Pernas em Canto de Sereia

Edigles Guedes

Que cálculos esquizofrênicos em frenéticas
Pernas são esses? Pluviais pernas, que ablaquecem quebrantos
De meus polutos gritos; carnívoros ouvidos
De mulher fumegante em cama de lençóis lúbricos!…

Que lua ocídua reluz no céu atônito? Que venusta
Estrela resplende, no azul da noite, suas lágrimas
De cristais, que se eivaram pela madrugada? Cismas —
De insônias maldormidas — aquecem pernas astutas,

De tanto vagabundearem em casa patética!
Pernas pteridófitas ceifaram almos prantos,
Acalentaram-me o cansaço dermatológico

Do dia azedo que nem limão azedo. Que canto órfico
Maculou minhas pernas gralhas? Canto prazenteiro
De sereia: cantas comigo debaixo do chuveiro!...

24-3-2010.

Coração Despedaçado

Edigles Guedes

Coração despedaçado não te preocupe!
Eu hoje recolho os teus pedaços, cacos de mim,
Que estou aos pedacinhos — tão diminuto! Trupe
De malabaristas sequestraram o jasmim,

Que coloria a minha vida destrambelhada!…
Coração despedaçado salta! pulando
Pela minha boca, e diz àquela trigueira
O quanto te quero, minha flor de amendoeira!…

Eu tenho andado ensimesmado, atabalhoado;
Mas, jamais me esqueço da minha flor de jasmim...
Ela tem encantos mil, ela me faz feliz!…

Coração, vivo com a cabeça agrilhoada
Nesse lenço de cheiro, que ela deixou. O beliz
Lenço — ao sorvê-lo, sinto-me co’ este frenesim!…

27-3-2010.

Monólogo com um Palito de Dentes

Edigles Guedes

Palito de dentes, o que estás fazendo
Aí, dentro do paliteiro? Resignado
Estás com tua magreza? Mui bem, decerto
Algum bicho carpinteiro, guapo, aguado,

Pintou o sete contigo. Meu precolendo
Amigo, me não tenhas por um decreto
Desazado!… Eu sou tão carente de amigos
Verdadeiros, tal como pena ao escrutínio

Deitada. Palito, eu vou passear contigo.
Quem sabe assim esquecemos o infortúnio,
Que nos abateu tão de supetão. Amargo

Fado o nosso! O teu: de viver enjaulado…
O meu destino: ela prometeu-me largo
E deu-me estreito viver abandalhado!…

27-3-2010.

Augusto dos Anjos

Edigles Guedes

Foi enxuto, meu desditoso contentamento!
De um macérrimo esquálido ímpar. Violáceas
Olheiras deformavam o cavo retrato
Dos olhos de vizinho, ave sem fareláceas

Asas! Somente imaginação ele portava
Com asas de estro virente, bem comparável
À lua em seu passeio noturno. Perambulava
Com sua clavícula arqueada — de indefensável

Gado desmamado — pelos vãos de Pau d’Arco.
Seus sapatos puídos tagarelavam. Corpo
Quebrantava-se em sua omoplata; estrumes parcos

Alegravam seu viver. Que pena! a matéria
De verme, que eras tu, findou-se! Metacarpos
Tornaram-se lixo, em petição de miséria!…

28-3-2010.

Senhora com Blandícias

Edigles Guedes

Coração estouvado, estou triste pela noite —
Que cai no chuveiro de pingos roríferos
Da aurora — no campo de pensamento. Açoite
Do guizalhar dum grilo vergasta alífero

Ser: a minh’alma, presente divino! Oblíquo,
Olho para fora do tarro em que coabito
Co’a Natureza das horas. Um flexíloquo
Regougar de coruja espavoriu (súbito)

As corujinhas em seu grabato entanguidas.
O tempo flui lentamente pela ampulheta
Do relógio cuco na parede estúpida!

Minha melancolia vai riscar de felícia;
Pois, o dia já vem e a noite, à boa-fé, não aguenta
O fulgor de minha Senhora com blandícias!…

28-3-2010.

Pés Apopléticos

Edigles Guedes

Pés pancreáticos pisam em partidos
Pontos pândegos; pômulo pomposo
Paira no pascigo — pasto impávido
Com perigos perdidos. Prestimosos

Pés, pábulos, perambulam pacatos
Por primores de apriscos. Pés, pálidos,
Passeiam por puberdade de tal pato
Pateta. Céptico épico proibido!

Pés apopléticos perturbam parvos
Painéis de patrícias palmas! Paródia:
Pedro Primeiro, príncipe protervo!

Pés plácidos, pardos (panegíricos
Crépidos), pobres palermas! Paciência
Em papel de pânico pacífico!…

28-3-2010.

Rosto de Rodofícea

Edigles Guedes

Rosto rúbido: raro ramo rico
De rabdovírus; rubro romântico,
Que raiva em roda-viva rutilante,
No rocio reptante e resfolegante!

Rosto a rabavento no rodomoinho
Rochaz, robusto, ríspido, risonho;
Romance rústico de riólitos rios,
Que ringem seu ribaldo regalório!

Rosto de réptil roçando (revoa rua
De revindita) reverbério; recua
Sua régua — recobro recomendado.

Rosto de rodofícea recolhido,
Roaz; rima rija, ridente rinorreia.
Recrudesce o rosto em ruda ritmopeia!…

28-3-2010.

Face Flamifervente

Edigles Guedes

Face frívola, formas famélicas,
Fugidias figuras, florão fluídico!
Fulgura fanática, fantástica,
Em flor-seráfica. Fã fatídico?

Face facunda, efêmera; foguete
Fogoso, faceiro, foi fulminante
Por folhetim facínora; fachuda,
Folgazã: faceirice foliaguda!

Face em fôlego fru-fru, forte, foito,
Fogaréu foge-foge, fagócito
Formoso, farândola refulgente.

Face — fortim do fortuito; flâmula
Flamipontente com flamifervente;
No fula-fula, fugace fábula!

28-3-2010.

Remoinho de Fosso

Edigles Guedes

Embevecido estou por tua beleza
Estonteante, parece mulher-dama
Em dia de frios beijos e sol de pernas,
Entre almofadas de veludo e cama

De amores aturdidos. A lanterna
Acesa no armário da natureza
É assim a tua pulcritude. Septênfluo
Riacho do Mondego, que minha canção

Não soube divulgar o Amor lucífluo
(Faz-me trêmulo em meus ossos). Coerção
De sentidos ancípites — ambíguos

Em mim. Beleza — essa tua! — como posso
Esquecê-la ou negá-la? Conspícuo
Rosto que me atrai em remoinho de fosso…

28-3-2010.

Desdita de Amor

Edigles Guedes

Brandas ribeiras, quanto estou contente...
Cláudio Manuel da Costa

Lamuriosas ribeiras, por quem choras?
Que lágrimas em rio rugido tornas?
Tuas lágrimas formosas, aos cântaros,
Fluem de tua face de tez alva; cantos,

D'água mole em pedra dura, retinem
Nos meus ouvidos cheios de cera, que nem
Ecoam as estalactites nos ecos
Da gruta calcária, minada em ticos

De pedra bruta. Ó pastor de humanos
Tratos! Onde se escondeu tua lágrima
Por doce Nise? Coração serrano,

Se não fie em lágrima absorta, árida;
Pois mor prova de Amor há: essa desdita,
Que sofremos longe de Nise linda!...

26-3-2010.

No Horizonte da Minh'Alma

Edigles Guedes

Alma desdita, quanto Amor folgaste
No íntimo ser de minha amada Nise?
Em teu seio (melão maduro), em bela haste
Eriçado, descanso da labuta

Do dia enfadonho. Na tênue próclise
De tua boca, eu calo-me em beijo — luta
Ferrenha dos teus lábios meus grudados.
Acenos de mãos sutis lançam dardos

Inflamados do mais estreme nardo!
Teus gestos, de gazela gris, eivados
Desse sentimento torto: saudade

Da minha Dama que naufragou pontes
E rios, no meu coração. No horizonte
Da minh'alma está a formosa beldade!...

26-3-2010.

O Silêncio de Deus

Edigles Guedes

Silêncio, de repente, tudo se fez silêncio.
Não foi a noite, com seu vagar de trem dos pêsames,
Que chegou sorrateira, tal como uma pantera
Trigueira, de mansinho se fez silêncio — enxames

De dores a supliciar a carne! Frontispício
De madeiro mudo, em que Cristo pregado na cruz
Rompeu seu vagido de Príncipe e Rei. Crateras
Fenderam-se na terra em grão terremoto de avestruz.

Homens caíram, abalados co'o sobrenatural
Silêncio de Deus. Tudo gemeu em dores de parto!...
Sem destino esperto, como carta confidencial.

