Edigles Guedes
Que cálculos esquizofrênicos em frenéticas
Pernas são esses? Pluviais pernas, que ablaquecem quebrantos
De meus polutos gritos; carnívoros ouvidos
De mulher fumegante em cama de lençóis lúbricos!…
Que lua ocídua reluz no céu atônito? Que venusta
Estrela resplende, no azul da noite, suas lágrimas
De cristais, que se eivaram pela madrugada? Cismas —
De insônias maldormidas — aquecem pernas astutas,
De tanto vagabundearem em casa patética!
Pernas pteridófitas ceifaram almos prantos,
Acalentaram-me o cansaço dermatológico
Do dia azedo que nem limão azedo. Que canto órfico
Maculou minhas pernas gralhas? Canto prazenteiro
De sereia: cantas comigo debaixo do chuveiro!...
24-3-2010.
Inspire-se. Surpreenda-se. Viva com leveza. Aproveite os sonetos. O romance. A desilusão. O amor. Leia e curta.
Coração Despedaçado
Edigles Guedes
Coração despedaçado não te preocupe!
Eu hoje recolho os teus pedaços, cacos de mim,
Que estou aos pedacinhos — tão diminuto! Trupe
De malabaristas sequestraram o jasmim,
Que coloria a minha vida destrambelhada!…
Coração despedaçado salta! pulando
Pela minha boca, e diz àquela trigueira
O quanto te quero, minha flor de amendoeira!…
Eu tenho andado ensimesmado, atabalhoado;
Mas, jamais me esqueço da minha flor de jasmim...
Ela tem encantos mil, ela me faz feliz!…
Coração, vivo com a cabeça agrilhoada
Nesse lenço de cheiro, que ela deixou. O beliz
Lenço — ao sorvê-lo, sinto-me co’ este frenesim!…
27-3-2010.
Coração despedaçado não te preocupe!
Eu hoje recolho os teus pedaços, cacos de mim,
Que estou aos pedacinhos — tão diminuto! Trupe
De malabaristas sequestraram o jasmim,
Que coloria a minha vida destrambelhada!…
Coração despedaçado salta! pulando
Pela minha boca, e diz àquela trigueira
O quanto te quero, minha flor de amendoeira!…
Eu tenho andado ensimesmado, atabalhoado;
Mas, jamais me esqueço da minha flor de jasmim...
Ela tem encantos mil, ela me faz feliz!…
Coração, vivo com a cabeça agrilhoada
Nesse lenço de cheiro, que ela deixou. O beliz
Lenço — ao sorvê-lo, sinto-me co’ este frenesim!…
27-3-2010.
Monólogo com um Palito de Dentes
Edigles Guedes
Palito de dentes, o que estás fazendo
Aí, dentro do paliteiro? Resignado
Estás com tua magreza? Mui bem, decerto
Algum bicho carpinteiro, guapo, aguado,
Pintou o sete contigo. Meu precolendo
Amigo, me não tenhas por um decreto
Desazado!… Eu sou tão carente de amigos
Verdadeiros, tal como pena ao escrutínio
Deitada. Palito, eu vou passear contigo.
Quem sabe assim esquecemos o infortúnio,
Que nos abateu tão de supetão. Amargo
Fado o nosso! O teu: de viver enjaulado…
O meu destino: ela prometeu-me largo
E deu-me estreito viver abandalhado!…
27-3-2010.
Palito de dentes, o que estás fazendo
Aí, dentro do paliteiro? Resignado
Estás com tua magreza? Mui bem, decerto
Algum bicho carpinteiro, guapo, aguado,
Pintou o sete contigo. Meu precolendo
Amigo, me não tenhas por um decreto
Desazado!… Eu sou tão carente de amigos
Verdadeiros, tal como pena ao escrutínio
Deitada. Palito, eu vou passear contigo.
Quem sabe assim esquecemos o infortúnio,
Que nos abateu tão de supetão. Amargo
Fado o nosso! O teu: de viver enjaulado…
O meu destino: ela prometeu-me largo
E deu-me estreito viver abandalhado!…
27-3-2010.
Augusto dos Anjos
Edigles Guedes
Foi enxuto, meu desditoso contentamento!
De um macérrimo esquálido ímpar. Violáceas
Olheiras deformavam o cavo retrato
Dos olhos de vizinho, ave sem fareláceas
Asas! Somente imaginação ele portava
Com asas de estro virente, bem comparável
À lua em seu passeio noturno. Perambulava
Com sua clavícula arqueada — de indefensável
Gado desmamado — pelos vãos de Pau d’Arco.
Seus sapatos puídos tagarelavam. Corpo
Quebrantava-se em sua omoplata; estrumes parcos
Alegravam seu viver. Que pena! a matéria
De verme, que eras tu, findou-se! Metacarpos
Tornaram-se lixo, em petição de miséria!…
28-3-2010.
Foi enxuto, meu desditoso contentamento!
De um macérrimo esquálido ímpar. Violáceas
Olheiras deformavam o cavo retrato
Dos olhos de vizinho, ave sem fareláceas
Asas! Somente imaginação ele portava
Com asas de estro virente, bem comparável
À lua em seu passeio noturno. Perambulava
Com sua clavícula arqueada — de indefensável
Gado desmamado — pelos vãos de Pau d’Arco.
Seus sapatos puídos tagarelavam. Corpo
Quebrantava-se em sua omoplata; estrumes parcos
Alegravam seu viver. Que pena! a matéria
De verme, que eras tu, findou-se! Metacarpos
Tornaram-se lixo, em petição de miséria!…
28-3-2010.
Senhora com Blandícias
Edigles Guedes
Coração estouvado, estou triste pela noite —
Que cai no chuveiro de pingos roríferos
Da aurora — no campo de pensamento. Açoite
Do guizalhar dum grilo vergasta alífero
Ser: a minh’alma, presente divino! Oblíquo,
Olho para fora do tarro em que coabito
Co’a Natureza das horas. Um flexíloquo
Regougar de coruja espavoriu (súbito)
As corujinhas em seu grabato entanguidas.
O tempo flui lentamente pela ampulheta
Do relógio cuco na parede estúpida!
Minha melancolia vai riscar de felícia;
Pois, o dia já vem e a noite, à boa-fé, não aguenta
O fulgor de minha Senhora com blandícias!…
28-3-2010.
Coração estouvado, estou triste pela noite —
Que cai no chuveiro de pingos roríferos
Da aurora — no campo de pensamento. Açoite
Do guizalhar dum grilo vergasta alífero
Ser: a minh’alma, presente divino! Oblíquo,
Olho para fora do tarro em que coabito
Co’a Natureza das horas. Um flexíloquo
Regougar de coruja espavoriu (súbito)
As corujinhas em seu grabato entanguidas.
O tempo flui lentamente pela ampulheta
Do relógio cuco na parede estúpida!
Minha melancolia vai riscar de felícia;
Pois, o dia já vem e a noite, à boa-fé, não aguenta
O fulgor de minha Senhora com blandícias!…
28-3-2010.
Pés Apopléticos
Edigles Guedes
Pés pancreáticos pisam em partidos
Pontos pândegos; pômulo pomposo
Paira no pascigo — pasto impávido
Com perigos perdidos. Prestimosos
Pés, pábulos, perambulam pacatos
Por primores de apriscos. Pés, pálidos,
Passeiam por puberdade de tal pato
Pateta. Céptico épico proibido!
Pés apopléticos perturbam parvos
Painéis de patrícias palmas! Paródia:
Pedro Primeiro, príncipe protervo!
Pés plácidos, pardos (panegíricos
Crépidos), pobres palermas! Paciência
Em papel de pânico pacífico!…
28-3-2010.
Pés pancreáticos pisam em partidos
Pontos pândegos; pômulo pomposo
Paira no pascigo — pasto impávido
Com perigos perdidos. Prestimosos
Pés, pábulos, perambulam pacatos
Por primores de apriscos. Pés, pálidos,
Passeiam por puberdade de tal pato
Pateta. Céptico épico proibido!
Pés apopléticos perturbam parvos
Painéis de patrícias palmas! Paródia:
Pedro Primeiro, príncipe protervo!
Pés plácidos, pardos (panegíricos
Crépidos), pobres palermas! Paciência
Em papel de pânico pacífico!…
28-3-2010.
Rosto de Rodofícea
Edigles Guedes
Rosto rúbido: raro ramo rico
De rabdovírus; rubro romântico,
Que raiva em roda-viva rutilante,
No rocio reptante e resfolegante!
Rosto a rabavento no rodomoinho
Rochaz, robusto, ríspido, risonho;
Romance rústico de riólitos rios,
Que ringem seu ribaldo regalório!
Rosto de réptil roçando (revoa rua
De revindita) reverbério; recua
Sua régua — recobro recomendado.
Rosto de rodofícea recolhido,
Roaz; rima rija, ridente rinorreia.
Recrudesce o rosto em ruda ritmopeia!…
28-3-2010.
Rosto rúbido: raro ramo rico
De rabdovírus; rubro romântico,
Que raiva em roda-viva rutilante,
No rocio reptante e resfolegante!
Rosto a rabavento no rodomoinho
Rochaz, robusto, ríspido, risonho;
Romance rústico de riólitos rios,
Que ringem seu ribaldo regalório!
Rosto de réptil roçando (revoa rua
De revindita) reverbério; recua
Sua régua — recobro recomendado.
Rosto de rodofícea recolhido,
Roaz; rima rija, ridente rinorreia.
Recrudesce o rosto em ruda ritmopeia!…
28-3-2010.
Face Flamifervente
Edigles Guedes
Face frívola, formas famélicas,
Fugidias figuras, florão fluídico!
Fulgura fanática, fantástica,
Em flor-seráfica. Fã fatídico?
Face facunda, efêmera; foguete
Fogoso, faceiro, foi fulminante
Por folhetim facínora; fachuda,
Folgazã: faceirice foliaguda!
Face em fôlego fru-fru, forte, foito,
Fogaréu foge-foge, fagócito
Formoso, farândola refulgente.
Face — fortim do fortuito; flâmula
Flamipontente com flamifervente;
No fula-fula, fugace fábula!
28-3-2010.
Face frívola, formas famélicas,
Fugidias figuras, florão fluídico!
Fulgura fanática, fantástica,
Em flor-seráfica. Fã fatídico?
Face facunda, efêmera; foguete
Fogoso, faceiro, foi fulminante
Por folhetim facínora; fachuda,
Folgazã: faceirice foliaguda!
Face em fôlego fru-fru, forte, foito,
Fogaréu foge-foge, fagócito
Formoso, farândola refulgente.
Face — fortim do fortuito; flâmula
Flamipontente com flamifervente;
No fula-fula, fugace fábula!
28-3-2010.
Remoinho de Fosso
Edigles Guedes
Embevecido estou por tua beleza
Estonteante, parece mulher-dama
Em dia de frios beijos e sol de pernas,
Entre almofadas de veludo e cama
De amores aturdidos. A lanterna
Acesa no armário da natureza
É assim a tua pulcritude. Septênfluo
Riacho do Mondego, que minha canção
Não soube divulgar o Amor lucífluo
(Faz-me trêmulo em meus ossos). Coerção
De sentidos ancípites — ambíguos
Em mim. Beleza — essa tua! — como posso
Esquecê-la ou negá-la? Conspícuo
Rosto que me atrai em remoinho de fosso…
28-3-2010.
Embevecido estou por tua beleza
Estonteante, parece mulher-dama
Em dia de frios beijos e sol de pernas,
Entre almofadas de veludo e cama
De amores aturdidos. A lanterna
Acesa no armário da natureza
É assim a tua pulcritude. Septênfluo
Riacho do Mondego, que minha canção
Não soube divulgar o Amor lucífluo
(Faz-me trêmulo em meus ossos). Coerção
De sentidos ancípites — ambíguos
Em mim. Beleza — essa tua! — como posso
Esquecê-la ou negá-la? Conspícuo
Rosto que me atrai em remoinho de fosso…
28-3-2010.
Desdita de Amor
Edigles Guedes
Brandas ribeiras, quanto estou contente...
