O Relógio Cacareja

Edigles Guedes

Uma pausa no tempo anódino, que escorpião
Inocula em mim seu veneno de velhice…
Minha pele, como página carcomida,
Estraga a laranja de sol e sua pieguice…

Descasco a laranja bendita – aporrinhação
De suco e gomos extintos no cru mordiscar
Da boca simplória… Essa intuição carótida
Do tempo desperta em mim constante peniscar

De pensamentos. Destarte, a faca abiótica –
Eis que vai descascando a superfície estadual
Do estábulo da semente cor metálica!…

Minha pele, qual epiderme da laranja,
Deflagra a ação de corte rente à pausa bambual
Do tempo. O relógio cacareja sem franjas!…

12-9-2010.

Pardal Salobro

Edigles Guedes

Um pardal fez seu ninho nos caibros da
Área de serviço, agora, alegrinho,
Vive a pipilar sua canção antípoda:
Diametralmente contrário ao carinho

Da chuva esguia, ensimesmada e oblíqua;
Contrário ao hálito – que abraço do Sol
Rubicundo!… Uma flor, reta e longínqua,
Lamenta-se da sorte de girassol

De sua partida; pois, amanhã já não
Existirá névoa flor, mas sim como
Pó de fenecida flor na contramão

De sua história de vida!… Eu (que sou beliz)
Vivo a espiar o pardal salobro e acromo,
Que pousa na pétala da flor feliz!…

12-9-2010.

Pardal Cismático

Edigles Guedes

Somos um só corpo, abraçados
Na grama verde e verrugosa,
Nesta tarde de ensolarados
Pássaros e tão brumosas

Árvores, que se emperiquitam
De tais outonos, primaveras…
Corpos bastos, que se empelicam
Na grama à ventura e à vera!…

Tarde de peitica do verde
Com o azul do céu estrábico;
Tarde de sinfonias discordes…

Na grama auriverde, dois corpos
Distraem-se co’o astrolábio
Do pardal cismático, acarpo!…

8-9-2010.

Barquinho de Aulido

Edigles Guedes

Retenho a mão cálida sobre a água
Férvida de manhã e sua liquidez…
Concebo com minhas mãos esse mar
De procelas e labirintos,

Onde um barquinho afoga suas mágoas…
O barquinho de aulido e fluidez
Desata um choro – cólica a bramar!
Ó barquinho acérrimo (insisto),

Por que vives a chorar o leite
Derramado?… Eu posso, por acaso,
Colar os cristais acafobados?

Por que são essas lágrimas, deleites
Não consumidos?… Sim, são pégasos
Choros tão contritos e derreados!…

8-9-2010.

Madame Alcoviteira

Edigles Guedes

Há um silêncio que se deliu na aurora…
Ázigos ventos brincam na varanda…
Uma folha fúcsia, pálida, ancora
Em meus pensamentos, numa ciranda

De crianças espevitadas, correndo
Pelo quintal afora, sem demora,
De pernas céleres. Vida tecendo
Seu ramerrão… A rotina vai-s’embora,

Quando um papagaio rabugento quebra
O silêncio em pedaços de mil vidros.
Acordo, e quase caio da boa cadeira

De balanço; suspiro: − Ufa! Que zebra!…
Quem me mandou olhar, ver navios anidros?…
A vida é uma madame alcoviteira?…

7-9-2010

Anélito de Tarântula

Edigles Guedes

Trago comigo o seu hálito em boca alheia…
Que anélito é este que incendeia corpo
E tráfego aéreo de falas e suas teias?
Fôlego de tarântula – no escopo

Da linguagem rupestre e tão ríspida,
No espaço de um risco nas entrelinhas
De meus pensamentos vaus… Insípida
Pulga dúbia, débil, dúctil, se aninha

Minh’alma: − Quantas bocas esse bafo
Já beijou? Quantas vezes… prometeu-me
Ósculos de Amor e felicidades?

A pulga atrás da orelha – desabafo
Da consciência – tem razão. Hálito deu-me
De tarântula esse cuspe de grude!…

5-9-2010.

Estúrdio de Amor, Náufica nau

Edigles Guedes

Eu estúrdio estou, logo depois que a vi; atra
Dama camoniana, que me dilata
Amor sem cabeça com pé pilantra,
Que me faz pervagar noites leucantas!…

Eu estúrdio estou, tão estúrdio de mim eu ando,
Que o canto do colibri faneranto
Dói-me no acalanto d’alma… Seu pranto,
Meu pranto é: de quem perdeu o memorando

Dessa alma moça – abstêmia de sua aridez!…
Estúrdio, pois eu não me desvencilhei,
Das madeixas que são grilhões de minha

Alma; que me deixa na desenxabidez
De nau sem porto, sem farol. Eu encilhei
Minh’alma, sim, em náufica nau asinha!…

5-9-2010.

Gato Cacófato

Edigles Guedes

Folga-me tarde branda de seu aflato!…
A lés-nordeste de mim, eu me encontro
Tão insular quanto um gato cacófato
Na manhã de setembro. Então, dentro

De mim para comigo, eu sei que a tarde
Inflama no meu peito sadio, engodo
De horas preclaras ao lado da sede,
Que me torna tão humano degredado!…

Trancado na jaula do corpo, minha
Alma sente-se como um carboidrato
Sem pulo efervescente de suas bolhas!…

Sente-se como gato que se aninha
Num salto solerte (que eu não desato);
Sente-se qual flutuante pia sem rolha!…

2-9-2010.

Pingo Giganteu

Edigles Guedes

Pés mimeógrafos apalpam-me as chagas:
Pústulas − ginásios de Amor ferido.
Parcos sorrisos de anágua e babados
Esboroam em meus recurvos sentidos!…

Transborda em mim um sentimento: praga
De ametista e ameixa maldormida,
Noite de psitacídeo encabulado!…
Afogo-me de peixe sem guarida

Debaixo de tuas asas angelicais;
Escondo-me nos lençóis de teu rosto,
Como quem vai a seguro e lídimo cais!…

Estrôncio de mim, eu emendo-me co’o teu
Sorriso − sereia célere, sol-posto
Num pingo de paraíso tão giganteu!…

1-9-2010

Aquário de Vida

À mercê dos favônios, Bisviver jigajoga, Bajogar a conversa, Retisnar os neurônios… Lida que se renova. Quem me dera essa trela… Fá...