Mas, empós três dias, o silêncio de Deus estrondou!
Cristo ressurgiu suas vestes brancas, braços hartos,
Triunfante. O Rei dos reis da sepultura obscura urrou!...

26-3-2010.

O Embuste dos Olhos

Edigles Guedes

Existe cousa mais embusteira que os olhos?
Se estás num deserto, com sede ardente, basta
Olhar o poente, e lá recolherás abrolhos
Em lugar de água límpida, que sacia a casta

Sede, a qual afoga os teus sentidos trêmulos!...
Dizem ilusão que é de óptica: que más peças
Pregam em olhos de viandante imprevidente!
Enganadores são os teus ósculos estrídulos,

Cheios de peçonha de víbora. Que caleça
Leva e contamina o sangue insípido? Dentes
Raivam seus rangidos de lodo e cárie bruta.

Assim, como podem os olhos se deixarem
Engodar por Senhora tão sagaz, astuta?
Cada um vê mal ou bem, conforme os olhos que tem!...


25-3-2010

O Segredo Belo Adormecido

Edigles Guedes

Quem te disse ao ouvido esse segredo...
Fernando Pessoa

Quem te contou da rosa, que adormece
Todo fim de ano, e não ouve seus tímpanos
O estrugir bum! de fogos de artifícios?
Belo adormecido em braços lívidos!...

O colchão de tua pelúcia de pele
Preenche o vácuo ser, recende a sândalo.
Sonda-me! sou um fogoso precipício
Em pele de sabor tenuilívido!...

Ah! Quantos ardem desfalecimentos
Em tua pele (tão minha ela é quanto tua)
Branda? Em sua alma de pantera seminua

Há esse dilúvio de pele. Lamentos
E uivos de prazer desmedido, poucos
Beijos, carícias... Sandices de louco!...

25-3-2010.

De Sofrer Petas

Edigles Guedes

Que sina é essa a minha de sofrer petas
Por mulheres que eu singularmente amo?
Quiçá me apraz sentir, tal qual palhaço
De cambalhotas isósceles, tretas

Em piadas esgrimadas por ferina
Língua de desabusado ser; quiçá
Me deleite ser o bobo da corte
De algum castelo medieval, cujo rei

Benevolente estendesse sua espada
Em prólogo de sorriso velosporte;
Quiçá, inda que tarde, certo aprenderei

A escolher sem dedos a minha amada,
Pra navegarmos lençóis descampados.
Céu escamado, ao terceiro dia molhado!...

25-3-2010.

Rinoceronte Procarionte, Vulpina Dama

Edigles Guedes

Há em mim um rinoceronte branco, alvo como
A noute escura fora de mim; tão longínquo
Quanto o ponto cardeal de mim para comigo.
Anda por quarteirões inconcebíveis esse

Rinoceronte procarionte, e sumamente
Degolado pelo desespero da perla
Em concha magnética; tal como bom tolo
Vivente, eu sigo sendo um pó de areia com felpas

Da manhã insurgente. Fulgura acolá, dentro
Do invólucro que é meu corpo, o conteúdo fosco
Da minh'alma transparente, fictícia. Assento

Minhas mágoas de envelope dormido em carta
De Amor não correspondido. Destinatário
De meus pruridos é você: vulpina Dama!...

25-3-2010.

Cabelos Fulvos, Beneméritos Olhos

Edigles Guedes

Perdi-me na selva de teus cabelos fulvos;
A fera em fúria renhida, aos meus olhos murchos,
Magoa com sua pata de leoa cancerígena!
Como uma zebra, que esperneia por sua tão tenra

Vida. Um bocadinho de fôlego por entre
Garras de animal belicoso, diligente.
Tal qual João e Maria, indago pelo caminho
De volta à casa paterna. Argêntea Lua gora

Na abóboda celeste, que nem pergaminho
Em mãos de escriba medieval. Cálido Agora,
Na minh’alma encapelada por desalento

Infindo, lamenta em mim os beneméritos
Olhos da Dama que amei! Descontentamentos
Restaram-me em meu coração de olhos contritos!…

22-3-2010.

O Amor Aceso na Lareira

Edigles Guedes

O Amor é que nem fogo aceso na lareira,
Cuja lenha vai queimando, cor de oxigênio,
O ar melífluo, que sorvemos devagarmente;
É que nem servo ignavo, agrilhoado em madeixas

De sua Dama. O Amor é quem recebe prêmio
De loiros n'alma, como atleta reluzente
Depois de cortar tesoura a linha em chegada
Triunfal; tal qual ônibus espacial dolente

Em viagem sideral pelo espaço apático!
O Amor, quem não o vê é porque não quer! Salamandra
Que, pé ante pé, desengonçada, perseguindo

Um pobre inseto, em desespero de premente
Morte: assim é o Amor; pois, outra não palavra
Há para expressar sentimento dessa lavra!...

23-3-2010.

Próvida Formiga

Edigles Guedes

Próvida formiga, leva consigo
Imbele torrão de açúcar benigno;
Faz trilha na toalha branca de mesa
Da cozinha; assim que desboca pressa

Do açucareiro manso, modesto e lhano,
Tão português quanto eu sou brasileiro!
Vai, formiga lépida, por floresta
De agruras do dia, que o astro rei, ufano,

Deflagra seus raios e garras. Faceiro
Animal celeste, alquebrado em festa
De rosas e girassóis espartanos.

Abre vereda, formiga! No afano
De pernas pra que talante… Gratuita,
Segue expedita sua sina fortuita!…

23-2-2010.

Encardido Coração

Edigles Guedes

Encardido coração, onde plantaste a rosa
De Amor ensurdecido? Ah! foi no Mar? enjoo
De mulher grávida, ou de primeira viagem
Marinheiro. Ah! foi na Terra? que penosa

Chora de lágrima sôfrega, quando voo
De falcão em rapina, corpo de engrenagem!
Ah! foi no Ar? onde se concebe por moeda
A atmosfera em música de nitrogênio!...

Encardido coração, por que em mim pelejas?
Pugnas afanosamente, com telescópio
De mãos, contra a minh'alma de sofreguidão!...

Que admirável é esta minha tribulação?
Jamais sonhei que Amor gasto, peregrino,
Brotasse assim: que nem furacão benigno!...

24-3-2010.

Paradisíacas Pernas

Edigles Guedes

Pacatas pernas em panaceia prostrada
Ao pé do pacóvio polvo em palácio;
Páramos pródigos em prol prascigosa
De princesa; pensamentos pancrácios!…

Paremíacas pernas: pane no pando
Peito em panegírico de pécora;
De pecilotermo pulcra peçonha;
Pata pedante de um pio paladino!…

Pandemoníacas pernas encrespadas:
Encapelada pecúnia pechosa;
Pedra-ímã em pêndulo procrastinado!…

Paradisíacas pernas: plúmbeas pombas;
Prófugas páginas profiláticas;
Pélvis profícua em proeza profética!…

Mar de Delíquio

Edigles Guedes

O mar — de marinheiro atroz tugúrio
Luso, refulgente logomaníaco! —
Deságua em si mesmo seus espúrios
Versos de vagas: bastante elegíaco!…

O mar: estropiado marujo a calhar,
Sabe o quanto de a fitoplâncton flutuar
Existe na água flamívola do mar;
Sabe com quantos pingos se faz o amar!…

Não são pingos de “ii”, nem pingos de chuvas;
Mas sim pingos de dessossegos árduos,
Pingos como vexilário altíloquo!…

O mar (sábio pescador de delíquio)
Conhece o quanto lhe apetecem uvas
De seios púberes em boca de elóquio!…

24-3-2010.

Amor Quisto

Edigles Guedes

Cada terra com seu uso, cada roca com seu fuso.
Como corda e caneca, nós dois seguimos caminho
Por igual, juntos, de mãos dadas. Passeamos por bosque
Com árvores frondosas e serpenteantes arbustos!

De repente, topamos com um prisco salgueiro, que
Na sua sabedoria de eras remotas, do seu ninho,
Disse-me: — Poeta, quem é esta que levas de mãos dadas?
— Eis que é a minha sina, senil amigo, de longas datas…

— Se é tua sorte, então, por que choras por entre árvores?
— Choro, porque a minha sina é sofrer de Amor partido!…
— Poeta, que triste fado de Amor não correspondido

É o teu! Amar como quem ama o Amor que se devota;
E, portanto, ao se dedicar o Amor — ele devora
O ser amante das cousas de Amor quisto, por dote!…

Sopro Arcaico

Edigles Guedes

Um fôlego de água no meu existir
É o teu sorriso pulcro para mim!…
Sou tão carente de sentir, assim,
As tuas mãos com cinco sentidos a ir

De mim, a refulgir no meu corpo
De pipa empinada nas boas tardes
De março. Teu corpo lunar, carpo
De verriondez, o meu pasmo carpe!

