2010.

A Senha

Edigles Guedes

Um lenço de dama bela
Cai no atoleiro da bacia
De algodão doce!… Eu recolho-o
E guardo-o junto comigo.

Contudo, minha donzela,
Percebo que sua ventania
É de Amor por esse abrolho
De sentimento mui ázigo!…

Oh! não vês que ele não te ama…
Oh! não vês que ele desdenha
Da rosa que lhe quer tanto

Bem… Choras, porque te acalmas!…
Enquanto eu recolho a senha
Para o teu coração ingrato!…

21-10-2010.

Pingos Tênues

Edigles Guedes

A chuva cai e canta, pasma,
O seu canto de pio sabiá,
Dependurado na gaiola,
Defronte ao chuveiro… Que asma

É essa de quem sequer sabia
Da respiração da viola?…
De seus medos a dedilhar
De chuva e Amor este meu ser

Tão pequeno e tão prudente…
Sinto-me como pimpolhar
De pingos tênues… Ah! tecer

As madrugadas sem dentes,
Tal qual ouvir de são ouvido
Canto de quem vai bem-ido!…

20-10-2010.

Esse Jardim com tuas Prosas

Edigles Guedes

Não se pode queixar de mim!…
Por que eu não sei do tanto
Que tu te queixas no jardim?…
Se há tantas rosas… e quantos

Cravos há à porta desse ente
Querido… Quem sou eu para
Duvidar de teu presente,
Amor?… Se vivo de aparas

Da minh’alma desgastada!…
Se eu respiro do próprio ser,
Quem sou, essa minha frustrada

Viagem ao interior da rosa
Ou do cravo!… Ah! Quiçá hei de ter
Esse jardim com tuas prosas!…

20-10-2010.

Beijo e sua Enxabidez

Edigles Guedes

Envio-lhe um beijo com a mão…
Tal como um aceno turvo
De lágrimas sem sossego,
A escorrer pelo rosto em vão!…

Por conseguinte, eu me curvo
Perante essa dor de cego
Desespero da saudade
Infinita no meu peito!…

Sinto-me estranho: desejo
De partir contigo, árcade
Amor, que me acalma… Afeito

Coração que nem entejo
De mulher e sua gravidez…
Que beijo e sua enxabidez!…

20-10-2010.

O Amor Trancou-se

Edigles Guedes

Estou cansado da vida...
Ela quer-me a alegria finda
De barco de papel, que inda
Persiste em navegar de ida

Sem vinda, sem volta à roda
De mim!... Não sei se a estibordo,
Eu finco-me; ou, se a bombordo,
Eu largo-me, como moda

De canção sem belo refrão...
Se trinco há nesse soneto,
É porque a porta do patrão

(O Amor) trancou-se na prisão
Do meu coração... Discreto,
Eu vivo-me dessa ilusão!...

20-10-2010.

Amor que se Combate

O amor cessa se não há combate.
Sören Kierkegaard

Edigles Guedes

Meus olhos de ave de rapina
Devoram-te, de sobremesa!…
Teus olhos, doce purpurina,
Festejam os meus brios à mesa…

Meus ouvidos clamam, afoitos,
Pelo murmúrio de tua língua!…
Teus ouvidos: poema de introito
À minha vida… Oh! vivo à mingua!…

Meus lábios grossos convidam-te
Para esse baile sem máscaras,
Que é o meu coração empedernido!…

Teus lábios de fel, encardidos,
Causam-me dor de águas amaras!…
O amor cessa se não há combate!…

19-10-2010.

Fogosos Ruídos

Edigles Guedes

Ouço ruídos de quem anda a passear com salto
Alto ou como quem passeia de quebra insana
Da rocha na borrasca do mar, linda sereia!…
Ouço ruídos aluados: sapatos no asfalto?

Ou simplesmente o som inaudível da cana
De açúcar a partir-se no canavial? ou areia
E água atlântica, que entraram nos meus ouvidos
Sem pedir-me permissão ou benção com a mão?…

Ouço ruídos… São juvenis ruídos?… Latidos
De um latim extinto, mas que tão bem vivido
Está em nossa memória rara e imaginação!…

Ouço ruídos… Porquanto assim eu tenho crido…
São fogosos, como o sussurro ao pé calado
Do seu sorriso… São os beijos dos apaixonados!…

19-10-2010.