Cláudio Manuel da Costa
Lamuriosas ribeiras, por quem choras?
Que lágrimas em rio rugido tornas?
Tuas lágrimas formosas, aos cântaros,
Fluem de tua face de tez alva; cantos,
D'água mole em pedra dura, retinem
Nos meus ouvidos cheios de cera, que nem
Ecoam as estalactites nos ecos
Da gruta calcária, minada em ticos
De pedra bruta. Ó pastor de humanos
Tratos! Onde se escondeu tua lágrima
Por doce Nise? Coração serrano,
Se não fie em lágrima absorta, árida;
Pois mor prova de Amor há: essa desdita,
Que sofremos longe de Nise linda!...
26-3-2010.
Brandas ribeiras, quanto estou contente...
Cláudio Manuel da Costa
Lamuriosas ribeiras, por quem choras?
Que lágrimas em rio rugido tornas?
Tuas lágrimas formosas, aos cântaros,
Fluem de tua face de tez alva; cantos,
D'água mole em pedra dura, retinem
Nos meus ouvidos cheios de cera, que nem
Ecoam as estalactites nos ecos
Da gruta calcária, minada em ticos
De pedra bruta. Ó pastor de humanos
Tratos! Onde se escondeu tua lágrima
Por doce Nise? Coração serrano,
Se não fie em lágrima absorta, árida;
Pois mor prova de Amor há: essa desdita,
Que sofremos longe de Nise linda!...
26-3-2010.
No Horizonte da Minh'Alma
Edigles Guedes
Alma desdita, quanto Amor folgaste
No íntimo ser de minha amada Nise?
Em teu seio (melão maduro), em bela haste
Eriçado, descanso da labuta
Do dia enfadonho. Na tênue próclise
De tua boca, eu calo-me em beijo — luta
Ferrenha dos teus lábios meus grudados.
Acenos de mãos sutis lançam dardos
Inflamados do mais estreme nardo!
Teus gestos, de gazela gris, eivados
Desse sentimento torto: saudade
Da minha Dama que naufragou pontes
E rios, no meu coração. No horizonte
Da minh'alma está a formosa beldade!...
26-3-2010.
Alma desdita, quanto Amor folgaste
No íntimo ser de minha amada Nise?
Em teu seio (melão maduro), em bela haste
Eriçado, descanso da labuta
Do dia enfadonho. Na tênue próclise
De tua boca, eu calo-me em beijo — luta
Ferrenha dos teus lábios meus grudados.
Acenos de mãos sutis lançam dardos
Inflamados do mais estreme nardo!
Teus gestos, de gazela gris, eivados
Desse sentimento torto: saudade
Da minha Dama que naufragou pontes
E rios, no meu coração. No horizonte
Da minh'alma está a formosa beldade!...
26-3-2010.
O Silêncio de Deus
Edigles Guedes
Silêncio, de repente, tudo se fez silêncio.
Não foi a noite, com seu vagar de trem dos pêsames,
Que chegou sorrateira, tal como uma pantera
Trigueira, de mansinho se fez silêncio — enxames
De dores a supliciar a carne! Frontispício
De madeiro mudo, em que Cristo pregado na cruz
Rompeu seu vagido de Príncipe e Rei. Crateras
Fenderam-se na terra em grão terremoto de avestruz.
Homens caíram, abalados co'o sobrenatural
Silêncio de Deus. Tudo gemeu em dores de parto!...
Sem destino esperto, como carta confidencial.
Mas, empós três dias, o silêncio de Deus estrondou!
Cristo ressurgiu suas vestes brancas, braços hartos,
Triunfante. O Rei dos reis da sepultura obscura urrou!...
26-3-2010.
Silêncio, de repente, tudo se fez silêncio.
Não foi a noite, com seu vagar de trem dos pêsames,
Que chegou sorrateira, tal como uma pantera
Trigueira, de mansinho se fez silêncio — enxames
De dores a supliciar a carne! Frontispício
De madeiro mudo, em que Cristo pregado na cruz
Rompeu seu vagido de Príncipe e Rei. Crateras
Fenderam-se na terra em grão terremoto de avestruz.
Homens caíram, abalados co'o sobrenatural
Silêncio de Deus. Tudo gemeu em dores de parto!...
Sem destino esperto, como carta confidencial.
Mas, empós três dias, o silêncio de Deus estrondou!
Cristo ressurgiu suas vestes brancas, braços hartos,
Triunfante. O Rei dos reis da sepultura obscura urrou!...
26-3-2010.
O Embuste dos Olhos
Edigles Guedes
Existe cousa mais embusteira que os olhos?
Se estás num deserto, com sede ardente, basta
Olhar o poente, e lá recolherás abrolhos
Em lugar de água límpida, que sacia a casta
Sede, a qual afoga os teus sentidos trêmulos!...
Dizem ilusão que é de óptica: que más peças
Pregam em olhos de viandante imprevidente!
Enganadores são os teus ósculos estrídulos,
Cheios de peçonha de víbora. Que caleça
Leva e contamina o sangue insípido? Dentes
Raivam seus rangidos de lodo e cárie bruta.
Assim, como podem os olhos se deixarem
Engodar por Senhora tão sagaz, astuta?
Cada um vê mal ou bem, conforme os olhos que tem!...
25-3-2010
Existe cousa mais embusteira que os olhos?
Se estás num deserto, com sede ardente, basta
Olhar o poente, e lá recolherás abrolhos
Em lugar de água límpida, que sacia a casta
Sede, a qual afoga os teus sentidos trêmulos!...
Dizem ilusão que é de óptica: que más peças
Pregam em olhos de viandante imprevidente!
Enganadores são os teus ósculos estrídulos,
Cheios de peçonha de víbora. Que caleça
Leva e contamina o sangue insípido? Dentes
Raivam seus rangidos de lodo e cárie bruta.
Assim, como podem os olhos se deixarem
Engodar por Senhora tão sagaz, astuta?
Cada um vê mal ou bem, conforme os olhos que tem!...
25-3-2010
O Segredo Belo Adormecido
Edigles Guedes
Quem te disse ao ouvido esse segredo...
Fernando Pessoa
Quem te contou da rosa, que adormece
Todo fim de ano, e não ouve seus tímpanos
O estrugir bum! de fogos de artifícios?
Belo adormecido em braços lívidos!...
O colchão de tua pelúcia de pele
Preenche o vácuo ser, recende a sândalo.
Sonda-me! sou um fogoso precipício
Em pele de sabor tenuilívido!...
Ah! Quantos ardem desfalecimentos
Em tua pele (tão minha ela é quanto tua)
Branda? Em sua alma de pantera seminua
Há esse dilúvio de pele. Lamentos
E uivos de prazer desmedido, poucos
Beijos, carícias... Sandices de louco!...
25-3-2010.
Quem te disse ao ouvido esse segredo...
Fernando Pessoa
Quem te contou da rosa, que adormece
Todo fim de ano, e não ouve seus tímpanos
O estrugir bum! de fogos de artifícios?
Belo adormecido em braços lívidos!...
O colchão de tua pelúcia de pele
Preenche o vácuo ser, recende a sândalo.
Sonda-me! sou um fogoso precipício
Em pele de sabor tenuilívido!...
Ah! Quantos ardem desfalecimentos
Em tua pele (tão minha ela é quanto tua)
Branda? Em sua alma de pantera seminua
Há esse dilúvio de pele. Lamentos
E uivos de prazer desmedido, poucos
Beijos, carícias... Sandices de louco!...
25-3-2010.
De Sofrer Petas
Edigles Guedes
Que sina é essa a minha de sofrer petas
Por mulheres que eu singularmente amo?
Quiçá me apraz sentir, tal qual palhaço
De cambalhotas isósceles, tretas
Em piadas esgrimadas por ferina
Língua de desabusado ser; quiçá
Me deleite ser o bobo da corte
De algum castelo medieval, cujo rei
Benevolente estendesse sua espada
Em prólogo de sorriso velosporte;
Quiçá, inda que tarde, certo aprenderei
A escolher sem dedos a minha amada,
Pra navegarmos lençóis descampados.
Céu escamado, ao terceiro dia molhado!...
25-3-2010.
Que sina é essa a minha de sofrer petas
Por mulheres que eu singularmente amo?
Quiçá me apraz sentir, tal qual palhaço
De cambalhotas isósceles, tretas
Em piadas esgrimadas por ferina
Língua de desabusado ser; quiçá
Me deleite ser o bobo da corte
De algum castelo medieval, cujo rei
Benevolente estendesse sua espada
Em prólogo de sorriso velosporte;
Quiçá, inda que tarde, certo aprenderei
A escolher sem dedos a minha amada,
Pra navegarmos lençóis descampados.
Céu escamado, ao terceiro dia molhado!...
25-3-2010.
Rinoceronte Procarionte, Vulpina Dama
Edigles Guedes
Há em mim um rinoceronte branco, alvo como
A noute escura fora de mim; tão longínquo
Quanto o ponto cardeal de mim para comigo.
Anda por quarteirões inconcebíveis esse
Rinoceronte procarionte, e sumamente
Degolado pelo desespero da perla
Em concha magnética; tal como bom tolo
Vivente, eu sigo sendo um pó de areia com felpas
Da manhã insurgente. Fulgura acolá, dentro
Do invólucro que é meu corpo, o conteúdo fosco
Da minh'alma transparente, fictícia. Assento
Minhas mágoas de envelope dormido em carta
De Amor não correspondido. Destinatário
De meus pruridos é você: vulpina Dama!...
25-3-2010.
Há em mim um rinoceronte branco, alvo como
A noute escura fora de mim; tão longínquo
Quanto o ponto cardeal de mim para comigo.
Anda por quarteirões inconcebíveis esse
Rinoceronte procarionte, e sumamente
Degolado pelo desespero da perla
Em concha magnética; tal como bom tolo
Vivente, eu sigo sendo um pó de areia com felpas
Da manhã insurgente. Fulgura acolá, dentro
Do invólucro que é meu corpo, o conteúdo fosco
Da minh'alma transparente, fictícia. Assento
Minhas mágoas de envelope dormido em carta
De Amor não correspondido. Destinatário
De meus pruridos é você: vulpina Dama!...
25-3-2010.
Cabelos Fulvos, Beneméritos Olhos
Edigles Guedes
Perdi-me na selva de teus cabelos fulvos;
A fera em fúria renhida, aos meus olhos murchos,
Magoa com sua pata de leoa cancerígena!
Como uma zebra, que esperneia por sua tão tenra
Vida. Um bocadinho de fôlego por entre
Garras de animal belicoso, diligente.
Tal qual João e Maria, indago pelo caminho
De volta à casa paterna. Argêntea Lua gora
Na abóboda celeste, que nem pergaminho
Em mãos de escriba medieval. Cálido Agora,
Na minh’alma encapelada por desalento
Infindo, lamenta em mim os beneméritos
Olhos da Dama que amei! Descontentamentos
Restaram-me em meu coração de olhos contritos!…
22-3-2010.
Perdi-me na selva de teus cabelos fulvos;
A fera em fúria renhida, aos meus olhos murchos,
Magoa com sua pata de leoa cancerígena!
Como uma zebra, que esperneia por sua tão tenra
Vida. Um bocadinho de fôlego por entre
Garras de animal belicoso, diligente.
Tal qual João e Maria, indago pelo caminho
De volta à casa paterna. Argêntea Lua gora
Na abóboda celeste, que nem pergaminho
Em mãos de escriba medieval. Cálido Agora,
Na minh’alma encapelada por desalento
Infindo, lamenta em mim os beneméritos
Olhos da Dama que amei! Descontentamentos
Restaram-me em meu coração de olhos contritos!…
22-3-2010.
O Amor Aceso na Lareira
Edigles Guedes
O Amor é que nem fogo aceso na lareira,
Cuja lenha vai queimando, cor de oxigênio,
O ar melífluo, que sorvemos devagarmente;
É que nem servo ignavo, agrilhoado em madeixas
De sua Dama. O Amor é quem recebe prêmio
De loiros n'alma, como atleta reluzente
Depois de cortar tesoura a linha em chegada
Triunfal; tal qual ônibus espacial dolente
Em viagem sideral pelo espaço apático!