Quantos dentes de paleontóloga
Tu usaste no sorrir para mim?
Ah! foram dentes do jurássico!…

Ó dentes de pernas pedagogas,
Ensina-me a velejar no jardim
Das oliveiras, num sopro arcaico!…

20-3-2010.

Olhos Liquefeitos

Edigles Guedes

Constrange-me teus olhos maduros
Fitos em minha língua caduca.
É noute de flavo desespero
No meu ser moído, dor que trabuca!…

Torno-me nitente em teus róxidos
Olhos flamejantes, que me chamam
Para o conluio no teu colo avindo.
Olhos teus umbrosos, que mendigam

A quididade do ser dos olhos
Meus. O que há no âmago (esse seio esconso)
Dos teus olhos? Pérolas — que as colho

No mar de asas frondosas e íncola
Do meu peito brando — são destroços
Dos teus olhos liquefeitos, donzela!…

20-3-2010.

No Sofá

Edigles Guedes

Engrunhido no sofá da sala de estar,
Deixo-me sopitar pelo bom cansaço
Do dia; quando, surpreso, um lindo rouxinol
Põe-se na janela da varanda a cantar!…

De súbito, seu chilreio coloca laço
De chita no meu pensamento de urinol,
Velado debaixo da cama. Sórdidos
Sentimentos de asco nublam a minh’alma!…

Revolvo-me no sofá, turbado, ávidos
Olhos de Lídia, débeis, condoem-me. Calma,
Digo de mim comigo, são pesadelos

Apenas, você cochilou, volte a dormir!…
Lídia foi-s’embora, este rouxinol belo
Restou-me por prêmio. Já ouço su’alma carpir!…

20-3-2010.

Edigles Guedes

Estou só e azul é a noite noctâmbula;
Há um pio perdido de coruja comigo,
Guardado a sete chaves, como bula
De remédio de tarja preto. Pródigo

Pio, semeado no solo de mim. Sequioso
Pelo amanhecer, oiço co’os meus ouvidos:
— Tarrenego, tesconjuro! Rio bramoso,
Que corta a noite em faca sem gume, vindo

Das entranhas do meu ser em forma de pio,
A corvejar em meus pensamentos fúteis!…
Hora sem razão para certo cardápio

De filosofia indigesta; pois, a noite
Existe, e brumas indúcteis, inconsúteis,
Perpassam o pio do meu ser tão somente!…

20-3-2010.

Ingratos Olhos

Edigles Guedes

Ó quão ingratos são os teus de sorvete olhos!
Que me deixam como estou: largado de Amor,
Claudicando por entre as esquinas dos meus
Pensamentos desconexos. Se ferrolhos

Prendessem, algemassem punhos de calor
Por teu langue Amor... certamente que do céu
Não desceria em mim este fulgor claro,
De coração apaixonado. Eis que declaro:

— Meu Amor, por mercê, deixa a dos olhos teus luz
Entrar pelas portas dos olhos meus, em rios
Caudalosos, retumbantes, gastos a flux.

Luz: luminar meu coração, dolorido,
Por te amar, querer, sim. Estou com incêndio
Em minh'alma; estou com ímpeto contido!...

21-3-2010

As Nuvens e a Chuva

Edigles Guedes

As nuvens passam, mas a chuva fica.
Neste mundo de mudança constante,
Eis que vemos muitas nuvens, embora
De algodão macio ou de ferro atro, bruto.

Nuvens de hórrida e fera tempestade;
Nuvens de bonança por tempo afora;
Nuvens que sorriem da minha desdita;
Nuvens que abraçam o fortúnio fruto.

De raro em raro, é que cai magna chuva...
A chuva cai, como cai da caneta
A tinta no papel calvo, seu alarde

Não faz, inda que se esvaindo por turva
Noite; silente, tal saci perneta,
A chuva chia lágrimas sem disfarces!...

21-3-2010.

As Linhas com que se Cose

Edigles Guedes

Cada um sabe as linhas com que se cose.
Penélope, por exemplo, com seu tear,
Fuso e roca, teceu co'ardil tecido
De Amor legítimo por seu marido,

O destro Odisseu, de Tróia do cavalo!
Adão foi dormir e Deus lhe concedeu
Mulher sonsa, por nome Eva, que torce
A palavra bendita, mero serpear

De sintaxe. Por Deus quase esquecidos,
Por causa da vil serpente do engodo,
Adão e Eva geram Caim e Abel, filhos

Amados. Mas Caim, por inveja de Abel,
Chega a matá-lo. Nesta de fel vida
Come-se muito, p'ra vomitar o mel!...

21-3-2010.

Medíocres

Edigles Guedes

É-me custoso ouvir de teus lábios
Certas palavras medíocres, ditas
Por ímpeto de pena! Ressábio
Que amarga acerba e cruenta lida!…

Palavras, querida, são figuras
Aladas, como flechas da aljava
Ao saírem, por hígido arco lançadas!…
Elas ferem de peste e candura

O peito néscio do ser amante.
Deveras, após voarem da boca
Dão-nos as costas por paga. Antes

Houvesses calado o bico do que
Ao abrir, dizer asneira. Tolas
Palavras, vulgívaga de araque!

20-3-2010.

Que Mercê Carece o Vosso Coração?

Edigles Guedes

Que mercê carece o vosso coração, minha Dama?
Se for para escalar os céus, como afoito alpinista;
Eu (o mais ominoso dos homens) assim o galgarei,
Por mais altura que houver entre céu e terra. O tetragrama

Das estrelas cadentes tomarei por emprestado,
Como prova inconteste do meu Amor de pugilista
Por ti, pois te amar provoca-me descoroçoamento
De sentidos deslustrosos. Que mercê, Dama, acharei

Que tal suceda em vosso coração, frenesi e dano?
Se for descer ao mais profundo mar fatídico e vil,
A tal ponto perder-me entre rochedos escabrosos

E em peleja com monstros ciclópicos e tormentos…
Assim o farei, lograr-me-ei vencedor, perto de ti!
Mas só não me deixe longe, coração maquinista!…

20-3-2010.

Braços Pulvéreos

Edigles Guedes

Braços desnudos, tais fiambres cômicos,
Deslizam que nem corda de enforcado
Por meu pescoço; braços afônicos,
Que sufocam as lágrimas; legado

Do milagre do tartamudear mudo
De coração prisioneiro; grão lago
Em que cisnes navegam rudes muros
De mágoa silente; braços amargos

Que aquece impávido beijo varonil
Até arrefecê-lo em lençóis etéreos!…
Braços daninhos, que me embaçam; anil

De tarde ancha de si, tal porco-espinho
Bravo, ao ser acuado; braços pulvéreos,
Purpúreos, constrinjam-me em vosso ninho!…

19-3-2010.

Jogo de Amor

Edigles Guedes

A ganhar se perde, a perder se ganha:
É assim o jogo de Amor, mal guardado
No coração doméstico, que assanha
Em flagrante delito de Amor doado!...

Ofélia e pinto, da Legião Estrangeira.
O pinto falece por obsequiado
Amor. Ofélia, coitada, se esgueira
E sai na pontinha dos pés cândidos

Do apartamento de Clarice — besta,
Como um tamanduá-bandeira. Fúlgidas
Farpas de Amor magoa Ofélia co' aresta

De quadrado lerdo. Ah! Ofélia, você
Não sabia que Amor é agulha querida:
Que quanto mais fere, mais entontece!...

19-3-2010.

Amor Canarinho

Edigles Guedes

Canarinho sem alpiste não canta.
Meu coração sem Amor mui bendito
É passarinho que não gorjeia, falta
Por fome e sede de Amor, qual me fito.

Fito meus olhos lúgubres no alpiste
Derramado na gaiola. Canarinho
Preso, abespinhado, não come! Triste
De suas penas, à vista do meu ninho

De pensamentos: ave golpeia-se contra
As grades de seu cárcere. Na cadeia
Do meu Amor por ti, donzela, aqueloutra

Grade de pensamentos ata-me ao fútil
Beijo teu. Vai, pastora linda, incendeia
Esse Amor que é chama perene, inútil!...

19-3-2010.

Segredo

Edigles Guedes

Um beijo é um segredo que se diz na boca e não no ouvido.
Jean Rostand

Que segredo é esse que se diz na boca?
Que provoca eflúvios latinos na língua.
Doce dilúvio de águas que andam à míngua
Por entre a minha e a tua boca socrática.

Que arrebata à socranca fúteis suspiros.
Falta de ar, que faz coração, endoidecido,
Disparar a galope: centauro tido
Por Quíron em seu brincar com a Cariclo,

Ninfa bela, a fluir por manso rio e floresta!
Que segredo frugal não se diz no ouvido?
Que evoca delírios de Cassandra em fresta

D'alma ponderável. Meus olhos grávidos,
Cravados em teus olhos civilizados,
Desatam os laços do beijo: segredo!...