Passeio de Bicicleta

Edigles Guedes

Tu estás montada a cavalo na bicicleta.
É-me lindo ver-te os cabelos ao vento…
Inopinadamente, ouço o cálido assento
Ranger ante o peso de tuas pernas de atleta;

Teus musculosos braços aéreos, de ginasta
Olímpico, agarram-se ao guidom da máquina
A vapor de tua força; o teu short me alucina,
Entorpece-me a vida, que me brada: — Basta!…

Eu, porém, persisto com meus olhos ávidos
Por enxergar-te mais lânguida ave ao deslizar
Nas nuvens de asfalto, desse orvalho plácido…

Cedinho, de manhã, eis que eu me refestelo
Contigo, em pista de ciclismo, a civilizar
Tuas nádegas suaves de sentidos no prelo!…

18-10-2010.

Entoada Dúvida

Edigles Guedes

Ah! que dúvida eu sinto: não sei se é Amor,
Que guardas no teu coração de piegas;
Ou se finges tão bem que Amor carregas
Na cesta de Chapeuzinho Vermelho…

Ora coalhas em mim essa rude dor
De prisioneiro da alcova sem grades;
Ora apinhas em mim benigna fraude
De Amor em meu peito de escaravelho…

Porventura, eu sou algum Lobo Mau, grosso
De modos, com seus dentes de colosso,
Sua voz enfadonha de vovozinha?…

Quanto é dúbio esses olhos de andorinha!…
Em mim se aninha essa entoada dúvida:
É-se Amor ou finges na cama álbida?…

17-10-2010.

A Falta que o Armário me faz!…

Edigles Guedes

No armário do meu escritório estão postos
Alguns papéis avulsos, que eu teria
Jogado fora, se me houvesse em mão
Um cesto de lixo; ou isqueiro, solto

E fácil, para tocar fogo e chamas
Nessa papelaria da minha histeria;
Ou (quem sabe?) um requietório assaz caixão,
Para enterrar a desdita na lama…

Mas, de fogo, nem sequer jovial pavio
Eu encontro-o, quanto mais as chamas ditas!…
De lixo, o porteiro esse aviso prévio

Deixou-me à porta para recolhê-lo…
De lama, resta-me esse que me espreita:
O armário que me faz falta, por tê-lo!…

17-10-2010.

Homem que se faz de Pedra

Edigles Guedes

Sou de pedra: noventa e nove por cento
De areia, de pó, no sangue verde de barata!…
Sem qualquer brecha, eu me ergo, como essa lápide
Tumular… Que secura de seus sentimentos!…

Aqui, no almocávar da minh’alma, eu medito
Um cadinho sobre mim — criatura cordata…
Pois bem, no papel ofício, uma tangetoide
Eu traço, procurando o fio fraco e abscôndito

De união ao rés da pedra, que me desperdiça…
Ah! Que sangue de pedra!… Tropeço e carniça —
Eu sinto-me que sou; mas, há muito que penar!…

Por isso, faço-me de pedra exemplar, sem par
Na face da terra, que de vício e vaidade,
Vive-se divagando sem identidade…

17-10-2010.

Cartilha de Amar

Edigles Guedes

Pesadas pálpebras de sono socorrem-me
Dos sonhos malfadados dessa realidade,
Que me circunda sem aparente motivo…
É madrugada seresteira e tão disforme

É essa ostra de Flaubert, que me escondo todo o dia!…
Há uma peleja sorrateira na cidade
Dos meus pensamentos à socapa, sem crivo
Ou liberdade de evasão muscular… Tardia

Lembrança — que me faz prostrar diante do sono
Amigo — recebe-me em rudes aposentos
Com quatro pedras na mão… Eis, sim (paroxítono

Pássaro que sou), como poderia me enganar
Com sonhos de Amor venturosos?… Se lamentos
São letras fortunosas na cartilha de amar…

17-10-2010.

Marionete Pícara

Edigles Guedes

De repente, tal qual elefante que agarra
Certo objeto de estimação pela tromba,
Eu lancei a ti o meu olhar comprido e pernas bambas…
Quedara-me da cadeira de balanço,

Quando percebi que teu braço franco amarra
O cadarço de teu lábio ao sapato atroz
De meu beijo!… Ah! eis que me senti tão veloz
Passarinho a correr frívolo em teu encalço…

Assim, pruridos de pensamentos estivos
Invadem-me a alma cativa de teus olhares…
O que fiz para merecer favor esquivo

De tua benevolência, de tua atenção para
Comigo?… Ah! quem me dera que pernas hílares
Tuas fizessem-me uma marionete pícara!…

16-10-2010.

Colher Cabelos

Edigles Guedes

Colhi os teus cabelos na palma da minha mão…
Eles eram tão suaves plumas, que adejaram
Serelepes; eis se vão, sem me pedir perdão…
Perdão de quê?… Logo, todos me perguntam.