O Amor, quem não o vê é porque não quer! Salamandra
Que, pé ante pé, desengonçada, perseguindo
Um pobre inseto, em desespero de premente
Morte: assim é o Amor; pois, outra não palavra
Há para expressar sentimento dessa lavra!...
23-3-2010.
O Amor é que nem fogo aceso na lareira,
Cuja lenha vai queimando, cor de oxigênio,
O ar melífluo, que sorvemos devagarmente;
É que nem servo ignavo, agrilhoado em madeixas
De sua Dama. O Amor é quem recebe prêmio
De loiros n'alma, como atleta reluzente
Depois de cortar tesoura a linha em chegada
Triunfal; tal qual ônibus espacial dolente
Em viagem sideral pelo espaço apático!
O Amor, quem não o vê é porque não quer! Salamandra
Que, pé ante pé, desengonçada, perseguindo
Um pobre inseto, em desespero de premente
Morte: assim é o Amor; pois, outra não palavra
Há para expressar sentimento dessa lavra!...
23-3-2010.
Próvida Formiga
Edigles Guedes
Próvida formiga, leva consigo
Imbele torrão de açúcar benigno;
Faz trilha na toalha branca de mesa
Da cozinha; assim que desboca pressa
Do açucareiro manso, modesto e lhano,
Tão português quanto eu sou brasileiro!
Vai, formiga lépida, por floresta
De agruras do dia, que o astro rei, ufano,
Deflagra seus raios e garras. Faceiro
Animal celeste, alquebrado em festa
De rosas e girassóis espartanos.
Abre vereda, formiga! No afano
De pernas pra que talante… Gratuita,
Segue expedita sua sina fortuita!…
23-2-2010.
Próvida formiga, leva consigo
Imbele torrão de açúcar benigno;
Faz trilha na toalha branca de mesa
Da cozinha; assim que desboca pressa
Do açucareiro manso, modesto e lhano,
Tão português quanto eu sou brasileiro!
Vai, formiga lépida, por floresta
De agruras do dia, que o astro rei, ufano,
Deflagra seus raios e garras. Faceiro
Animal celeste, alquebrado em festa
De rosas e girassóis espartanos.
Abre vereda, formiga! No afano
De pernas pra que talante… Gratuita,
Segue expedita sua sina fortuita!…
23-2-2010.
Encardido Coração
Edigles Guedes
Encardido coração, onde plantaste a rosa
De Amor ensurdecido? Ah! foi no Mar? enjoo
De mulher grávida, ou de primeira viagem
Marinheiro. Ah! foi na Terra? que penosa
Chora de lágrima sôfrega, quando voo
De falcão em rapina, corpo de engrenagem!
Ah! foi no Ar? onde se concebe por moeda
A atmosfera em música de nitrogênio!...
Encardido coração, por que em mim pelejas?
Pugnas afanosamente, com telescópio
De mãos, contra a minh'alma de sofreguidão!...
Que admirável é esta minha tribulação?
Jamais sonhei que Amor gasto, peregrino,
Brotasse assim: que nem furacão benigno!...
24-3-2010.
Encardido coração, onde plantaste a rosa
De Amor ensurdecido? Ah! foi no Mar? enjoo
De mulher grávida, ou de primeira viagem
Marinheiro. Ah! foi na Terra? que penosa
Chora de lágrima sôfrega, quando voo
De falcão em rapina, corpo de engrenagem!
Ah! foi no Ar? onde se concebe por moeda
A atmosfera em música de nitrogênio!...
Encardido coração, por que em mim pelejas?
Pugnas afanosamente, com telescópio
De mãos, contra a minh'alma de sofreguidão!...
Que admirável é esta minha tribulação?
Jamais sonhei que Amor gasto, peregrino,
Brotasse assim: que nem furacão benigno!...
24-3-2010.
Paradisíacas Pernas
Edigles Guedes
Pacatas pernas em panaceia prostrada
Ao pé do pacóvio polvo em palácio;
Páramos pródigos em prol prascigosa
De princesa; pensamentos pancrácios!…
Paremíacas pernas: pane no pando
Peito em panegírico de pécora;
De pecilotermo pulcra peçonha;
Pata pedante de um pio paladino!…
Pandemoníacas pernas encrespadas:
Encapelada pecúnia pechosa;
Pedra-ímã em pêndulo procrastinado!…
Paradisíacas pernas: plúmbeas pombas;
Prófugas páginas profiláticas;
Pélvis profícua em proeza profética!…
Pacatas pernas em panaceia prostrada
Ao pé do pacóvio polvo em palácio;
Páramos pródigos em prol prascigosa
De princesa; pensamentos pancrácios!…
Paremíacas pernas: pane no pando
Peito em panegírico de pécora;
De pecilotermo pulcra peçonha;
Pata pedante de um pio paladino!…
Pandemoníacas pernas encrespadas:
Encapelada pecúnia pechosa;
Pedra-ímã em pêndulo procrastinado!…
Paradisíacas pernas: plúmbeas pombas;
Prófugas páginas profiláticas;
Pélvis profícua em proeza profética!…
Mar de Delíquio
Edigles Guedes
O mar — de marinheiro atroz tugúrio
Luso, refulgente logomaníaco! —
Deságua em si mesmo seus espúrios
Versos de vagas: bastante elegíaco!…
O mar: estropiado marujo a calhar,
Sabe o quanto de a fitoplâncton flutuar
Existe na água flamívola do mar;
Sabe com quantos pingos se faz o amar!…
Não são pingos de “ii”, nem pingos de chuvas;
Mas sim pingos de dessossegos árduos,
Pingos como vexilário altíloquo!…
O mar (sábio pescador de delíquio)
Conhece o quanto lhe apetecem uvas
De seios púberes em boca de elóquio!…
24-3-2010.
O mar — de marinheiro atroz tugúrio
Luso, refulgente logomaníaco! —
Deságua em si mesmo seus espúrios
Versos de vagas: bastante elegíaco!…
O mar: estropiado marujo a calhar,
Sabe o quanto de a fitoplâncton flutuar
Existe na água flamívola do mar;
Sabe com quantos pingos se faz o amar!…
Não são pingos de “ii”, nem pingos de chuvas;
Mas sim pingos de dessossegos árduos,
Pingos como vexilário altíloquo!…
O mar (sábio pescador de delíquio)
Conhece o quanto lhe apetecem uvas
De seios púberes em boca de elóquio!…
24-3-2010.
Amor Quisto
Edigles Guedes
Cada terra com seu uso, cada roca com seu fuso.
Como corda e caneca, nós dois seguimos caminho
Por igual, juntos, de mãos dadas. Passeamos por bosque
Com árvores frondosas e serpenteantes arbustos!
De repente, topamos com um prisco salgueiro, que
Na sua sabedoria de eras remotas, do seu ninho,
Disse-me: — Poeta, quem é esta que levas de mãos dadas?
— Eis que é a minha sina, senil amigo, de longas datas…
— Se é tua sorte, então, por que choras por entre árvores?
— Choro, porque a minha sina é sofrer de Amor partido!…
— Poeta, que triste fado de Amor não correspondido
É o teu! Amar como quem ama o Amor que se devota;
E, portanto, ao se dedicar o Amor — ele devora
O ser amante das cousas de Amor quisto, por dote!…
Cada terra com seu uso, cada roca com seu fuso.
Como corda e caneca, nós dois seguimos caminho
Por igual, juntos, de mãos dadas. Passeamos por bosque
Com árvores frondosas e serpenteantes arbustos!
De repente, topamos com um prisco salgueiro, que
Na sua sabedoria de eras remotas, do seu ninho,
Disse-me: — Poeta, quem é esta que levas de mãos dadas?
— Eis que é a minha sina, senil amigo, de longas datas…
— Se é tua sorte, então, por que choras por entre árvores?
— Choro, porque a minha sina é sofrer de Amor partido!…
— Poeta, que triste fado de Amor não correspondido
É o teu! Amar como quem ama o Amor que se devota;
E, portanto, ao se dedicar o Amor — ele devora
O ser amante das cousas de Amor quisto, por dote!…
Sopro Arcaico
Edigles Guedes
Um fôlego de água no meu existir
É o teu sorriso pulcro para mim!…
Sou tão carente de sentir, assim,
As tuas mãos com cinco sentidos a ir
De mim, a refulgir no meu corpo
De pipa empinada nas boas tardes
De março. Teu corpo lunar, carpo
De verriondez, o meu pasmo carpe!
Quantos dentes de paleontóloga
Tu usaste no sorrir para mim?
Ah! foram dentes do jurássico!…
Ó dentes de pernas pedagogas,
Ensina-me a velejar no jardim
Das oliveiras, num sopro arcaico!…
20-3-2010.
Um fôlego de água no meu existir
É o teu sorriso pulcro para mim!…
Sou tão carente de sentir, assim,
As tuas mãos com cinco sentidos a ir
De mim, a refulgir no meu corpo
De pipa empinada nas boas tardes
De março. Teu corpo lunar, carpo
De verriondez, o meu pasmo carpe!
Quantos dentes de paleontóloga
Tu usaste no sorrir para mim?
Ah! foram dentes do jurássico!…
Ó dentes de pernas pedagogas,
Ensina-me a velejar no jardim
Das oliveiras, num sopro arcaico!…
20-3-2010.
Olhos Liquefeitos
Edigles Guedes
Constrange-me teus olhos maduros
Fitos em minha língua caduca.
É noute de flavo desespero
No meu ser moído, dor que trabuca!…
Torno-me nitente em teus róxidos
Olhos flamejantes, que me chamam
Para o conluio no teu colo avindo.
Olhos teus umbrosos, que mendigam
A quididade do ser dos olhos
Meus. O que há no âmago (esse seio esconso)
Dos teus olhos? Pérolas — que as colho
No mar de asas frondosas e íncola
Do meu peito brando — são destroços
Dos teus olhos liquefeitos, donzela!…
20-3-2010.
Constrange-me teus olhos maduros
Fitos em minha língua caduca.
É noute de flavo desespero
No meu ser moído, dor que trabuca!…
Torno-me nitente em teus róxidos
Olhos flamejantes, que me chamam
Para o conluio no teu colo avindo.
Olhos teus umbrosos, que mendigam
A quididade do ser dos olhos
Meus. O que há no âmago (esse seio esconso)
Dos teus olhos? Pérolas — que as colho
No mar de asas frondosas e íncola
Do meu peito brando — são destroços
Dos teus olhos liquefeitos, donzela!…
20-3-2010.
No Sofá
Edigles Guedes
Engrunhido no sofá da sala de estar,
Deixo-me sopitar pelo bom cansaço
Do dia; quando, surpreso, um lindo rouxinol
Põe-se na janela da varanda a cantar!…
De súbito, seu chilreio coloca laço
De chita no meu pensamento de urinol,
Velado debaixo da cama. Sórdidos
Sentimentos de asco nublam a minh’alma!…
Revolvo-me no sofá, turbado, ávidos
Olhos de Lídia, débeis, condoem-me. Calma,
Digo de mim comigo, são pesadelos
Apenas, você cochilou, volte a dormir!…
Lídia foi-s’embora, este rouxinol belo
Restou-me por prêmio. Já ouço su’alma carpir!…
20-3-2010.
Engrunhido no sofá da sala de estar,
Deixo-me sopitar pelo bom cansaço
Do dia; quando, surpreso, um lindo rouxinol
Põe-se na janela da varanda a cantar!…
De súbito, seu chilreio coloca laço
De chita no meu pensamento de urinol,
Velado debaixo da cama. Sórdidos
Sentimentos de asco nublam a minh’alma!…
Revolvo-me no sofá, turbado, ávidos
Olhos de Lídia, débeis, condoem-me. Calma,
Digo de mim comigo, são pesadelos
Apenas, você cochilou, volte a dormir!…
Lídia foi-s’embora, este rouxinol belo
Restou-me por prêmio. Já ouço su’alma carpir!…
20-3-2010.