18-3-2010.

Urubu - Uburu

Edigles Guedes

Ah! Um urubu pousou na minha sorte!
Augusto dos Anjos

Ah! Um urubu albergou-se no meu fado!…
De tal sorte que o verme vil, que me rói
O corpo fétido, sorri do amargo
Ser aruá que sou! Um arroio, presto, se foi

Tão ab-rupto quanto aqui chegou. Fadado
Arroio: que era a minha sorte! Intrépido,
Permeou montanhas e vales olvidos.
Ah! Um urubu pernoitou no meu fado!…

Fazia escuro de noute negra, quando
Urubu pousou no galho da minha
Existência sutil, tal como gato

Entretido com novelo. Caminha,
Abstruso, urubu de grão desagrado!
Ah! Um urubu hospedou-se no meu fado!…

18-3-2010.

Moço Beijo, Beijo Estrelado

Edigles Guedes

O beijo é uma estrofe que duas bocas rimam.
Coelho Neto

Que estrofe é essa que rimam duas bocas?
Que música de ave aguada por gotas
De chuva é essa? Gosto de pasmado
Estilo literário, de maníaco

Por léxicos clássicos. Gosto escasso!
Dois patinhos na lagoa… como remam
Os gondoleiros em Veneza. Passo
A passo, dois lábios se desencontram

Da face, para colarem tatuagem:
Cada qual por si no outro. Do pescoço
À ponta do pé: calafrio, miragem,

Arrepio. Beijo estrelado no frigir
Da frigideira; estatelado. Moço
Beijo que se vai tão cedo, sem reagir!…

18-3-2010.

Medo Bruto

Edigles Guedes

A Mulher, a mais sagaz das criaturas,
Foi ver do fruto apetecível. Lado
A lado, deixou-se engodar por serpe
Fementida, que lhe convém branduras.

Eva, entorpecida, of’rece proibido
Fruto a Adão. O pobre, sonso, desentope
A boca para pecar co’ árvore
Desejável. Comem ambos do fruto

Agradável aos olhos, mas fajuto
À alma humana. Na viração, passeava
O Onipotente. Adão ouve a voz, corre

Da presença de Deus. Eva salteava
Por entre as árvores do jardim. Medo
Bruto brotou: fruto do atro pecado!…

16-3-2010.

Afeição e Ausência

Edigles Guedes

Outrora, eu cantava teus beijos de bem-te-vi; íntimos
Versos, que cindiam o meu coração em gomos partidos
De laranja da manhã. Hoje, procuro, e não acho os tomos
Do livro de insônia, em que padeço de Amor. Lúcido,

Caminho por uma rua ínvia, como ínvio são os meus tratos
Para co' olhos teus, tão distantes, em terras longínquas...
Por que partiste, amada minha? Se tão encarecido
Eu mendiguei que fincasse tuas garras mais propínquas

Do meu peito refece. Fere-me afeição ingrata, ata
Na minha fronte o teu ácido sorriso, retrato
Lato em minhas mãos tangíveis. O entardecer dilata

Essa lágrima, em que tarda a ausência dessa trova
De Amor terno: urdidura de Penélope em tecido.
A verdadeira afeição, na longa ausência se prova!...

17-3-2010.

Chaga de Amor

Edigles Guedes

Quem fez essa chaga de Amor no peito
Meu? Que mão torta desenhou tal chaga?
Foi a tua mão que apunhalou de jeito,
Meu Amor, o coração ingrato! Praga

De Amor pega, e infecciona os rins d’alma.
Se não fosse assim, por qual motivo
Você chora? Sim, chorar limpa a lama
Tábida do coração taxativo.

Nesta noite de março, mosca reles
Pousou na sopa, estragando-a. Ventania
De sopro tépido tange que tangia

A mosca intrépida. Tanta dor dura,
Mais forte dói: mosca em chaga vã e imbele!
A chaga do Amor, quem a faz a sara!…

16-3-2010.

Que Dores

Edigles Guedes

Que dores são essas, que me sinto?
Dores que doem a minh’alma, salvo
Aquele lídimo sentimento!…
Dentro do pensamento alusivo

Ao meu ser, existe a querela:
Do ser outro de mim (eis que minto)
Ao ser que me perco, de mi’ amigo.
Que dores são essas, que me sinto?

São dores de amores, que navegam
A minh’alma — naufraga comigo
Da nau de mim. Vagas, puídas, vergam

Inóspitas procelas. As velas
Páticas enxergam a bonança
Serôdia, no alvorecer da esp’rança!…

15-3-2010.

Perto do meu Jardim de Delícias

Edigles Guedes

Que dano há em meus olhos a de ver?
O mesmo dano que há em a não ter
Perto do meu jardim de delícias.
As tuas víscidas mãos em carícias.

Os teus beijos tépidos, úvidos,
Vívidos, ao pé do meu ouvido…
Causam-me dano por tê-la a palmo
De minhas mãos. Tocá-la por viola

Plangente nos meus braços. Eu, calmo,
Sigo tateando sua tez. Cautela,
Tal qual Pablo Picasso em pintura

Cubista de suas mulheres. Dano
Não há na tela em que o vil dorso dela
Repousa. Amor, que Amor meridiano!…

15-3-2010.

Alma Treda

Edigles Guedes

Por enquanto, Senhora, quis Amor que me amasse;
De tal maneira que Amor vicejasse na terra
Do meu peito; semeado por boca prisca, que erra,
Roçando os meus pelos eriçados. Tal como se

A água do Mar bebesse, e por mais que salgado
Fosse, mor era a sede de bebê-la por doce
Água; tal como se findasse o dia, antes márcido,
Num céu toldado, e gota de chuva perfurasse

O horizonte infinito e curvo de sua máquina
Do mundo. Ah! gota de chuva, que leva consigo
Essa tórpida máquina do mundo! Lancinas

Em mim essa dor voraz, por quem a treição muda
Meu semblante olvido. Amigo, coração trêfego,
Se não deixes velhaquear por alma leda e treda!…

15-3-2010.

Mosca

Edigles Guedes

Uma mosca de asas frígidas,
De pernas bastantes róxidas,
De bom paralelepípedo
Reto na pachorrra. Róxidos

Olhos: bárbaros e compostos;
Que se felicitam nos postos,
Na vanguarda do rosto imberbe.
As patas geram hecatombes

Por bactérias nocivas. Danos
Obnóxios aos de trato humano.
Fosco corpo paquidérmico.

Pneumotórax de voz. Nanico
Inseto, vento de volição,
Volve matéria de afobação!…

15-3-2010.

Nau Tosca, Ventos Ilesos

Edigles Guedes

Desvencilhei velas pandas,
Adornei leme ríspido.
Enfunou vento tórrido
Os fiapos de velas findas...

A embarcação mui flutuava
Pelo mar de desgrenhados
Cabelos. Ventos salgados,
Nefandos, que a nau empurrava.

Esta nau Fado é. Férvidos
Ventos são teias, quando Parcas
Indômitas tecem Fado.

Que Fardo é esse? Que peso
Nos ombros! Nas mãos: Noé de arca?…
Nau tosca, ventos ilesos!…

14-3-2010.

Beijo de Fada

Edigles Guedes

Um beijo legítimo nunca vale tanto como um beijo furtado.
Guy de Maupassant

Apraz-me sentir em meus lábios
Os lábios teus, assaz jungidos.
Eis que por sentir este sábio
Labro ao meu — logo, galardoados

Por pruridos indescritíveis —
Eu, casto, almejei a tua tórrida
Pele calada em susceptíveis
Beijos furtados. Em venida

Por mim, cá, a tua boca rendeu-se:
Vencida por um curto ósculo.
Meus olhos nos olhos teus, doces

Flamingos pairavam na escada
Do colégio. E fiquei trêmulo,
Por aquele beijo de fada!...

13-2-2010.

Enquanto Escovavas os Dentes

Edigles Guedes

Tu escovavas os dentes por entre espumas
Dalgum dentifrício. E, enquanto escovavas,
Deixavas transparecer no vidro d'alma
O teu sorriso. Ah! manhã que se louvava...

Teus olhos garços, no espelho translúcido,
Rumorejavam o alisar da água verde
Na pele da pia matutina. Roupido
Em meu roupão azul-marinho, a septicorde

Mãos minhas naufragavam em tua cernelha.
Esgarcei uma carícia na minha ovelha
Benquista. Tu me olhavas languidamente.

A água (como riacho cândido, que inerte,
Mira no horizonte da cachoeira) troou:
— Beijas esses dentes alvos, senão eu me acamboo!...

13-2-2010.