Perdão por me machucarem com esperanças,
As quais — como onda de mar aberto — levam
E trazem saudades de Amor perdido… Crianças
Peraltas e traquinas são os teus cabelos!…

Ó cabelos rubros e ruivos! que me raivam
Com tuas plumas esvoaçantes, ao escarnecerem
De mim, nesta tarde de olhos brandos e belos!…

Ó cabelos! que os colhi com bastante zelo
Na palma da minha mão!… Eis que ao alvorecerem
Os tênues anos jamais verão igual anelo!…

16-10-2010.

Ave que Borbotoa

Edigles Guedes

Eu estou de emboscada na sala de estar,
Meus olhos rifles estão atentos às mãos
E pés de minha presa facínora…
Eu sorvo aos goles de sedento esse ar

De ansiedade ou de angústia. Na contramão
Do Destino, acuado em abóbora aurora,
De relance, eu vejo tuas mãos sensatas
Rogar-me um ósculo de pele a pele!…

Os rifles dos meus olhos desfalecem…
As tuas mãos sequestram, como piratas,
O meu fôlego de epiderme imbele…

Ah! doces tiros de beijos!… que tecem
A sala de estar com esse perfume
De mulher — ave que borbotoa implume!…

16-10-2010.

Tentáculos Víperos

Edigles Guedes

Tentar é inútil desvencilhar-se dos braços
Meus; eles são tentáculos miraculosos
Dalgum polvo que mora no mar assombroso,
E que não tem medo ou pejo de teus laços…

Ó tentáculos víperos! que me arrebatam
Suspiros do meu peito infante, quando chega
De mansinho a Dama dos meus sonhos… Ó cega
Paixão, que me abrasa!… Aos borbotões, desatam

Beijos na grama parida de borboletas…
Ó tentáculos viperinos! que me entrançam,
À boca da lua, os meus lábios nos lábios dela!…

Já não sei que estrela fulgura, agora, alerta,
Em meus braços bem-fadados!… Ah! em mim balançam
Essas tranças de cabelos com suas procelas!…

16-10-2010.

Sonhos e Nudez

Edigles Guedes

Pejada de sonhos e nudez, calma
E serena, olhas-me com teu semblante
Melancólico, como se consoante
Perdesse entre vogais as puras palmas!...

Suplico-te: — Me não olhes co’esses olhos
De caramelo, com vislumbre e sabor
De chocolate; pois, eu (por claro Amor)
Sou capaz de fazer porta e ferrolhos!...

Eu sei que teus lânguidos olhos passeiam
Pela nudez de teu ventre materno...
E quantos sonhos teus bons olhos refreiam!...

Há uma criança fogosa para nascer...
Há um verso de desencanto paterno,
Que, frouxamente, em mim virá a crescer!...

15-10-2010.

O Lago Pérfido e suas Águas

Edigles Guedes

Por que me trouxes a este lago de pérfidas
Ilusões?... Se sabias que sou homem de acanhadas
Palavras na boca mofina e desgrenhada...
Se sabias que boas conversações e fingidas

Juras de Amor me dizias tão placidamente,
Como as águas deste lago e suas correntes...
Ah! feroces águas, que prendem o meu jeito
Ao peito da minha amada... No meu leito

De Amor eu quero os teus beijos aleivosos...
Ah! atroces águas, que inundam o meu tão nobre
Ser com esse desejo assaz cobiçoso!...

Por que me trouxes a este lago?... Se me não crês,
Se eu sou para ti metal tão vil como o cobre…
Ah! veloce lago cândido, que me é cortês…

15-10-2010.

Canto de Moinho Monso

Edigles Guedes

Cada qual canta como lhe ajuda a garganta,
Diz o bom e velho provérbio popular...
Contudo, eu (que me desvaneço ao especular
Sobre as causas de minha pústula infanta)

Já não sei que padecimento é este, que me vai
N’alma assomando, assim devagarinho, sonso;
Já não sei porque tal falecimento se esvai
De meu legítimo canto de moinho monso...

Ó dolorosa garganta!... Que me não convém
Admoestar esta dor ladina no meu peito!...
Pois, os males de Amor não se espantam com cantar,

Inda que seja canto de sereias... Ai! que vem
Em mim o sofrer pérvio por Amor eleito!...
Pois, de males de Amor sentimos nau a navegar!...

15-10-2010.

De Mentira e Engodo Vive o Amor a Mendigar?