Só
Edigles Guedes
Estou só e azul é a noite noctâmbula;
Há um pio perdido de coruja comigo,
Guardado a sete chaves, como bula
De remédio de tarja preto. Pródigo
Pio, semeado no solo de mim. Sequioso
Pelo amanhecer, oiço co’os meus ouvidos:
— Tarrenego, tesconjuro! Rio bramoso,
Que corta a noite em faca sem gume, vindo
Das entranhas do meu ser em forma de pio,
A corvejar em meus pensamentos fúteis!…
Hora sem razão para certo cardápio
De filosofia indigesta; pois, a noite
Existe, e brumas indúcteis, inconsúteis,
Perpassam o pio do meu ser tão somente!…
20-3-2010.
Estou só e azul é a noite noctâmbula;
Há um pio perdido de coruja comigo,
Guardado a sete chaves, como bula
De remédio de tarja preto. Pródigo
Pio, semeado no solo de mim. Sequioso
Pelo amanhecer, oiço co’os meus ouvidos:
— Tarrenego, tesconjuro! Rio bramoso,
Que corta a noite em faca sem gume, vindo
Das entranhas do meu ser em forma de pio,
A corvejar em meus pensamentos fúteis!…
Hora sem razão para certo cardápio
De filosofia indigesta; pois, a noite
Existe, e brumas indúcteis, inconsúteis,
Perpassam o pio do meu ser tão somente!…
20-3-2010.
Ingratos Olhos
Edigles Guedes
Ó quão ingratos são os teus de sorvete olhos!
Que me deixam como estou: largado de Amor,
Claudicando por entre as esquinas dos meus
Pensamentos desconexos. Se ferrolhos
Prendessem, algemassem punhos de calor
Por teu langue Amor... certamente que do céu
Não desceria em mim este fulgor claro,
De coração apaixonado. Eis que declaro:
— Meu Amor, por mercê, deixa a dos olhos teus luz
Entrar pelas portas dos olhos meus, em rios
Caudalosos, retumbantes, gastos a flux.
Luz: luminar meu coração, dolorido,
Por te amar, querer, sim. Estou com incêndio
Em minh'alma; estou com ímpeto contido!...
21-3-2010
Ó quão ingratos são os teus de sorvete olhos!
Que me deixam como estou: largado de Amor,
Claudicando por entre as esquinas dos meus
Pensamentos desconexos. Se ferrolhos
Prendessem, algemassem punhos de calor
Por teu langue Amor... certamente que do céu
Não desceria em mim este fulgor claro,
De coração apaixonado. Eis que declaro:
— Meu Amor, por mercê, deixa a dos olhos teus luz
Entrar pelas portas dos olhos meus, em rios
Caudalosos, retumbantes, gastos a flux.
Luz: luminar meu coração, dolorido,
Por te amar, querer, sim. Estou com incêndio
Em minh'alma; estou com ímpeto contido!...
21-3-2010
As Nuvens e a Chuva
Edigles Guedes
As nuvens passam, mas a chuva fica.
Neste mundo de mudança constante,
Eis que vemos muitas nuvens, embora
De algodão macio ou de ferro atro, bruto.
Nuvens de hórrida e fera tempestade;
Nuvens de bonança por tempo afora;
Nuvens que sorriem da minha desdita;
Nuvens que abraçam o fortúnio fruto.
De raro em raro, é que cai magna chuva...
A chuva cai, como cai da caneta
A tinta no papel calvo, seu alarde
Não faz, inda que se esvaindo por turva
Noite; silente, tal saci perneta,
A chuva chia lágrimas sem disfarces!...
21-3-2010.
As nuvens passam, mas a chuva fica.
Neste mundo de mudança constante,
Eis que vemos muitas nuvens, embora
De algodão macio ou de ferro atro, bruto.
Nuvens de hórrida e fera tempestade;
Nuvens de bonança por tempo afora;
Nuvens que sorriem da minha desdita;
Nuvens que abraçam o fortúnio fruto.
De raro em raro, é que cai magna chuva...
A chuva cai, como cai da caneta
A tinta no papel calvo, seu alarde
Não faz, inda que se esvaindo por turva
Noite; silente, tal saci perneta,
A chuva chia lágrimas sem disfarces!...
21-3-2010.
As Linhas com que se Cose
Edigles Guedes
Cada um sabe as linhas com que se cose.
Penélope, por exemplo, com seu tear,
Fuso e roca, teceu co'ardil tecido
De Amor legítimo por seu marido,
O destro Odisseu, de Tróia do cavalo!
Adão foi dormir e Deus lhe concedeu
Mulher sonsa, por nome Eva, que torce
A palavra bendita, mero serpear
De sintaxe. Por Deus quase esquecidos,
Por causa da vil serpente do engodo,
Adão e Eva geram Caim e Abel, filhos
Amados. Mas Caim, por inveja de Abel,
Chega a matá-lo. Nesta de fel vida
Come-se muito, p'ra vomitar o mel!...
21-3-2010.
Cada um sabe as linhas com que se cose.
Penélope, por exemplo, com seu tear,
Fuso e roca, teceu co'ardil tecido
De Amor legítimo por seu marido,
O destro Odisseu, de Tróia do cavalo!
Adão foi dormir e Deus lhe concedeu
Mulher sonsa, por nome Eva, que torce
A palavra bendita, mero serpear
De sintaxe. Por Deus quase esquecidos,
Por causa da vil serpente do engodo,
Adão e Eva geram Caim e Abel, filhos
Amados. Mas Caim, por inveja de Abel,
Chega a matá-lo. Nesta de fel vida
Come-se muito, p'ra vomitar o mel!...
21-3-2010.
Medíocres
Edigles Guedes
É-me custoso ouvir de teus lábios
Certas palavras medíocres, ditas
Por ímpeto de pena! Ressábio
Que amarga acerba e cruenta lida!…
Palavras, querida, são figuras
Aladas, como flechas da aljava
Ao saírem, por hígido arco lançadas!…
Elas ferem de peste e candura
O peito néscio do ser amante.
Deveras, após voarem da boca
Dão-nos as costas por paga. Antes
Houvesses calado o bico do que
Ao abrir, dizer asneira. Tolas
Palavras, vulgívaga de araque!
20-3-2010.
É-me custoso ouvir de teus lábios
Certas palavras medíocres, ditas
Por ímpeto de pena! Ressábio
Que amarga acerba e cruenta lida!…
Palavras, querida, são figuras
Aladas, como flechas da aljava
Ao saírem, por hígido arco lançadas!…
Elas ferem de peste e candura
O peito néscio do ser amante.
Deveras, após voarem da boca
Dão-nos as costas por paga. Antes
Houvesses calado o bico do que
Ao abrir, dizer asneira. Tolas
Palavras, vulgívaga de araque!
20-3-2010.
Que Mercê Carece o Vosso Coração?
Edigles Guedes
Que mercê carece o vosso coração, minha Dama?
Se for para escalar os céus, como afoito alpinista;
Eu (o mais ominoso dos homens) assim o galgarei,
Por mais altura que houver entre céu e terra. O tetragrama
Das estrelas cadentes tomarei por emprestado,
Como prova inconteste do meu Amor de pugilista
Por ti, pois te amar provoca-me descoroçoamento
De sentidos deslustrosos. Que mercê, Dama, acharei
Que tal suceda em vosso coração, frenesi e dano?
Se for descer ao mais profundo mar fatídico e vil,
A tal ponto perder-me entre rochedos escabrosos
E em peleja com monstros ciclópicos e tormentos…
Assim o farei, lograr-me-ei vencedor, perto de ti!
Mas só não me deixe longe, coração maquinista!…
20-3-2010.
Que mercê carece o vosso coração, minha Dama?
Se for para escalar os céus, como afoito alpinista;
Eu (o mais ominoso dos homens) assim o galgarei,
Por mais altura que houver entre céu e terra. O tetragrama
Das estrelas cadentes tomarei por emprestado,
Como prova inconteste do meu Amor de pugilista
Por ti, pois te amar provoca-me descoroçoamento
De sentidos deslustrosos. Que mercê, Dama, acharei
Que tal suceda em vosso coração, frenesi e dano?
Se for descer ao mais profundo mar fatídico e vil,
A tal ponto perder-me entre rochedos escabrosos
E em peleja com monstros ciclópicos e tormentos…
Assim o farei, lograr-me-ei vencedor, perto de ti!
Mas só não me deixe longe, coração maquinista!…
20-3-2010.
Braços Pulvéreos
Edigles Guedes
Braços desnudos, tais fiambres cômicos,
Deslizam que nem corda de enforcado
Por meu pescoço; braços afônicos,
Que sufocam as lágrimas; legado
Do milagre do tartamudear mudo
De coração prisioneiro; grão lago
Em que cisnes navegam rudes muros
De mágoa silente; braços amargos
Que aquece impávido beijo varonil
Até arrefecê-lo em lençóis etéreos!…
Braços daninhos, que me embaçam; anil
De tarde ancha de si, tal porco-espinho
Bravo, ao ser acuado; braços pulvéreos,
Purpúreos, constrinjam-me em vosso ninho!…
19-3-2010.
Braços desnudos, tais fiambres cômicos,
Deslizam que nem corda de enforcado
Por meu pescoço; braços afônicos,
Que sufocam as lágrimas; legado
Do milagre do tartamudear mudo
De coração prisioneiro; grão lago
Em que cisnes navegam rudes muros
De mágoa silente; braços amargos
Que aquece impávido beijo varonil
Até arrefecê-lo em lençóis etéreos!…
Braços daninhos, que me embaçam; anil
De tarde ancha de si, tal porco-espinho
Bravo, ao ser acuado; braços pulvéreos,
Purpúreos, constrinjam-me em vosso ninho!…
19-3-2010.
Jogo de Amor
Edigles Guedes
A ganhar se perde, a perder se ganha:
É assim o jogo de Amor, mal guardado
No coração doméstico, que assanha
Em flagrante delito de Amor doado!...
Ofélia e pinto, da Legião Estrangeira.
O pinto falece por obsequiado
Amor. Ofélia, coitada, se esgueira
E sai na pontinha dos pés cândidos
Do apartamento de Clarice — besta,
Como um tamanduá-bandeira. Fúlgidas
Farpas de Amor magoa Ofélia co' aresta
De quadrado lerdo. Ah! Ofélia, você
Não sabia que Amor é agulha querida:
Que quanto mais fere, mais entontece!...
19-3-2010.
A ganhar se perde, a perder se ganha:
É assim o jogo de Amor, mal guardado
No coração doméstico, que assanha
Em flagrante delito de Amor doado!...
Ofélia e pinto, da Legião Estrangeira.
O pinto falece por obsequiado
Amor. Ofélia, coitada, se esgueira
E sai na pontinha dos pés cândidos
Do apartamento de Clarice — besta,
Como um tamanduá-bandeira. Fúlgidas
Farpas de Amor magoa Ofélia co' aresta
De quadrado lerdo. Ah! Ofélia, você
Não sabia que Amor é agulha querida:
Que quanto mais fere, mais entontece!...
19-3-2010.
Amor Canarinho
Edigles Guedes
Canarinho sem alpiste não canta.
Meu coração sem Amor mui bendito
É passarinho que não gorjeia, falta
Por fome e sede de Amor, qual me fito.
Fito meus olhos lúgubres no alpiste
Derramado na gaiola. Canarinho
Preso, abespinhado, não come! Triste
De suas penas, à vista do meu ninho
De pensamentos: ave golpeia-se contra
As grades de seu cárcere. Na cadeia
Do meu Amor por ti, donzela, aqueloutra
Grade de pensamentos ata-me ao fútil
Beijo teu. Vai, pastora linda, incendeia
Esse Amor que é chama perene, inútil!...
19-3-2010.
Canarinho sem alpiste não canta.
Meu coração sem Amor mui bendito
É passarinho que não gorjeia, falta
Por fome e sede de Amor, qual me fito.
Fito meus olhos lúgubres no alpiste
Derramado na gaiola. Canarinho
Preso, abespinhado, não come! Triste
De suas penas, à vista do meu ninho
De pensamentos: ave golpeia-se contra
As grades de seu cárcere. Na cadeia
Do meu Amor por ti, donzela, aqueloutra
Grade de pensamentos ata-me ao fútil
Beijo teu. Vai, pastora linda, incendeia
Esse Amor que é chama perene, inútil!...