O Amor é Cínico Cego

Edigles Guedes

Leixei-me quedar num abismo escuríssimo,
Como Excalibur — certa espada armipotente
Do valoroso rei Artur — foi jogada (no istmo
De sua morte ao seu mito) num lago; e os candentes

Braços duma Senhora acolhera-a em seu regaço.
Agora, neste claustro, cumpro pena em lugar
Do réu — meu coração! —, que clama pelo laço
De perdão da Dama amada. Vida: a subjugar

Meus desdouros flamantes de Amor, consumidos
Pelas mágoas dos olhos teus. Vivo, portanto,
A pelejar contra sentimento dorido,

Que me abisma sua incisão na descabida
Alma. Amor é cínico cego que vê o visto,
Mas cala-se a boca cérida e comovida!…

13-2-2010.

Pétalas de Amor

Edigles Guedes

Isaque, uma vez pretérito de dias,
Cego caminhava no seu atro leito;
Quando mandou seu filho Esaú de peito
Túrgido, co' aljavas e arcos ir, por via

De floresta ou campo, atrás duma caça
Para guisado sápido. Foi-se Esaú,
Tigrado; veio Jacó, de tratadas baú,
E por caça, lentilhas de sopa assa.

Jacó de conluio com Rebeca of'rece
O manjar a Isaque, que já perece.
Jacó: regou logro, colheu pérola.

Assim, Senhora, finges Amor me dar;
Quando, em verdade, sofro eu co' este penar
De Amor não colher sequer as pétalas!...

13-2-2010.

Atei-me a mim

Edigles Guedes

Foi só um momento, e vi-me. Depois já não sei sequer dizer o que fui.
Fernando Pessoa

Atei-me a mim só por um breve momento,
Como quem amarra aos laços os sapatos.
Não sei que Amor se compraz ou dor imberbe
Em me enlear aos braços bastantes, alforbes

De amores. Então, por Amor cerzir meu imo
Aos pedaços; teci sobremanhãs, teso,
Nas espáduas, no colo de Amor vindimo!...
Enfastiado dia! Meu coração contuso

Quer o ósculo da donzela, que graciosa
Baila no campo em flor. Um beijo cúpido
Na cútis da serrana bela, amaviosa.

Eu, zagal râncido, por campos róridos,
Turbo-me ao ver Amor plangendo, castiço,
Seu aljôfar, em campinas, graúdas, de enliços!...

12.3.2010.

Quem Olha

Edigles Guedes

Quem olha para fora, sonha. Quem olha para dentro, desperta.
Carl Gustav Jung

Quem olha para fora, voa e sonha;
Porque sonhar é sem fim, ventura;
É a pujança que brota em candura
Dos olhos que soam. Címbalo em fronhas

A quem se ama: os pombinhos ciumandos.
Voam, assim, os sonhos caprichosos,
Dos arrebóis. Sonhos co' asas certas.
Quem olha para dentro, desperta.

Tateio as paredes de dentro em mim
E encontro o grifo, cá, acorrentado,
Como Prometeu inglório, sonhoso,

Angustiado por águia em jardim
De aflições. Logo, o despertar partiu
Sua procura em mim; quem lhe repartiu?...

12.3.2010.

Alma Decorativa

Edigles Guedes

Deus fez da minha alma uma coisa decorativa.
Fernando Pessoa

Deus fez um jardim da minh'alma
De crisântemo, flor singela
Que emudece o colibri, calma
Bonançosa, mui magricela...

Se minh'alma é decorativa?
Eu creio que todas são: ou de vasos
Em cacos, ou de ânforas vivas...
Destarte, chovendo olhos rasos

No jardim de minh'alma, lassa,
De labutar contra a tormenta
Do Mar rubicundo. O Mar assa

Suas asas na areia da praia sonsa.
A alma frustrada assaz se lamenta
Tinge-se de sereias, loas mansas...

12.3.2010.

Água Corrente; Amor

Edigles Guedes

Uma cousa que tanto anda
E nunca chega aonde quere…
Dizem as línguas benditas:
É a água corrente, líquida.

Já eu digo que é peraltice
De Amor; que, com lança, fere
A alma lúrida, interdita…
Ilíquido Amor, que pasce

O Mar de cama, lúbrico;
O Mar em casal lírico
Co’a Rocha: coral de palor!…

No frigir dos ovos, o olor
De Amor rescende por toda
Parte. Que vápida vida!…

11-3-2010.

Estorvo

Edigles Guedes

Serve-me de estorvo esse coração contrito,
Cujo hábito antigo me enleio, como se prende
A tenra mosca na teia tênue, tal ataúde
Que miúde faz vezes de claustro inane. Fito,

Co'os olhos desenganados e hirtos, o fim
Da transitoriedade humana: laivos de Amor —
Padecer no crepúsculo do dia de marfim...
Dessarte, consente Amor acanho em dor, dor mor...

No seio de quem apetece, fugaz, distender
O céu de nuvens alvas. Minh'alma túrbida
De Amor, persegue: flecha nauseabunda, o entender

De tão graúde de dor por tão mísero e indigesto
Amor. Meus sapatos alígeros vão. Vida,
Precípite, aos abraços do dia profesto!...

11-3-2010.

Tardio, Chegas ao meu Pouso

Edigles Guedes

Tardio, caro Amor, chegas ao meu pouso...
Em paragens longínquas e tacanhas,
Tu perambulaste. Demais façanhas
Fizeste em périplo de Argonauta. Ouso

Dizer-te que mares extraordinários
Desbravaste, com tuas velas infandas...
O timoneiro do Amor (que sou) por rios
Infinitos naveguei. Nau enfunada

Dirigi por vagas que truculentas
Pelejaram em engolir-me. Bastos
Vendavais arrancaram-me o velame.

Tempestade, que ruda e suculenta,
Tragou-me o desassossego. Recato
Atroce achei nas palavras implumes...

11-3-2010.

A Fernando Pessoa

Edigles Guedes

Sagrou-te o Mar português infante
Das lágrimas salgadas. Um grifo,
Que por símbolo luso e sonante
Da língua tornaste. Teus áglifos

Versos inoculaste-os por papel
Almaço, na datilografia indez
De quem muitos dicionários comeu.
A tua pena etimológica, vez

A vez, sobrevive ao cotidiano
De tuas ânsias, e mágoas, e quadras.
Fazias à sestra mão Cancioneiro

Teu: inigualável arte! Anódino,
Com teu sobretudo em mil esquadras
Portuguesas, andas altaneiro…

10-3-2010.

Alma vil

Edigles Guedes

Senhor, a noite veio e a alma é vil.
Fernando Pessoa

Senhor, perdoe-me pela noite metafísica
Que há em mim! Eu sei que pequei! Fraco, esmorecido
Estou, porque calei o meu pecar à magnífica
Lei Tua. Perdoa-me, estou demasiado arrependido.

Embalde, como o filho pródigo, busquei alento
Em outros pastos. Ovelha perdida, prostrada
Longe de ti em algum abismo. Coração, lento
Pulsava em sirtes. Oh, que tão longínqua estrada

O Senhor encontrou-me desvalido!…E trapo
Humano! Mas, o Senhor estendeu a mão para mim,
Como o bom Pastor à ovelha combalida. Guapo

Coração esfarinhou-se ante a Tua benignidade.
Alma vil, não chores!… A Esp’rança despontou assim:
O Senhor salvou-me do abismo da iniquidade!…

10-3-2010.

Uma Cãibra

Edigles Guedes

O homem e a hora são um só.
Fernando Pessoa

Há uma cãibra que me afoga os pensamentos.
Não é cãibra qualquer; mas, cãibra de ser homem
E pisar de mansinho meus sentimentos
Tão descontentes de Amor. Assoma, que vem,

Uma nuvem a cavalgar o horizonte.
O Amor está tão longe quanto os sapatos
Absortos estão da terra fumegante.
Deveras, o Amor está-me assaz contorto.

A hora inunda a minha vida impérvia e breve.
Uma a uma, as pétalas da manhã acaecem.
Os ventos madrastos e ágeis emudecem

O frio da cãibra que me atola os tormentos
Na lama das horas bastas. Que almocreve
Levou o homem e a hora a tinir combustos?

10-3-2010.