Edigles Guedes

Por que de mentira e engodo vive o Amor só?...
Por que mentes descaradamente, quando
Afirmas que sentes tão somente remorso,
Por me afligir com tuas mentiras?... Sopesando

Em meu peito vil esta dor sem cotovelos,
Que me atropela os sentimentos embotados...
Eu sou do peixe, a isca: um doce caramelo
De ilusão infinda... Pensamentos embuçados

Engodam o meu ser de papel almaço!...
Meu ser que me é tão enganado com os maus tratos
De Amor aprumado, ancho... Ó meu ser agraço!...

Quem lhe ensinou que só de mentira e engodo
Vive o Amor a mendigar?... Quem, cego e sem tato,
Aprende que de Amor se pesca o ser lodo?...

15-10-2010.

Coração Afogueado

Edigles Guedes

Quando se está com o coração afogueado, é notório
Sentir estes insondáveis fulgores e arrepios,
Subindo, como avalanche, pelo tão simplório
Dorso de homem feito ao fio da espada e seu cardápio…

Por isso, não ensejo enevoar a alegria de lábios
Tão femininos quanto os teus!… Por isso, não ensejo
Privar os teus lábios de parcos sorrisos!… Sábios
Desejos de parvos desvanecem meus bafejos

Da sorte — encontro-me despido da pura razão
De ser uma mera marionete nas mãos sujas
Da fortuna pálida, sem um pingo de sazão!…

E, quando se está com o coração afogueado,
Bastante abrasado por Amor laçado; seja
Dia, seja noite, é bom de Amor estar afogado!…

15-10-2010.

Dama sem Apólices

Edigles Guedes

Eis que a Dama se achega, bonita e empertigada,
Com seu vestido de chita rodada; prendada
Moça balança-se ao colo de zéfiro — vento
Que passa em seu caminhar de cágado bem lento…

Que lufada é esta, a qual se introduz de supetão no
Tecido alvo da cor da neve de minha Dama?!…
Ela enrubesce a face da bela lua sem dono;
O olho demais transparente, sem ação, inflama;

O seu andar de andorinha segue-se assaz ritmado.
Ó lufada sagaz!… Que se mostra astuta em luta
Corporal, face a face, co’o vestido mimado!…

Enquanto isso, eu (pobre homem de percalços e óbices)
Ensejo ser o zéfiro afável — que aeronauta
Desbrava os sete ares da Dama sem apólices!…

14-10-2010.

Presa sem Oferta

Edigles Guedes

Na realidade, estás farta de ouvir travessuras
De amores, como se o menino Cupido, brando,
Estivesse a debochar das flechas. Nessa altura,
Tu gargalhas às bandeiras despregadas. Pando

Ventre o meu ri de mim mesmo; afinal, palhaço
Eu fui, quando me deixei lograr pela beleza
De mulher madura. Quão tolo bicho no laço
Da fantasia de amar é o homem!… Sim, tenho certeza

Que há mais veneno na lábia duma mulher dama
Do que na garganta de políticos mesquinhos!…
Elas agem tal como serpente sem escamas:

Preparam o bote e enlaçam a vítima. E fartas,
Esguias, vão-se para longe do corpo e sequinhos
Ossos. Por isso, sorris: eu — presa sem oferta!…

14-10-2010.

Lábios de Lince

Edigles Guedes

Sentada ao pé da escada, como quem nada quer,
Deixas ficar tua destreza, linda donzela!…
Destreza de caçadora impiedosa a vencer
O bárbaro leão, convicto de suas mazelas;

Destreza de marinheiro co’a mão no leme
A enfrentar corajosamente mil procelas,
Furacões, tempestades, tufões, nada teme;
Destreza de fera: instintivamente aquela,

Que de um salto só ou rugido cadente, freme
Seu estrondoso grito, lépido de fascínio!…
Confortáveis, ao ouvido, estão as tuas mãos íngremes

A soletrar a letra miúda de um romance.
Teus olhos fulgem devagar; quando, ao declínio
Do sol, findas de ler os meus lábios de lince!…

14-10-2010.

A Lição de Ulisses e as Sereias

Edigles Guedes

As sereias — que atentaram Ulisses, o grego
Perspicaz — mudas ficaram, pois encantadas
De Amor pelo astuto guerreiro, renderam-se!…
O segredo de Ulisses era as cordas atadas

E a cera nos ouvidos posta. Se favores
De Amor queres gozar na vida, aprende, ó mortal,
Com o sábio Ulisses: amarrem-se tais dores
Ao mastro da realidade, serena e frugal;

Não se aparte jamais por alameda dos sonhos
— Pois ela é a perdição do Amor dos marinheiros.
Depois, nem tudo que de Amor se diz ao ouvido

É para crermos, porque o Amor é trapaceiro:
Hoje, ele se enche de elogios e mil venturas;
Amanhã, ele se enfeza, e fala de amarguras!…

9-10-2010.