19-3-2010.
Segredo
Edigles Guedes
Um beijo é um segredo que se diz na boca e não no ouvido.
Jean Rostand
Que segredo é esse que se diz na boca?
Que provoca eflúvios latinos na língua.
Doce dilúvio de águas que andam à míngua
Por entre a minha e a tua boca socrática.
Que arrebata à socranca fúteis suspiros.
Falta de ar, que faz coração, endoidecido,
Disparar a galope: centauro tido
Por Quíron em seu brincar com a Cariclo,
Ninfa bela, a fluir por manso rio e floresta!
Que segredo frugal não se diz no ouvido?
Que evoca delírios de Cassandra em fresta
D'alma ponderável. Meus olhos grávidos,
Cravados em teus olhos civilizados,
Desatam os laços do beijo: segredo!...
18-3-2010.
Um beijo é um segredo que se diz na boca e não no ouvido.
Jean Rostand
Que segredo é esse que se diz na boca?
Que provoca eflúvios latinos na língua.
Doce dilúvio de águas que andam à míngua
Por entre a minha e a tua boca socrática.
Que arrebata à socranca fúteis suspiros.
Falta de ar, que faz coração, endoidecido,
Disparar a galope: centauro tido
Por Quíron em seu brincar com a Cariclo,
Ninfa bela, a fluir por manso rio e floresta!
Que segredo frugal não se diz no ouvido?
Que evoca delírios de Cassandra em fresta
D'alma ponderável. Meus olhos grávidos,
Cravados em teus olhos civilizados,
Desatam os laços do beijo: segredo!...
18-3-2010.
Urubu - Uburu
Edigles Guedes
Ah! Um urubu pousou na minha sorte!
Augusto dos Anjos
Ah! Um urubu albergou-se no meu fado!…
De tal sorte que o verme vil, que me rói
O corpo fétido, sorri do amargo
Ser aruá que sou! Um arroio, presto, se foi
Tão ab-rupto quanto aqui chegou. Fadado
Arroio: que era a minha sorte! Intrépido,
Permeou montanhas e vales olvidos.
Ah! Um urubu pernoitou no meu fado!…
Fazia escuro de noute negra, quando
Urubu pousou no galho da minha
Existência sutil, tal como gato
Entretido com novelo. Caminha,
Abstruso, urubu de grão desagrado!
Ah! Um urubu hospedou-se no meu fado!…
18-3-2010.
Ah! Um urubu pousou na minha sorte!
Augusto dos Anjos
Ah! Um urubu albergou-se no meu fado!…
De tal sorte que o verme vil, que me rói
O corpo fétido, sorri do amargo
Ser aruá que sou! Um arroio, presto, se foi
Tão ab-rupto quanto aqui chegou. Fadado
Arroio: que era a minha sorte! Intrépido,
Permeou montanhas e vales olvidos.
Ah! Um urubu pernoitou no meu fado!…
Fazia escuro de noute negra, quando
Urubu pousou no galho da minha
Existência sutil, tal como gato
Entretido com novelo. Caminha,
Abstruso, urubu de grão desagrado!
Ah! Um urubu hospedou-se no meu fado!…
18-3-2010.
Moço Beijo, Beijo Estrelado
Edigles Guedes
O beijo é uma estrofe que duas bocas rimam.
Coelho Neto
Que estrofe é essa que rimam duas bocas?
Que música de ave aguada por gotas
De chuva é essa? Gosto de pasmado
Estilo literário, de maníaco
Por léxicos clássicos. Gosto escasso!
Dois patinhos na lagoa… como remam
Os gondoleiros em Veneza. Passo
A passo, dois lábios se desencontram
Da face, para colarem tatuagem:
Cada qual por si no outro. Do pescoço
À ponta do pé: calafrio, miragem,
Arrepio. Beijo estrelado no frigir
Da frigideira; estatelado. Moço
Beijo que se vai tão cedo, sem reagir!…
18-3-2010.
O beijo é uma estrofe que duas bocas rimam.
Coelho Neto
Que estrofe é essa que rimam duas bocas?
Que música de ave aguada por gotas
De chuva é essa? Gosto de pasmado
Estilo literário, de maníaco
Por léxicos clássicos. Gosto escasso!
Dois patinhos na lagoa… como remam
Os gondoleiros em Veneza. Passo
A passo, dois lábios se desencontram
Da face, para colarem tatuagem:
Cada qual por si no outro. Do pescoço
À ponta do pé: calafrio, miragem,
Arrepio. Beijo estrelado no frigir
Da frigideira; estatelado. Moço
Beijo que se vai tão cedo, sem reagir!…
18-3-2010.
Medo Bruto
Edigles Guedes
A Mulher, a mais sagaz das criaturas,
Foi ver do fruto apetecível. Lado
A lado, deixou-se engodar por serpe
Fementida, que lhe convém branduras.
Eva, entorpecida, of’rece proibido
Fruto a Adão. O pobre, sonso, desentope
A boca para pecar co’ árvore
Desejável. Comem ambos do fruto
Agradável aos olhos, mas fajuto
À alma humana. Na viração, passeava
O Onipotente. Adão ouve a voz, corre
Da presença de Deus. Eva salteava
Por entre as árvores do jardim. Medo
Bruto brotou: fruto do atro pecado!…
16-3-2010.
A Mulher, a mais sagaz das criaturas,
Foi ver do fruto apetecível. Lado
A lado, deixou-se engodar por serpe
Fementida, que lhe convém branduras.
Eva, entorpecida, of’rece proibido
Fruto a Adão. O pobre, sonso, desentope
A boca para pecar co’ árvore
Desejável. Comem ambos do fruto
Agradável aos olhos, mas fajuto
À alma humana. Na viração, passeava
O Onipotente. Adão ouve a voz, corre
Da presença de Deus. Eva salteava
Por entre as árvores do jardim. Medo
Bruto brotou: fruto do atro pecado!…
16-3-2010.
Afeição e Ausência
Edigles Guedes
Outrora, eu cantava teus beijos de bem-te-vi; íntimos
Versos, que cindiam o meu coração em gomos partidos
De laranja da manhã. Hoje, procuro, e não acho os tomos
Do livro de insônia, em que padeço de Amor. Lúcido,
Caminho por uma rua ínvia, como ínvio são os meus tratos
Para co' olhos teus, tão distantes, em terras longínquas...
Por que partiste, amada minha? Se tão encarecido
Eu mendiguei que fincasse tuas garras mais propínquas
Do meu peito refece. Fere-me afeição ingrata, ata
Na minha fronte o teu ácido sorriso, retrato
Lato em minhas mãos tangíveis. O entardecer dilata
Essa lágrima, em que tarda a ausência dessa trova
De Amor terno: urdidura de Penélope em tecido.
A verdadeira afeição, na longa ausência se prova!...
17-3-2010.
Outrora, eu cantava teus beijos de bem-te-vi; íntimos
Versos, que cindiam o meu coração em gomos partidos
De laranja da manhã. Hoje, procuro, e não acho os tomos
Do livro de insônia, em que padeço de Amor. Lúcido,
Caminho por uma rua ínvia, como ínvio são os meus tratos
Para co' olhos teus, tão distantes, em terras longínquas...
Por que partiste, amada minha? Se tão encarecido
Eu mendiguei que fincasse tuas garras mais propínquas
Do meu peito refece. Fere-me afeição ingrata, ata
Na minha fronte o teu ácido sorriso, retrato
Lato em minhas mãos tangíveis. O entardecer dilata
Essa lágrima, em que tarda a ausência dessa trova
De Amor terno: urdidura de Penélope em tecido.
A verdadeira afeição, na longa ausência se prova!...
17-3-2010.
Chaga de Amor
Edigles Guedes
Quem fez essa chaga de Amor no peito
Meu? Que mão torta desenhou tal chaga?
Foi a tua mão que apunhalou de jeito,
Meu Amor, o coração ingrato! Praga
De Amor pega, e infecciona os rins d’alma.
Se não fosse assim, por qual motivo
Você chora? Sim, chorar limpa a lama
Tábida do coração taxativo.
Nesta noite de março, mosca reles
Pousou na sopa, estragando-a. Ventania
De sopro tépido tange que tangia
A mosca intrépida. Tanta dor dura,
Mais forte dói: mosca em chaga vã e imbele!
A chaga do Amor, quem a faz a sara!…
16-3-2010.
Quem fez essa chaga de Amor no peito
Meu? Que mão torta desenhou tal chaga?
Foi a tua mão que apunhalou de jeito,
Meu Amor, o coração ingrato! Praga
De Amor pega, e infecciona os rins d’alma.
Se não fosse assim, por qual motivo
Você chora? Sim, chorar limpa a lama
Tábida do coração taxativo.
Nesta noite de março, mosca reles
Pousou na sopa, estragando-a. Ventania
De sopro tépido tange que tangia
A mosca intrépida. Tanta dor dura,
Mais forte dói: mosca em chaga vã e imbele!
A chaga do Amor, quem a faz a sara!…
16-3-2010.
Que Dores
Edigles Guedes
Que dores são essas, que me sinto?
Dores que doem a minh’alma, salvo
Aquele lídimo sentimento!…
Dentro do pensamento alusivo
Ao meu ser, existe a querela:
Do ser outro de mim (eis que minto)
Ao ser que me perco, de mi’ amigo.
Que dores são essas, que me sinto?
São dores de amores, que navegam
A minh’alma — naufraga comigo
Da nau de mim. Vagas, puídas, vergam
Inóspitas procelas. As velas
Páticas enxergam a bonança
Serôdia, no alvorecer da esp’rança!…
15-3-2010.
Que dores são essas, que me sinto?
Dores que doem a minh’alma, salvo
Aquele lídimo sentimento!…
Dentro do pensamento alusivo
Ao meu ser, existe a querela:
Do ser outro de mim (eis que minto)
Ao ser que me perco, de mi’ amigo.
Que dores são essas, que me sinto?
São dores de amores, que navegam
A minh’alma — naufraga comigo
Da nau de mim. Vagas, puídas, vergam
Inóspitas procelas. As velas
Páticas enxergam a bonança
Serôdia, no alvorecer da esp’rança!…
15-3-2010.
Perto do meu Jardim de Delícias
Edigles Guedes
Que dano há em meus olhos a de ver?
O mesmo dano que há em a não ter
Perto do meu jardim de delícias.
As tuas víscidas mãos em carícias.
Os teus beijos tépidos, úvidos,
Vívidos, ao pé do meu ouvido…
Causam-me dano por tê-la a palmo
De minhas mãos. Tocá-la por viola
Plangente nos meus braços. Eu, calmo,
Sigo tateando sua tez. Cautela,
Tal qual Pablo Picasso em pintura
Cubista de suas mulheres. Dano
Não há na tela em que o vil dorso dela
Repousa. Amor, que Amor meridiano!…
15-3-2010.
Que dano há em meus olhos a de ver?
O mesmo dano que há em a não ter
Perto do meu jardim de delícias.
As tuas víscidas mãos em carícias.
Os teus beijos tépidos, úvidos,
Vívidos, ao pé do meu ouvido…
Causam-me dano por tê-la a palmo
De minhas mãos. Tocá-la por viola
Plangente nos meus braços. Eu, calmo,
Sigo tateando sua tez. Cautela,
Tal qual Pablo Picasso em pintura
Cubista de suas mulheres. Dano
Não há na tela em que o vil dorso dela
Repousa. Amor, que Amor meridiano!…
15-3-2010.
Alma Treda
Edigles Guedes
Por enquanto, Senhora, quis Amor que me amasse;
De tal maneira que Amor vicejasse na terra
Do meu peito; semeado por boca prisca, que erra,
Roçando os meus pelos eriçados. Tal como se
A água do Mar bebesse, e por mais que salgado
Fosse, mor era a sede de bebê-la por doce
Água; tal como se findasse o dia, antes márcido,
Num céu toldado, e gota de chuva perfurasse
O horizonte infinito e curvo de sua máquina
Do mundo. Ah! gota de chuva, que leva consigo
Essa tórpida máquina do mundo! Lancinas
Em mim essa dor voraz, por quem a treição muda
Meu semblante olvido. Amigo, coração trêfego,
Se não deixes velhaquear por alma leda e treda!…
15-3-2010.