Levei Minha nau

Edigles Guedes

Levei minha Nau ao recato de uma baía;
O que esses meus olhos, que há de comer
A terra, viram? Enxergaram a gaia
Sapiência de um isóptero a carcomer

A madeira de angústia e furta-cor
Do dia. A minha Nau há de velejar,
Salvaguardada por rocha de roncor
Do Mar. Essa rocha frágil a arrojar

O torpor da imensidão marítima.
Mar, ó Mar!… Quem levou minha Nau ao alto
Das vagas rábidas. Foi a tormenta má?…

Debalde, o mar me não respinga, esvelto
Em seu olhar rúbido, que descabido
Repreende-me. Eis que a Nau singra o bramido!…

9-3-2010

O Amor não Passa de Uma Pobre Cousa

Edigles Guedes

...[um grande amor] não passa duma pobre coisa banal
e incompleta, imperfeita e absurda, que nos deixa
iguais, miseravelmente iguais ao que éramos dantes,
ao que continuaremos a ser.
Florbela Espanca

O Amor não passa de uma pobre cousa banal e incompleta?
De tão sofrido e doloroso sofrer por Amor, cálido
Estou na aparência do dia. A lua, alvadia, atroz e braquígnata,
Uiva seu cântico de queijo coalho. Encontro-me ávido

De sentimentos sublimes de Amor. Espada de dois gumes
É o Amor; ele contigo porfia, vocifera, desgasta.
Desgasta o transitório da garrafa náufraga: que lume!…
O Amor não é de uma pobre cousa absurda e imperfeita?

Não sei se o Amor é imperfeito... Só sei que tem seus defeitos.
E quem não os têm? Atire a primeira pedra. Somos: pé e seta?
Seta que não atinge o alvo do Amor platônico, eleito

Por outro coração amado. Não sei se o Amor é absurdo;
Mas, sei que acalenta o meu pranto, pungindo-me mor lanceta
Na minh’alma infida e lúrida. Sim, o Amor é desabrido!...

9-3-2010.

O Vento Pascia as Nuvens

Edigles Guedes

O Vento — de cor azul e lasso —
Dobrou o páramo esquálido,
Na manhã que folgança de março.
Vento insólito e combalido!…

Nuvens aurifúlgidas e infractas,
Ao sabor do pincel de Verlaine,
Amalgamavam o céu. Transactas
Nuvens deambulavam, tais aerofones.

O Vento pascia as Nuvens plácidas!…
Eu regozijei-me co’a Pastora
Do meu Coração. Com mãos dúlcidas,

Ela cerziu paixão no tórax são
De mim. Eu declamei a gaiata Aurora:
Há Amor que se jubila o Coração!…

8-3-2010.

Paisagem Marítima

Edigles Guedes

A vaga do Mar violentou desassossego
Do Rochedo; as escumas culminaram, sonsas,
Em glória de existir por um breve fôlego
De vida; as bolhas salgavam a tarde alonsa;

Anêmonas acaracolavam guarda-sóis;
As conchas encaramujavam-se moluscos;
As algas encaranguejavam-se girassóis;
As estrelas do mar caçoavam tentáculos;

O plâncton estava abundoso, intransponível…
A onda goteja suas escumas, que alarida!…
O vaivém choraminga o lixo descartável.

O vento boqueja seus lamentos nas águas.
A areia tão vítrea, tão fulgente, tão aborrida,
Deixa-se lavar por minhas álbidas Mágoas…

7-3-2010.

Autorretrato

Edigles Guedes

Teus são esses óculos furibundos;
Tua camisa de botões, mangas curtas;
Tua calça comprida, de vestimenta;
Teus olhos flácidos, meditabundos;

Teus sapatos negros, com graxa álgida;
Tua pele castanha, gáudia, de anfíbio,
Inebria tua tarde luada, lânguida;
Tua sensatez, que te cinge de brios;

Teu rosto inube, que, sem mácula,
Sofre aleivosia da mulher amada,
Tolera o blefe dos amigos da onça;

Joeira em tua índole a pequena trela:
Que o Amor te pungiu co’ adaga alada
Por trás. Eu que careço de querença!…

7-3-2010.

Que Fazer?

Edigles Guedes

O que fazer?
Mulher largou,
Frio cortou-se,
Bonde calou.

O que fazer?
Doce acabou,
Rio findou-se,
Leite coalhou.

O que fazer?
A isca logrou,
O trem foi-se,

O ovo gorou.
Madrugada
Sem escape!...

7-3-2010.

Ontem foi Cedo

Edigles Guedes

Ontem foi cedo para conhecer a vida,
Que lancina no regaço da Poesia. Agora,
Sobejou-me saber a Poesia na virada
Da canoa da vida. Ela, com resbordo, marca

Registrada do alvorescer, que (sara?) tarda
A florescer do novelo das horas. Tudo
É tão infinito quanto alma, que (felizarda)
Golpeia, bruta, no coração dilacerado

De dor. Por quem choras esse aljôfar em gotas,
Minh’alma? Choras por mim? Quem sou? Não mereço,
Sinceramente, não mereço!… Sou tropeço

No sendeiro dos outros, como a pedra basta
No caminho de Drummond. Bem, resguardas
O teu pé para não tropeçar, resignada!…

7-3-2010.

É mais Fácil Evitar o Amor...

Edigles Guedes

É mais fácil evitar o Amor, quando inda se não tem;
Que deixá-lo, quando existe. Mas, eu sou demasiado
Incomensurável, quando te amo!… É como se o pardo
Mar, que há dentro da caixa de pensamentos, num pentem

Olvidasse um piolho de memória assaz devastada.
Antes, eu não tivesse exp’rimentado do estrépito
Amor, essa Dama cálida. Sagazmente apito
Para a carruagem do Amor: Pare!… Respeite a balada

Em trânsito do meu Coração, flechado por uma
Hedionda seta de Cupido infausto. Naquela
Manhã, que sorriste para mim; e eu sorria a ti, alguma

Cousa fisgou-me pela atmosfera, cá, perniciosa
De ventos. Não foram teus feromônios… Ah, com gula
De devorar-me!… Era o Amor: a deixá-la adulteriosa!

7-3-2010.

Amor que Azulece

Edigles Guedes

A emenda saiu pior do que o soneto.
Eu juro que tentei, porém frustrei
Todas as minhas fúrias. Deserto
Estou de mim. Pálido, aviltrei

Uma solução para o mal de Amor.
Sabes qual é? Desvencilhar-me de
Ti. Minha Dama não escuta o clamor
Do meu talhe infante. Juventude,

Que fonte eu não compraria? Por um triz,
Que me afogo no Oceano, vassalo
De tuas madeixas. Perdoe-me, auletriz,

Por meu ciúme obsessivo. Calo-me,
Eu morro que padeço de zelo
Por ti. Amor que azulece meu abdome!…

7-3-2010.

Hoje é Tarde

Edigles Guedes

— É já tarde começar a viver hoje:
O sábio começou ontem. — Alega um bardo
Antigo, em língua latina. Epítome
Que carrego no alforje, que bastardo

Segue meus pensamentos. A metagoge
De que a vida é premente, sem subterfúgios.
Não há uma vírgula de tempo própole
A perder. É mister viver no tugúrio

Do hoje, como se estivéssemos com pais
Carismáticos: o hoje não nos pertence.
É como areia na ampulheta que se esvai;

É como a tinta deleitosa no papel:
Lúbrica, desvanece, enquanto carece
De ontem. Ó sábio! Vamos à ontem para o céu!…

7-3-2010.

Morcego

Edigles Guedes

Quiróptero, pousas com teu corpo (adágio
Do implume homem que vivo) nos caibros sóbrios
Da noite. Estou a ver-te, assim, quase de soslaio.
Tangível criatura: nariz de astrolábio;

Boca, solitária, de quimera iníqua;
Olhos foscos, rotos, tortos; mãos oblíquas,
De quem quer pegar algo, mas escorrega
O algo por entre os dedos; uma formiga,

Íncuba, de garras a suportar peso.
E que peso? Os teus ombros, gravidade
Que suporta o mundo. E curvo, pouco teso,

Depois elástico. Libertam-se, calmas,
Tuas asas do corpo hirto, alteridade
De tua grandiloquente e famíger’ alma!…

6-3-2010.

Flébeis Flamas

Edigles Guedes

Flâmulas flamas febris, fãs de frêmitos,
Franziam fráguas fraqueiras e faniquitas.
Frágeis flamas fantasmagóricas, fatos
Físicos farejados por fisiocrata…

Flor flutua: flébeis flamas fisiológicas;
Fora, cá, fáceis figuras fleumáticas!…
Friacho flexua: fluidas flamas folclóricas,
Flavípedes, frangem flechas fanáticas!…

Fugífugas flamas folíparas foram
Fofocar, frívolas, fofas; fenestraram
Fachada, fremebundas; flãs, flertam felpas…

Flutívagas flamas fiúsas: feito fina
Felugem, feito formosas e franzinas
Fístulas: flautas, folículos, folipas…

6-3-2010.