Tatuagem Inconcebível

Edigles Guedes

Lua sem sol, estrela sem carinho, bicho do
Mato sem toca ou ninho, nuvem sem pálido
Vento… Eu caminho sozinho com esse lodo
De angústia (por nome Amor), colado ou bem lido

Na testa do meu peito… O quê? Se me desato
A rir, serei tido e achado por crasso louco;
Se me desato a chorar, eu serie um exato
Misantropo sorumbático. Certo é: pouco

Sei de mim, pois no meu peito está desenhado
Essa tatuagem inconcebível, sedenta
Por tinta de Amor proscrito. Pássaro alado,

O qual bateu asas e voou, deixando-me a grita
De quem quer se libertar dos grilhões… Se assenta,
Porém, na rocha de Prometeu e sua desdita.

9-10-2010.

Desterrado

Edigles Guedes

Desterrado eu estou da pátria que beijos
Teus me afogavam de Amor cálido…
Tuas gentis madeixas cheiram a queijo
Bom de Sanharó, cheiro mádido…

Que naufrágio foi esse em que me perdi
Da razão de Amor por ti, minha Dama?!…
Em que recife a nau calhou solteira,
Deixando-me à deriva, com tábua

Por salva-vidas?!… Então, eu me abscondi
Na gruta do teu peito – lago em chamas
Inflamou em mim essa chã e alcoviteira

Alusão de desterrado sem trégua…
Marinheiro que peleja por Amor
Longe dos braços da amada e seu fulgor!…

8-10-2010.

Lhano Sorriso

Edigles Guedes

Custa-me crer em teu sorriso sincero,
Se tudo que me destes foi um coração
Quebrantado de dores de Amor. Eu quero
Sorrir contigo, tatear tuas gaiatas mãos…

Olhar para ti e ver os meus olhos fixos
A espelhar tua alma sem nódoa, sem mágoa…
Como eu quero escalar montanha de lixo
De teus pensamentos fugazes… Ah! Água

Do riacho, que bebi em teus beijos insanos,
Vem inebriar-me com os cabelos soltos
Dessa fingida mulher camaleão. Lhano

Sorriso teu, o qual me custa a crer… Diga-me:
Por que vives a espantar esse absolto
Espantalho (que sou) desse teu ditame?…

7-10-2010.

Cerdo Lápis

Edigles Guedes

O lápis – esse operário bifronte –
Que desenha na folha em branco, letras
De minério e suor da mão brutamontes,
Persegue seu instinto, sua bilontra

Mania de embromar o rabisco lerdo
Nesta noite de ferro e aço nos olhos.
O lápis, cuja tinta se mistura
Com minhas lágrimas ou essa secura

De garganta álpica sem grito. Cerdo
Lápis!… Que me suja a alhos e bugalhos
Com grafite – rota de pedras gratas…

Lápis amigo, por que escrever dardos
Me custa?… Se eu não pedi esse agasalho
De fogo (que me queima) e a mão fragata!…

7-10-2010.

Mãos Panteras

Edigles Guedes

À tarde, ela veste-se de perfume e aroma
Silvestre à espera do amado, que tece sonhos
De uma noite de verão… Então, súbito, assoma
O amado à porta de seu banal armarinho!…

Sobressalta-se a Dama sem camélias. Ufa!…
O decote do ombro deixa-se cair, qual pena
De ave canora ao desabrochar de sua alcofa…
Seu leve olho de plumas ao amado acena.

Num fotográfico movimento de corpo
Felino, ela esconde o que escondido está. Suas mãos
Ágeis como pantera. Logo, o amado crespo

De vergonha e sem pudor encolhe-se ao mundo
De caracol. Coração navega sem timão
Nesse sonho descontente de tão cacundo!…

6-10-2010.

Acesa luz

Edigles Guedes

Não sei se valeu a pena apagar
A luz da sala, e desistir de esperar
No sofá férvido, que venha chegar
Você a mim, nesta noite a me alquebrar!...

Será que você desistiria de mim?...
Mas foram tantas noites de acesa
Luz... Tantas noites de agonia no jardim
De angústia e dor... Que não sei se a surpresa

De lhe ver novamente vale a pena
Mais uma noite de sono... Essa insônia
De ver madrugadas sem Helena,

Sem Troia, sem Homero para cantar
Com sua lira decrépita as velhas glórias
De guerreiros perdidos de tanto amar!...

5-10-2010.

Aquário de Vida

À mercê dos favônios, Bisviver jigajoga, Bajogar a conversa, Retisnar os neurônios… Lida que se renova. Quem me dera essa trela… Fá...