Por enquanto, Senhora, quis Amor que me amasse;
De tal maneira que Amor vicejasse na terra
Do meu peito; semeado por boca prisca, que erra,
Roçando os meus pelos eriçados. Tal como se
A água do Mar bebesse, e por mais que salgado
Fosse, mor era a sede de bebê-la por doce
Água; tal como se findasse o dia, antes márcido,
Num céu toldado, e gota de chuva perfurasse
O horizonte infinito e curvo de sua máquina
Do mundo. Ah! gota de chuva, que leva consigo
Essa tórpida máquina do mundo! Lancinas
Em mim essa dor voraz, por quem a treição muda
Meu semblante olvido. Amigo, coração trêfego,
Se não deixes velhaquear por alma leda e treda!…
15-3-2010.
Mosca
Edigles Guedes
Uma mosca de asas frígidas,
De pernas bastantes róxidas,
De bom paralelepípedo
Reto na pachorrra. Róxidos
Olhos: bárbaros e compostos;
Que se felicitam nos postos,
Na vanguarda do rosto imberbe.
As patas geram hecatombes
Por bactérias nocivas. Danos
Obnóxios aos de trato humano.
Fosco corpo paquidérmico.
Pneumotórax de voz. Nanico
Inseto, vento de volição,
Volve matéria de afobação!…
15-3-2010.
Uma mosca de asas frígidas,
De pernas bastantes róxidas,
De bom paralelepípedo
Reto na pachorrra. Róxidos
Olhos: bárbaros e compostos;
Que se felicitam nos postos,
Na vanguarda do rosto imberbe.
As patas geram hecatombes
Por bactérias nocivas. Danos
Obnóxios aos de trato humano.
Fosco corpo paquidérmico.
Pneumotórax de voz. Nanico
Inseto, vento de volição,
Volve matéria de afobação!…
15-3-2010.
Nau Tosca, Ventos Ilesos
Edigles Guedes
Desvencilhei velas pandas,
Adornei leme ríspido.
Enfunou vento tórrido
Os fiapos de velas findas...
A embarcação mui flutuava
Pelo mar de desgrenhados
Cabelos. Ventos salgados,
Nefandos, que a nau empurrava.
Esta nau Fado é. Férvidos
Ventos são teias, quando Parcas
Indômitas tecem Fado.
Que Fardo é esse? Que peso
Nos ombros! Nas mãos: Noé de arca?…
Nau tosca, ventos ilesos!…
14-3-2010.
Desvencilhei velas pandas,
Adornei leme ríspido.
Enfunou vento tórrido
Os fiapos de velas findas...
A embarcação mui flutuava
Pelo mar de desgrenhados
Cabelos. Ventos salgados,
Nefandos, que a nau empurrava.
Esta nau Fado é. Férvidos
Ventos são teias, quando Parcas
Indômitas tecem Fado.
Que Fardo é esse? Que peso
Nos ombros! Nas mãos: Noé de arca?…
Nau tosca, ventos ilesos!…
14-3-2010.
Beijo de Fada
Edigles Guedes
Um beijo legítimo nunca vale tanto como um beijo furtado.
Guy de Maupassant
Apraz-me sentir em meus lábios
Os lábios teus, assaz jungidos.
Eis que por sentir este sábio
Labro ao meu — logo, galardoados
Por pruridos indescritíveis —
Eu, casto, almejei a tua tórrida
Pele calada em susceptíveis
Beijos furtados. Em venida
Por mim, cá, a tua boca rendeu-se:
Vencida por um curto ósculo.
Meus olhos nos olhos teus, doces
Flamingos pairavam na escada
Do colégio. E fiquei trêmulo,
Por aquele beijo de fada!...
13-2-2010.
Um beijo legítimo nunca vale tanto como um beijo furtado.
Guy de Maupassant
Apraz-me sentir em meus lábios
Os lábios teus, assaz jungidos.
Eis que por sentir este sábio
Labro ao meu — logo, galardoados
Por pruridos indescritíveis —
Eu, casto, almejei a tua tórrida
Pele calada em susceptíveis
Beijos furtados. Em venida
Por mim, cá, a tua boca rendeu-se:
Vencida por um curto ósculo.
Meus olhos nos olhos teus, doces
Flamingos pairavam na escada
Do colégio. E fiquei trêmulo,
Por aquele beijo de fada!...
13-2-2010.
Enquanto Escovavas os Dentes
Edigles Guedes
Tu escovavas os dentes por entre espumas
Dalgum dentifrício. E, enquanto escovavas,
Deixavas transparecer no vidro d'alma
O teu sorriso. Ah! manhã que se louvava...
Teus olhos garços, no espelho translúcido,
Rumorejavam o alisar da água verde
Na pele da pia matutina. Roupido
Em meu roupão azul-marinho, a septicorde
Mãos minhas naufragavam em tua cernelha.
Esgarcei uma carícia na minha ovelha
Benquista. Tu me olhavas languidamente.
A água (como riacho cândido, que inerte,
Mira no horizonte da cachoeira) troou:
— Beijas esses dentes alvos, senão eu me acamboo!...
13-2-2010.
Tu escovavas os dentes por entre espumas
Dalgum dentifrício. E, enquanto escovavas,
Deixavas transparecer no vidro d'alma
O teu sorriso. Ah! manhã que se louvava...
Teus olhos garços, no espelho translúcido,
Rumorejavam o alisar da água verde
Na pele da pia matutina. Roupido
Em meu roupão azul-marinho, a septicorde
Mãos minhas naufragavam em tua cernelha.
Esgarcei uma carícia na minha ovelha
Benquista. Tu me olhavas languidamente.
A água (como riacho cândido, que inerte,
Mira no horizonte da cachoeira) troou:
— Beijas esses dentes alvos, senão eu me acamboo!...
13-2-2010.
O Amor é Cínico Cego
Edigles Guedes
Leixei-me quedar num abismo escuríssimo,
Como Excalibur — certa espada armipotente
Do valoroso rei Artur — foi jogada (no istmo
De sua morte ao seu mito) num lago; e os candentes
Braços duma Senhora acolhera-a em seu regaço.
Agora, neste claustro, cumpro pena em lugar
Do réu — meu coração! —, que clama pelo laço
De perdão da Dama amada. Vida: a subjugar
Meus desdouros flamantes de Amor, consumidos
Pelas mágoas dos olhos teus. Vivo, portanto,
A pelejar contra sentimento dorido,
Que me abisma sua incisão na descabida
Alma. Amor é cínico cego que vê o visto,
Mas cala-se a boca cérida e comovida!…
13-2-2010.
Leixei-me quedar num abismo escuríssimo,
Como Excalibur — certa espada armipotente
Do valoroso rei Artur — foi jogada (no istmo
De sua morte ao seu mito) num lago; e os candentes
Braços duma Senhora acolhera-a em seu regaço.
Agora, neste claustro, cumpro pena em lugar
Do réu — meu coração! —, que clama pelo laço
De perdão da Dama amada. Vida: a subjugar
Meus desdouros flamantes de Amor, consumidos
Pelas mágoas dos olhos teus. Vivo, portanto,
A pelejar contra sentimento dorido,
Que me abisma sua incisão na descabida
Alma. Amor é cínico cego que vê o visto,
Mas cala-se a boca cérida e comovida!…
13-2-2010.
Pétalas de Amor
Edigles Guedes
Isaque, uma vez pretérito de dias,
Cego caminhava no seu atro leito;
Quando mandou seu filho Esaú de peito
Túrgido, co' aljavas e arcos ir, por via
De floresta ou campo, atrás duma caça
Para guisado sápido. Foi-se Esaú,
Tigrado; veio Jacó, de tratadas baú,
E por caça, lentilhas de sopa assa.
Jacó de conluio com Rebeca of'rece
O manjar a Isaque, que já perece.
Jacó: regou logro, colheu pérola.
Assim, Senhora, finges Amor me dar;
Quando, em verdade, sofro eu co' este penar
De Amor não colher sequer as pétalas!...
13-2-2010.
Isaque, uma vez pretérito de dias,
Cego caminhava no seu atro leito;
Quando mandou seu filho Esaú de peito
Túrgido, co' aljavas e arcos ir, por via
De floresta ou campo, atrás duma caça
Para guisado sápido. Foi-se Esaú,
Tigrado; veio Jacó, de tratadas baú,
E por caça, lentilhas de sopa assa.
Jacó de conluio com Rebeca of'rece
O manjar a Isaque, que já perece.
Jacó: regou logro, colheu pérola.
Assim, Senhora, finges Amor me dar;
Quando, em verdade, sofro eu co' este penar
De Amor não colher sequer as pétalas!...
13-2-2010.
Atei-me a mim
Edigles Guedes
Foi só um momento, e vi-me. Depois já não sei sequer dizer o que fui.
Fernando Pessoa
Atei-me a mim só por um breve momento,
Como quem amarra aos laços os sapatos.
Não sei que Amor se compraz ou dor imberbe
Em me enlear aos braços bastantes, alforbes
De amores. Então, por Amor cerzir meu imo
Aos pedaços; teci sobremanhãs, teso,
Nas espáduas, no colo de Amor vindimo!...
Enfastiado dia! Meu coração contuso
Quer o ósculo da donzela, que graciosa
Baila no campo em flor. Um beijo cúpido
Na cútis da serrana bela, amaviosa.
Eu, zagal râncido, por campos róridos,
Turbo-me ao ver Amor plangendo, castiço,
Seu aljôfar, em campinas, graúdas, de enliços!...
12.3.2010.
Foi só um momento, e vi-me. Depois já não sei sequer dizer o que fui.
Fernando Pessoa
Atei-me a mim só por um breve momento,
Como quem amarra aos laços os sapatos.
Não sei que Amor se compraz ou dor imberbe
Em me enlear aos braços bastantes, alforbes
De amores. Então, por Amor cerzir meu imo
Aos pedaços; teci sobremanhãs, teso,
Nas espáduas, no colo de Amor vindimo!...
Enfastiado dia! Meu coração contuso
Quer o ósculo da donzela, que graciosa
Baila no campo em flor. Um beijo cúpido
Na cútis da serrana bela, amaviosa.
Eu, zagal râncido, por campos róridos,
Turbo-me ao ver Amor plangendo, castiço,
Seu aljôfar, em campinas, graúdas, de enliços!...
12.3.2010.
Quem Olha
Edigles Guedes
Quem olha para fora, sonha. Quem olha para dentro, desperta.
Carl Gustav Jung
Quem olha para fora, voa e sonha;
Porque sonhar é sem fim, ventura;
É a pujança que brota em candura
Dos olhos que soam. Címbalo em fronhas
A quem se ama: os pombinhos ciumandos.
Voam, assim, os sonhos caprichosos,
Dos arrebóis. Sonhos co' asas certas.
Quem olha para dentro, desperta.
Tateio as paredes de dentro em mim
E encontro o grifo, cá, acorrentado,
Como Prometeu inglório, sonhoso,
Angustiado por águia em jardim
De aflições. Logo, o despertar partiu
Sua procura em mim; quem lhe repartiu?...
12.3.2010.
Quem olha para fora, sonha. Quem olha para dentro, desperta.
Carl Gustav Jung
Quem olha para fora, voa e sonha;
Porque sonhar é sem fim, ventura;
É a pujança que brota em candura
Dos olhos que soam. Címbalo em fronhas
A quem se ama: os pombinhos ciumandos.
Voam, assim, os sonhos caprichosos,
Dos arrebóis. Sonhos co' asas certas.
Quem olha para dentro, desperta.
Tateio as paredes de dentro em mim
E encontro o grifo, cá, acorrentado,
Como Prometeu inglório, sonhoso,
Angustiado por águia em jardim
De aflições. Logo, o despertar partiu
Sua procura em mim; quem lhe repartiu?...