Máscara

Edigles Guedes

Es schweigt die Seele den blauen Frühling.
Georg Trakl

Desperto-me do sono anômalo da noite gelo.
Despeço-me da madrugada de nariz adunco
E empertigado. A cama geme seu gemido tolo
E derradeiro. Espelho, fosco, cicatriza-me; asco

Da manhã febril que raiou azul. Silente primavera
Co’alma de criança e seu trebelho. Arredei-me, pulo
Acrobático, do meu modo de dormir. À vera
Ou à brinca, vou jogar a toalha no banheiro. Açulo

O cão de caça-mantença. Estou com fome, o café
Quentinho descansa na mesa posta. Apostato a fé
Nas sandálias de domingo. Escanhoo a face da nua lua

De sol. Quem se barbeia no espelho?A briosa máscara
(Que se cobre o rosto) é parecida contigo... Amoras
Bombardeiam tu’alma. Singra a máscara, Tejo, na falua!…

5-3-2010.

Brasume

Edigles Guedes

Que dano há no meu peito galante?
Não é dano; é Senhora refulgente…
Que pano há com minhas mãos plangentes?
Não é pano; é lenço resplandecente…

Que pálio há no teu semblante corso?
Não é pálio; é desgosto de tanto amar!…
Que prélio há nos teus pés ao descanso?
Não é prélio; é desventura a aboleimar!…

Que labéu há no teu rosto... comigo?
É o desdouro do ombro quase amigo,
Que pagou fel por mel, e molestou-me…

Que sirte há no Amor, que manietado,
Mantém-me refém de ti? Brinquedo
Abobalhado, fiquei: brasume!…

5-3-2010.

De Barca na Madrugada

Edigles Guedes

Cinjo-me de madrugada,
Como se cinge a Senhora
De sol, torpe, na alvorada;
Como o pingo d’água, agora:

Espelho d’alma, seguro
Pelos cabelos impuros
Da noite, oclusa, no brunir
A pia. Teu pintinho a tinir

Tranquilo, nos lençóis níveos
De encomenda. Onde estará o véu
Desta madrugada branca?…

Vagueio — vácuo vazio d’alma!…
Vagueio — cru, desço na calma
Escada da limpa barca...

5-3-2010.

Vida Oeste

Edigles Guedes

A vida é breve, a alma é vasta:
Ter é tardar.
Fernando Pessoa

Quão breve… A vida, extasiada,
Voa de alegria pueril; extravio
Que, do rastilho de pavio,
Esvai-se!… Estorvo: partida

Ao ponto de chegada, ao léu!…
De ter não tenho — que nada!…
Porque de tanto ter, do Céu
Recebi o dom da inventada

Poesia; ainda que tardia!… Este ser
(Que sou) é viúvo de estultices;
A minh’alma desfalece…

Na brevidade do nascer,
Crescer e falecer: medra
A vida Oeste como pedra!…

5-3-2010

A Fera

Edigles Guedes

Ferir-me como a fera,
Que bastante pantera,
Ruge suas garras de aço:
Noite que me espedaço!…

Súplice, com fervença
Por tua boa benquerença!…
Persigo o meu infortúnio
De perto. Plenilúnio

Já desatou o campônio
Coração: há que cá dentro…
Onde, espúrio, está o cetro,

Do rei que não fui?… Eufônios
Despertaram-me. A fera —
A ferir-me cratera!…

4-3-2010.

Paixão

Edigles Guedes

Paixão penosa e desenfreada, eu avezei-me
A ti. Cuidei que fosse um mero silvo
De pássaro canoro, que chove, e alvo,
Sua lira, antes de abrir cântaro de fome.

Paixão anojosa e alambreada, eu acostumei-me
Com teu toscanejar de hipopótamo, avô
De pântanos, que ardem no metano calvo
Da minh’ma!… Onde me acudiu o azedume

Dessa Paixão? Em que salmo ou provérbio, crespo,
Eclipsaste a tu’alma? Mudo, fizeste-me
Calado. O Teu sacrifício na cruz, lume

Dos cristãos; serve-me de bússola. Apulpos
Suportaste por mim. Eu — alguém sem velame
Que açodasse o navio da lida ao destempo!…

4-3-2010.

As Mulheres que Amei

Edigles Guedes

Todas as mulheres que amei,
Falharam em amar-me! Nau
Que se foram; que eu lamentei…
Não sabiam amar-me!… Quinau

Tomei, com tanta enganação
Em minha vida. Mas, tudo
Eu não as culpo. Culpo à bênção
Do Fado. Bênção, de ávido,

Estar vivo; que arte: ronda-me
A Morte!… Logo, eu pago esse
Preço! A vida, bífida, é-me!…

O Amor, lauto, que me sonda,
Custou-me o Fado!… Carece
Meu imo infante de guarida!…

3-2-2010.

Esmorecido de Pelejar por Amor de ti

Edigles Guedes

Esmorecido estou de tanto pelejar
Por teu Amor. Mas, a Senhora ignora-me: torso
De tigre nas pintas das manhãs de anêmonas,
A velejar o Céu sem estrelas, sem urzes

De vaga-lumes. Eu já bajulei a bajoujar,
Como o Mar a esgrimar o rochedo. Recursos
Gastei, cingindo-te de esplendor; nas mornas
Águas, porém, tu golpeaste as minhas revezes!…

Em teu livre líbito, rútila, cuspiste
Na minha tez… Esmigalhando os meus bilhetes
De Amor, que tão singelo escrevi. Cabisbaixo,

Fiquei. Desiludido, estou. A Esperança
Não falece nunca!... Portanto, enquanto a lança
De a vida restar-me, eu direi: Eia, Paradoxo!…

3-2-2010.

Pombinhos Grudados

Edigles Guedes

Saciei-me de muita terra com sal,
Até o dia em que aprendi a ser
O sal da terra — cristal pintado a cal
De transparência reluzente, a ter

Em suas janelas de vidros e sóis
O espectro multicolorido da luz
De Newton e seu prisma. Ah, nós
Dois!… Quantas vezes, de quebra-luz,

Fizemos de Amor o nosso ninho.
Entre beijos, carícias e carinhos,
Largamos os nossos seres lassos

Em meio aos lençóis, bordados
Com tanto esmero. Grudados
Pombinhos, éramos… Braços laços!…

2-3-2010.

O que é Feito do que Sinto?

Mas se a vejo tremo, não sei o que é feito do que sinto na ausência dela.
Alberto Caeiro

O que é feito do que sinto
Na ausência dela? Se minto,
Ao dizer que o sentimento
Que nutro por ela é lamento…

Então, qual é o meu valimento?…
Talvez eu valha menos que um palito
De fósforo, desusado. Em cumprimento
À minha palavra, confesso-te o delito,

Doravante, de te amar, minha Senhora.
Mas, de Amor tal, sem fingimento;
Que de tanto te amar… Tu penhorarás

O meu coração numa loja de relíquias.
E leiloarás este coração, sem discernimento,
Como se leiloam os bonecos de ventriloquia.

2-3-2010.

Quem está isento?

Edigles Guedes

Se pena por amar-vos se merece,
Quem dela livre está? ou quem isento?
Luís de Camões

Quem está isento da ecnefia
Das ondas, que procelosas
Navegam o Amor?… Quem se fia
Na conversa afiada das Rosas,

As quais com cores olorosas,
Fazem a gente infértil penar
Em seus espinhos!… Dengosas,
Elas perfazem do meu ninar

Entre espinhos, uma frase
Sem mais valia. Que me vale
Andar contigo, em êxtase,

Ao levar tuas mãos donzelas…
Se tu és como o lírio-do-vale
Ao capricho de outra procela!…

2-3-2010.

Amor não se Rege por Razão

Edigles Guedes

Mas Amor não se rege por razão;
Não posso perder, logo, a esperança.
Luís de Camões

Sinceramente, Amor, eu não sei
Que regência eu te dou!… Se és
Intransitivo, que a ferramenta, eis,
Falta-me por complemento; talvez

Se fores transitivo direto, iríamos
Direto ao ponto do desentendimento
Entre mim e ti, Amor. Tão somos
Díspares, que deixamos tormentos

De esguelha. Se for bitransitivo, então
A razão regeria a ti, Amor, em plantão.
— Vinte e quatro horas de atendimento

Gratuito, diria a garota do telemarketing.
Onde está a razão?… Vou fazer um footing
Para espairecer as horas sem valimento!…

2-3-2010.

Por Matar-me o Amor



Ao cabo de dias, Caim trouxe o fruto da terra em oferta;
Abel, entretanto, entregou os primogênitos do rebanho.
O Senhor pôs fito em Abel e suas ovelhas, que na certa
Enchiam o vaso de regozijo dos céus. Caim, tacanho,

Irou-se tremendamente. Descaiu-lhe o semblante valente,
De quem lida com a bruta terra. O pecado bateu à porta
Do encolerizado Caim. Então, o desejo do pecado, avante,
Perturbou-lhe a índole; reprimiu-o, como o cabresto a torta

Égua arredia, refreia. Aliás, estando os dois pelo campo
A vaguear, Caim ergueu sua mão contra seu casto irmão.
E a voz de Deus, serena e suave, fez-se da cor do salmão!…

Lançou-lhe a maldição: erradio e vagabundo no escampo
Do mundo. E eu que te amei, Senhora, será que mereço
Sofrer por matar-me o meu Amor, porque eu de ti careço?…


Autor: Edigles Guedes.