12.3.2010.
Alma Decorativa
Edigles Guedes
Deus fez da minha alma uma coisa decorativa.
Fernando Pessoa
Deus fez um jardim da minh'alma
De crisântemo, flor singela
Que emudece o colibri, calma
Bonançosa, mui magricela...
Se minh'alma é decorativa?
Eu creio que todas são: ou de vasos
Em cacos, ou de ânforas vivas...
Destarte, chovendo olhos rasos
No jardim de minh'alma, lassa,
De labutar contra a tormenta
Do Mar rubicundo. O Mar assa
Suas asas na areia da praia sonsa.
A alma frustrada assaz se lamenta
Tinge-se de sereias, loas mansas...
12.3.2010.
Deus fez da minha alma uma coisa decorativa.
Fernando Pessoa
Deus fez um jardim da minh'alma
De crisântemo, flor singela
Que emudece o colibri, calma
Bonançosa, mui magricela...
Se minh'alma é decorativa?
Eu creio que todas são: ou de vasos
Em cacos, ou de ânforas vivas...
Destarte, chovendo olhos rasos
No jardim de minh'alma, lassa,
De labutar contra a tormenta
Do Mar rubicundo. O Mar assa
Suas asas na areia da praia sonsa.
A alma frustrada assaz se lamenta
Tinge-se de sereias, loas mansas...
12.3.2010.
Água Corrente; Amor
Edigles Guedes
Uma cousa que tanto anda
E nunca chega aonde quere…
Dizem as línguas benditas:
É a água corrente, líquida.
Já eu digo que é peraltice
De Amor; que, com lança, fere
A alma lúrida, interdita…
Ilíquido Amor, que pasce
O Mar de cama, lúbrico;
O Mar em casal lírico
Co’a Rocha: coral de palor!…
No frigir dos ovos, o olor
De Amor rescende por toda
Parte. Que vápida vida!…
11-3-2010.
Uma cousa que tanto anda
E nunca chega aonde quere…
Dizem as línguas benditas:
É a água corrente, líquida.
Já eu digo que é peraltice
De Amor; que, com lança, fere
A alma lúrida, interdita…
Ilíquido Amor, que pasce
O Mar de cama, lúbrico;
O Mar em casal lírico
Co’a Rocha: coral de palor!…
No frigir dos ovos, o olor
De Amor rescende por toda
Parte. Que vápida vida!…
11-3-2010.
Estorvo
Edigles Guedes
Serve-me de estorvo esse coração contrito,
Cujo hábito antigo me enleio, como se prende
A tenra mosca na teia tênue, tal ataúde
Que miúde faz vezes de claustro inane. Fito,
Co'os olhos desenganados e hirtos, o fim
Da transitoriedade humana: laivos de Amor —
Padecer no crepúsculo do dia de marfim...
Dessarte, consente Amor acanho em dor, dor mor...
No seio de quem apetece, fugaz, distender
O céu de nuvens alvas. Minh'alma túrbida
De Amor, persegue: flecha nauseabunda, o entender
De tão graúde de dor por tão mísero e indigesto
Amor. Meus sapatos alígeros vão. Vida,
Precípite, aos abraços do dia profesto!...
11-3-2010.
Serve-me de estorvo esse coração contrito,
Cujo hábito antigo me enleio, como se prende
A tenra mosca na teia tênue, tal ataúde
Que miúde faz vezes de claustro inane. Fito,
Co'os olhos desenganados e hirtos, o fim
Da transitoriedade humana: laivos de Amor —
Padecer no crepúsculo do dia de marfim...
Dessarte, consente Amor acanho em dor, dor mor...
No seio de quem apetece, fugaz, distender
O céu de nuvens alvas. Minh'alma túrbida
De Amor, persegue: flecha nauseabunda, o entender
De tão graúde de dor por tão mísero e indigesto
Amor. Meus sapatos alígeros vão. Vida,
Precípite, aos abraços do dia profesto!...
11-3-2010.
Tardio, Chegas ao meu Pouso
Edigles Guedes
Tardio, caro Amor, chegas ao meu pouso...
Em paragens longínquas e tacanhas,
Tu perambulaste. Demais façanhas
Fizeste em périplo de Argonauta. Ouso
Dizer-te que mares extraordinários
Desbravaste, com tuas velas infandas...
O timoneiro do Amor (que sou) por rios
Infinitos naveguei. Nau enfunada
Dirigi por vagas que truculentas
Pelejaram em engolir-me. Bastos
Vendavais arrancaram-me o velame.
Tempestade, que ruda e suculenta,
Tragou-me o desassossego. Recato
Atroce achei nas palavras implumes...
11-3-2010.
Tardio, caro Amor, chegas ao meu pouso...
Em paragens longínquas e tacanhas,
Tu perambulaste. Demais façanhas
Fizeste em périplo de Argonauta. Ouso
Dizer-te que mares extraordinários
Desbravaste, com tuas velas infandas...
O timoneiro do Amor (que sou) por rios
Infinitos naveguei. Nau enfunada
Dirigi por vagas que truculentas
Pelejaram em engolir-me. Bastos
Vendavais arrancaram-me o velame.
Tempestade, que ruda e suculenta,
Tragou-me o desassossego. Recato
Atroce achei nas palavras implumes...
11-3-2010.
A Fernando Pessoa
Edigles Guedes
Sagrou-te o Mar português infante
Das lágrimas salgadas. Um grifo,
Que por símbolo luso e sonante
Da língua tornaste. Teus áglifos
Versos inoculaste-os por papel
Almaço, na datilografia indez
De quem muitos dicionários comeu.
A tua pena etimológica, vez
A vez, sobrevive ao cotidiano
De tuas ânsias, e mágoas, e quadras.
Fazias à sestra mão Cancioneiro
Teu: inigualável arte! Anódino,
Com teu sobretudo em mil esquadras
Portuguesas, andas altaneiro…
10-3-2010.
Sagrou-te o Mar português infante
Das lágrimas salgadas. Um grifo,
Que por símbolo luso e sonante
Da língua tornaste. Teus áglifos
Versos inoculaste-os por papel
Almaço, na datilografia indez
De quem muitos dicionários comeu.
A tua pena etimológica, vez
A vez, sobrevive ao cotidiano
De tuas ânsias, e mágoas, e quadras.
Fazias à sestra mão Cancioneiro
Teu: inigualável arte! Anódino,
Com teu sobretudo em mil esquadras
Portuguesas, andas altaneiro…
10-3-2010.
Alma vil
Edigles Guedes
Senhor, a noite veio e a alma é vil.
Fernando Pessoa
Senhor, perdoe-me pela noite metafísica
Que há em mim! Eu sei que pequei! Fraco, esmorecido
Estou, porque calei o meu pecar à magnífica
Lei Tua. Perdoa-me, estou demasiado arrependido.
Embalde, como o filho pródigo, busquei alento
Em outros pastos. Ovelha perdida, prostrada
Longe de ti em algum abismo. Coração, lento
Pulsava em sirtes. Oh, que tão longínqua estrada
O Senhor encontrou-me desvalido!…E trapo
Humano! Mas, o Senhor estendeu a mão para mim,
Como o bom Pastor à ovelha combalida. Guapo
Coração esfarinhou-se ante a Tua benignidade.
Alma vil, não chores!… A Esp’rança despontou assim:
O Senhor salvou-me do abismo da iniquidade!…
10-3-2010.
Senhor, a noite veio e a alma é vil.
Fernando Pessoa
Senhor, perdoe-me pela noite metafísica
Que há em mim! Eu sei que pequei! Fraco, esmorecido
Estou, porque calei o meu pecar à magnífica
Lei Tua. Perdoa-me, estou demasiado arrependido.
Embalde, como o filho pródigo, busquei alento
Em outros pastos. Ovelha perdida, prostrada
Longe de ti em algum abismo. Coração, lento
Pulsava em sirtes. Oh, que tão longínqua estrada
O Senhor encontrou-me desvalido!…E trapo
Humano! Mas, o Senhor estendeu a mão para mim,
Como o bom Pastor à ovelha combalida. Guapo
Coração esfarinhou-se ante a Tua benignidade.
Alma vil, não chores!… A Esp’rança despontou assim:
O Senhor salvou-me do abismo da iniquidade!…
10-3-2010.
Uma Cãibra
Edigles Guedes
O homem e a hora são um só.
Fernando Pessoa
Há uma cãibra que me afoga os pensamentos.
Não é cãibra qualquer; mas, cãibra de ser homem
E pisar de mansinho meus sentimentos
Tão descontentes de Amor. Assoma, que vem,
Uma nuvem a cavalgar o horizonte.
O Amor está tão longe quanto os sapatos
Absortos estão da terra fumegante.
Deveras, o Amor está-me assaz contorto.
A hora inunda a minha vida impérvia e breve.
Uma a uma, as pétalas da manhã acaecem.
Os ventos madrastos e ágeis emudecem
O frio da cãibra que me atola os tormentos
Na lama das horas bastas. Que almocreve
Levou o homem e a hora a tinir combustos?
10-3-2010.
O homem e a hora são um só.
Fernando Pessoa
Há uma cãibra que me afoga os pensamentos.
Não é cãibra qualquer; mas, cãibra de ser homem
E pisar de mansinho meus sentimentos
Tão descontentes de Amor. Assoma, que vem,
Uma nuvem a cavalgar o horizonte.
O Amor está tão longe quanto os sapatos
Absortos estão da terra fumegante.
Deveras, o Amor está-me assaz contorto.
A hora inunda a minha vida impérvia e breve.
Uma a uma, as pétalas da manhã acaecem.
Os ventos madrastos e ágeis emudecem
O frio da cãibra que me atola os tormentos
Na lama das horas bastas. Que almocreve
Levou o homem e a hora a tinir combustos?
10-3-2010.
Levei Minha nau
Edigles Guedes
Levei minha Nau ao recato de uma baía;
O que esses meus olhos, que há de comer
A terra, viram? Enxergaram a gaia
Sapiência de um isóptero a carcomer
A madeira de angústia e furta-cor
Do dia. A minha Nau há de velejar,
Salvaguardada por rocha de roncor
Do Mar. Essa rocha frágil a arrojar
O torpor da imensidão marítima.
Mar, ó Mar!… Quem levou minha Nau ao alto
Das vagas rábidas. Foi a tormenta má?…
Debalde, o mar me não respinga, esvelto
Em seu olhar rúbido, que descabido
Repreende-me. Eis que a Nau singra o bramido!…
9-3-2010
Levei minha Nau ao recato de uma baía;
O que esses meus olhos, que há de comer
A terra, viram? Enxergaram a gaia
Sapiência de um isóptero a carcomer
A madeira de angústia e furta-cor
Do dia. A minha Nau há de velejar,
Salvaguardada por rocha de roncor
Do Mar. Essa rocha frágil a arrojar
O torpor da imensidão marítima.
Mar, ó Mar!… Quem levou minha Nau ao alto
Das vagas rábidas. Foi a tormenta má?…
Debalde, o mar me não respinga, esvelto
Em seu olhar rúbido, que descabido
Repreende-me. Eis que a Nau singra o bramido!…
9-3-2010
O Amor não Passa de Uma Pobre Cousa
Edigles Guedes
...[um grande amor] não passa duma pobre coisa banal
e incompleta, imperfeita e absurda, que nos deixa
iguais, miseravelmente iguais ao que éramos dantes,
ao que continuaremos a ser.
Florbela Espanca
O Amor não passa de uma pobre cousa banal e incompleta?
De tão sofrido e doloroso sofrer por Amor, cálido
Estou na aparência do dia. A lua, alvadia, atroz e braquígnata,
Uiva seu cântico de queijo coalho. Encontro-me ávido
De sentimentos sublimes de Amor. Espada de dois gumes
É o Amor; ele contigo porfia, vocifera, desgasta.
Desgasta o transitório da garrafa náufraga: que lume!…
O Amor não é de uma pobre cousa absurda e imperfeita?
Não sei se o Amor é imperfeito... Só sei que tem seus defeitos.
E quem não os têm? Atire a primeira pedra. Somos: pé e seta?