Que Aljamia é Esta?


Que aljamia é esta, que queima
No meu peito solar?… Não é a língua
Dos bárbaros, em tanto que se teima;
Nem é a língua dos civilizados,

Que se escreve assaz com polidez!…
É a língua do livro das mil mágoas
Que faz ninho de mim na lucidez;
Em árvore um ninho, que atado,

Agrilhoa-me aos teus fulvos cabelos,
Tão dourados, com sua gravidade
De clara íris; tão esguios e belos,

Que os desembaraçam pétrea chuva
Minha em culta frágua, ó beldade!
Verte favo em mim, caras meles curvas!…

Autor: Edigles Guedes.

Coração Envilecido


Meu coração envileceu, sua voz
Melíflua. Sanha por vã dor atroz;
Por ti, Senhora, que me enlouquece!…
Aquela chama, que me ensandece,

É de Amor, cativo, escorçado
Na varanda do pulcro coração;
Porém, fora jamais realizado,
Pois eu tenência não tive e mãos

Para efetuar a ligação
Entre mim e ti. Como méleas pombas
Dos pombais, que lépidas se vão,

Arrulhando canções naquela tromba
De música ao vento, léu de mim…
Vida cônica, como um pinguim!…

Autor: Edigles Guedes.

Não Consintas, Amor...



Não consintas, Amor, que se finde no lume
Dos meus olhos saudade que dos olhos dela!…
Só por causa do meu acridoce ciúme
Daqueles olhos; não podiam os meus vê-la…

Navegar com vestido de renda ou chita
Pela Praça… Que, mais rápido, o coração
Colore outra cor aos olhos artesãos,
Seus olhos tão castanhos queimam. Feito fita

De cinema, em volta do filme na tela,
Em que se exibiam; seus olhos coagulavam
Duas chamas férteis, dentro da tórrida cela,

Que enclausurava meu coração seriguela…
Olhos benditos sãos, olhos que sussurravam
Suas chamas por minha treda descautela!…

Autor: Edigles Guedes.

Cartas Ridículas de Amor


Não me creia que todas estas cartas
Pipilam de Amor em mim, de tão
Ridículas que são!… A frase ingrata
Não é minha, mas cá de um falastrão,

Que sabia muito bem o que dizia,
Pois ele torturado era de Amor,
Que engendra sua vida no torpor
Do dia. O Pessoa, sim, se comprazia

Em falar-me que disso tanto sentia.
Amor, se era, que em seu ganido peito
Eclodira, não sei.. Quiçá no leito

De um hospital de privança em agrestia…
Mulher, é que sabemos nós o quanto
De tênue há em pós: náusea e pranto!…

Autor: Edigles Guedes.

Os Lábios da Manhã


Os lábios da manhã triste, coesa e cinzenta,
Regaçaram-se belo e minguado sorriso…
Nesses lábios da Dama, de sal com pimenta,
Concebeu-se um plebeu roxo, tacanho, inviso!…

O meu coração ínvio — sem as duras vias
De trânsito: calor de Amor interciso —
Suplica às boas horas que a algaravia
De meus afetos (inda que tão indecisos)

Passem o mais lacônico que for possível.
Posto que não se aguenta meu corpo em pé,
Diante dela. Pranteio pela Dama crível

Das minhas amarguras sem do Amor a lei.
Dama que se vai, tão dura e impermeável
À minha afeição pela bola de vôlei!…

Autor: Edigles Guedes.

É-me Difícil

Edigles Guedes

É-me difícil entender o orgulho
Humano, se todos nós havemos
De morrer. Como um gorgulho
Passa a vida que pouco a temos;

Como uma chama duma vela:
Uma vez acesa, logo, apagada.
Como uma flor, que ao vê-la,
Breve se desfaz: efêmera e leda!…

É-me difícil entender o orgulho
Humano. Se todos vamos padecer
De doença ou engano. O marulho

Do mar borrascoso é ensurdecedor
Em seu desassossego, ao escurecer
As escumas em vagas álgidas de dor!…

28-2-2010.

Aquele Derriço

Edigles Guedes

Por que tu tinhas aquele derriço
Nas mãos? Sim, foram quem elas
Me disseram que o ouriço da fala
Que tens é por mim quebradiço!…

Quebradiço, porque eu sou constante
Em querer-te para mim, inteiramente.
Quebradiço, porque eu não sei se vivo
Ou se morro perto dos teus adjetivos!…

Tu és a mulher benfazeja, prestativa,
Benévola, fêmea, efêmera, que cativa
O meu coração leso com insanos beijos!…

Tu és quem ao cavalgar de furta-passos,
Leva contigo o charme dos moveres lassos,
De quem não ama, mas é a foto do desejo!…

28-2-2010.

Quando teus Olhos

Edigles Guedes

Quando teus olhos trigueiros
E plúmbeos olharam para mim,
Eu sabia que logo o cheiro
Da manhã degolaria o jasmim,

Bisonho, entre as magnólias.
Pois eu passeava por entre
As magnólias e não sabia
Que tantas flores dentre

Havia um jasmim, carente,
Por teus feros e ciosos dentes
A morder a maçã do amanhã

Em mim. Eu que nada meramente
Tenho a perder ou ganhar; tirante
Teus dentes a picar-me de manhã!…

28-2-2010.

Riacho Amigo

Edigles Guedes

Pasciam os meus olhos na paisagem
De ti. Tu cuidavas do meu rebanho…
Quando te vi, Pastora, em banho,
Num riacho, de águas claras, virgem,

Que me arrepanhava o dolente
Coração, naquela manhã primaveril.
Riacho benigno, tuas águas de anil
Pintam o meu mendaz coração solerte

De esperança por aquela Dama,
Que me arrebatou da minha cama,
Onde eu dormia o dormir dos dias

Entre lúgubre e exultante!… Agora,
Choro, Riacho amigo, a desoras,
Pelo Amor que me furta a valentia!…

28-2-2010.

Um Fiapo de luz

Edigles Guedes

Eu apetecia a tua mão pousada
Na escrivaninha, a qual dormia
Na sala d’alma. A luz afogueada
Reclamava do tão escaldante dia!…

Dia estafante, o qual me chegava
Pela janela do quarto a despertar-me
Para a rotina fatigante. Adentrava
Ali um fiapo de luz, fônica e íngreme!…

Tão íngreme quanto a minh’alma,
Tão fônica quanto o calor do estio,
Num fiapo de pensamento correntio.

Ah, acendeu-se a lâmpada calma
Do pensamento em cordéis de versos,
Que me embrenha no cérebro imerso!…

28-2-2010.

Qual foi o benefício?

Edigles Guedes

Qual foi o benefício que trouxeste à minh’alma?…
Ainda hoje eu procuro nos quatro cantos do mundo
Esse tal de benefício. E por mais que cante a rima
Nos meus versos, não encontro esse tal vagabundo!…

O teu benefício para com a minh’alma é de quem
Quer estender a mão, em sinal de auxílio,
Mas acaba por roer-me — formiga-quem-quem,
Que tu és! Destarte, parto para o meu exílio.

É melhor viver em longínquas terras e ares
Do que sonhar a viver contigo sem préstimo!…
É melhor despedir-nos de nossos mimos,

Já não somos dois em um, jungidos. Tu, tu és;
Eu desprimoroso sou sem ti. Entretanto, há o estro
Em mim que diz: — Vá!... Que dure este Amor canhestro!…

27-2-2010.

O Privilégio de um Beijo

Edigles Guedes

Sortia-me em mim o privilégio de um beijo,
Arcaico que fosse — é um beijo assaz e ainda!…
O qual me arrasa o âmago, austero, sem pejo,
E o quarteirão, onde eu resido com minha lida!…

Você sabia que o beijo me devoraria,
Como a Esfinge de Édipo em sua travessia.
— Decifra-me, ou te devoro! — ela diria.
Você, no entanto, com sua avessia,

Far-me-ia perder a calma na lama do rio Tejo.
Tejo, Tejo, onde Pessoa afogou suas lágrimas,
Onde Pessoa surtia efeito de suas mãos heterônimas!…

O que eu digo para ela, Tejo, Tejo, meu Tejo?...
Quais as palavras, palpáveis, que cabem nos lábios
De um coração que nada sabe, mas é enxerido e sábio!…

27-2-2010.

Aquário de Vida

À mercê dos favônios, Bisviver jigajoga, Bajogar a conversa, Retisnar os neurônios… Lida que se renova. Quem me dera essa trela… Fá...