Seta que não atinge o alvo do Amor platônico, eleito
Por outro coração amado. Não sei se o Amor é absurdo;
Mas, sei que acalenta o meu pranto, pungindo-me mor lanceta
Na minh’alma infida e lúrida. Sim, o Amor é desabrido!...
9-3-2010.
...[um grande amor] não passa duma pobre coisa banal
e incompleta, imperfeita e absurda, que nos deixa
iguais, miseravelmente iguais ao que éramos dantes,
ao que continuaremos a ser.
Florbela Espanca
O Amor não passa de uma pobre cousa banal e incompleta?
De tão sofrido e doloroso sofrer por Amor, cálido
Estou na aparência do dia. A lua, alvadia, atroz e braquígnata,
Uiva seu cântico de queijo coalho. Encontro-me ávido
De sentimentos sublimes de Amor. Espada de dois gumes
É o Amor; ele contigo porfia, vocifera, desgasta.
Desgasta o transitório da garrafa náufraga: que lume!…
O Amor não é de uma pobre cousa absurda e imperfeita?
Não sei se o Amor é imperfeito... Só sei que tem seus defeitos.
E quem não os têm? Atire a primeira pedra. Somos: pé e seta?
Seta que não atinge o alvo do Amor platônico, eleito
Por outro coração amado. Não sei se o Amor é absurdo;
Mas, sei que acalenta o meu pranto, pungindo-me mor lanceta
Na minh’alma infida e lúrida. Sim, o Amor é desabrido!...
9-3-2010.
O Vento Pascia as Nuvens
Edigles Guedes
O Vento — de cor azul e lasso —
Dobrou o páramo esquálido,
Na manhã que folgança de março.
Vento insólito e combalido!…
Nuvens aurifúlgidas e infractas,
Ao sabor do pincel de Verlaine,
Amalgamavam o céu. Transactas
Nuvens deambulavam, tais aerofones.
O Vento pascia as Nuvens plácidas!…
Eu regozijei-me co’a Pastora
Do meu Coração. Com mãos dúlcidas,
Ela cerziu paixão no tórax são
De mim. Eu declamei a gaiata Aurora:
Há Amor que se jubila o Coração!…
8-3-2010.
O Vento — de cor azul e lasso —
Dobrou o páramo esquálido,
Na manhã que folgança de março.
Vento insólito e combalido!…
Nuvens aurifúlgidas e infractas,
Ao sabor do pincel de Verlaine,
Amalgamavam o céu. Transactas
Nuvens deambulavam, tais aerofones.
O Vento pascia as Nuvens plácidas!…
Eu regozijei-me co’a Pastora
Do meu Coração. Com mãos dúlcidas,
Ela cerziu paixão no tórax são
De mim. Eu declamei a gaiata Aurora:
Há Amor que se jubila o Coração!…
8-3-2010.
Paisagem Marítima
Edigles Guedes
A vaga do Mar violentou desassossego
Do Rochedo; as escumas culminaram, sonsas,
Em glória de existir por um breve fôlego
De vida; as bolhas salgavam a tarde alonsa;
Anêmonas acaracolavam guarda-sóis;
As conchas encaramujavam-se moluscos;
As algas encaranguejavam-se girassóis;
As estrelas do mar caçoavam tentáculos;
O plâncton estava abundoso, intransponível…
A onda goteja suas escumas, que alarida!…
O vaivém choraminga o lixo descartável.
O vento boqueja seus lamentos nas águas.
A areia tão vítrea, tão fulgente, tão aborrida,
Deixa-se lavar por minhas álbidas Mágoas…
7-3-2010.
A vaga do Mar violentou desassossego
Do Rochedo; as escumas culminaram, sonsas,
Em glória de existir por um breve fôlego
De vida; as bolhas salgavam a tarde alonsa;
Anêmonas acaracolavam guarda-sóis;
As conchas encaramujavam-se moluscos;
As algas encaranguejavam-se girassóis;
As estrelas do mar caçoavam tentáculos;
O plâncton estava abundoso, intransponível…
A onda goteja suas escumas, que alarida!…
O vaivém choraminga o lixo descartável.
O vento boqueja seus lamentos nas águas.
A areia tão vítrea, tão fulgente, tão aborrida,
Deixa-se lavar por minhas álbidas Mágoas…
7-3-2010.
Autorretrato
Edigles Guedes
Teus são esses óculos furibundos;
Tua camisa de botões, mangas curtas;
Tua calça comprida, de vestimenta;
Teus olhos flácidos, meditabundos;
Teus sapatos negros, com graxa álgida;
Tua pele castanha, gáudia, de anfíbio,
Inebria tua tarde luada, lânguida;
Tua sensatez, que te cinge de brios;
Teu rosto inube, que, sem mácula,
Sofre aleivosia da mulher amada,
Tolera o blefe dos amigos da onça;
Joeira em tua índole a pequena trela:
Que o Amor te pungiu co’ adaga alada
Por trás. Eu que careço de querença!…
7-3-2010.
Teus são esses óculos furibundos;
Tua camisa de botões, mangas curtas;
Tua calça comprida, de vestimenta;
Teus olhos flácidos, meditabundos;
Teus sapatos negros, com graxa álgida;
Tua pele castanha, gáudia, de anfíbio,
Inebria tua tarde luada, lânguida;
Tua sensatez, que te cinge de brios;
Teu rosto inube, que, sem mácula,
Sofre aleivosia da mulher amada,
Tolera o blefe dos amigos da onça;
Joeira em tua índole a pequena trela:
Que o Amor te pungiu co’ adaga alada
Por trás. Eu que careço de querença!…
7-3-2010.
Que Fazer?
Edigles Guedes
O que fazer?
Mulher largou,
Frio cortou-se,
Bonde calou.
O que fazer?
Doce acabou,
Rio findou-se,
Leite coalhou.
O que fazer?
A isca logrou,
O trem foi-se,
O ovo gorou.
Madrugada
Sem escape!...
7-3-2010.
O que fazer?
Mulher largou,
Frio cortou-se,
Bonde calou.
O que fazer?
Doce acabou,
Rio findou-se,
Leite coalhou.
O que fazer?
A isca logrou,
O trem foi-se,
O ovo gorou.
Madrugada
Sem escape!...
7-3-2010.
Ontem foi Cedo
Edigles Guedes
Ontem foi cedo para conhecer a vida,
Que lancina no regaço da Poesia. Agora,
Sobejou-me saber a Poesia na virada
Da canoa da vida. Ela, com resbordo, marca
Registrada do alvorescer, que (sara?) tarda
A florescer do novelo das horas. Tudo
É tão infinito quanto alma, que (felizarda)
Golpeia, bruta, no coração dilacerado
De dor. Por quem choras esse aljôfar em gotas,
Minh’alma? Choras por mim? Quem sou? Não mereço,
Sinceramente, não mereço!… Sou tropeço
No sendeiro dos outros, como a pedra basta
No caminho de Drummond. Bem, resguardas
O teu pé para não tropeçar, resignada!…
7-3-2010.
Ontem foi cedo para conhecer a vida,
Que lancina no regaço da Poesia. Agora,
Sobejou-me saber a Poesia na virada
Da canoa da vida. Ela, com resbordo, marca
Registrada do alvorescer, que (sara?) tarda
A florescer do novelo das horas. Tudo
É tão infinito quanto alma, que (felizarda)
Golpeia, bruta, no coração dilacerado
De dor. Por quem choras esse aljôfar em gotas,
Minh’alma? Choras por mim? Quem sou? Não mereço,
Sinceramente, não mereço!… Sou tropeço
No sendeiro dos outros, como a pedra basta
No caminho de Drummond. Bem, resguardas
O teu pé para não tropeçar, resignada!…
7-3-2010.
É mais Fácil Evitar o Amor...
Edigles Guedes
É mais fácil evitar o Amor, quando inda se não tem;
Que deixá-lo, quando existe. Mas, eu sou demasiado
Incomensurável, quando te amo!… É como se o pardo
Mar, que há dentro da caixa de pensamentos, num pentem
Olvidasse um piolho de memória assaz devastada.
Antes, eu não tivesse exp’rimentado do estrépito
Amor, essa Dama cálida. Sagazmente apito
Para a carruagem do Amor: Pare!… Respeite a balada
Em trânsito do meu Coração, flechado por uma
Hedionda seta de Cupido infausto. Naquela
Manhã, que sorriste para mim; e eu sorria a ti, alguma
Cousa fisgou-me pela atmosfera, cá, perniciosa
De ventos. Não foram teus feromônios… Ah, com gula
De devorar-me!… Era o Amor: a deixá-la adulteriosa!
7-3-2010.
É mais fácil evitar o Amor, quando inda se não tem;
Que deixá-lo, quando existe. Mas, eu sou demasiado
Incomensurável, quando te amo!… É como se o pardo
Mar, que há dentro da caixa de pensamentos, num pentem
Olvidasse um piolho de memória assaz devastada.
Antes, eu não tivesse exp’rimentado do estrépito
Amor, essa Dama cálida. Sagazmente apito
Para a carruagem do Amor: Pare!… Respeite a balada
Em trânsito do meu Coração, flechado por uma
Hedionda seta de Cupido infausto. Naquela
Manhã, que sorriste para mim; e eu sorria a ti, alguma
Cousa fisgou-me pela atmosfera, cá, perniciosa
De ventos. Não foram teus feromônios… Ah, com gula
De devorar-me!… Era o Amor: a deixá-la adulteriosa!
7-3-2010.
Amor que Azulece
Edigles Guedes
A emenda saiu pior do que o soneto.
Eu juro que tentei, porém frustrei
Todas as minhas fúrias. Deserto
Estou de mim. Pálido, aviltrei
Uma solução para o mal de Amor.
Sabes qual é? Desvencilhar-me de
Ti. Minha Dama não escuta o clamor
Do meu talhe infante. Juventude,
Que fonte eu não compraria? Por um triz,
Que me afogo no Oceano, vassalo
De tuas madeixas. Perdoe-me, auletriz,
Por meu ciúme obsessivo. Calo-me,
Eu morro que padeço de zelo
Por ti. Amor que azulece meu abdome!…
7-3-2010.
A emenda saiu pior do que o soneto.
Eu juro que tentei, porém frustrei
Todas as minhas fúrias. Deserto
Estou de mim. Pálido, aviltrei
Uma solução para o mal de Amor.
Sabes qual é? Desvencilhar-me de
Ti. Minha Dama não escuta o clamor
Do meu talhe infante. Juventude,
Que fonte eu não compraria? Por um triz,
Que me afogo no Oceano, vassalo
De tuas madeixas. Perdoe-me, auletriz,
Por meu ciúme obsessivo. Calo-me,
Eu morro que padeço de zelo
Por ti. Amor que azulece meu abdome!…
7-3-2010.
Hoje é Tarde
Edigles Guedes
— É já tarde começar a viver hoje:
O sábio começou ontem. — Alega um bardo
Antigo, em língua latina. Epítome
Que carrego no alforje, que bastardo
Segue meus pensamentos. A metagoge
De que a vida é premente, sem subterfúgios.
Não há uma vírgula de tempo própole
A perder. É mister viver no tugúrio
Do hoje, como se estivéssemos com pais
Carismáticos: o hoje não nos pertence.
É como areia na ampulheta que se esvai;
É como a tinta deleitosa no papel:
Lúbrica, desvanece, enquanto carece
De ontem. Ó sábio! Vamos à ontem para o céu!…
7-3-2010.
— É já tarde começar a viver hoje:
O sábio começou ontem. — Alega um bardo
Antigo, em língua latina. Epítome
Que carrego no alforje, que bastardo
Segue meus pensamentos. A metagoge
De que a vida é premente, sem subterfúgios.
Não há uma vírgula de tempo própole
A perder. É mister viver no tugúrio
Do hoje, como se estivéssemos com pais
Carismáticos: o hoje não nos pertence.
É como areia na ampulheta que se esvai;
É como a tinta deleitosa no papel:
Lúbrica, desvanece, enquanto carece
De ontem. Ó sábio! Vamos à ontem para o céu!…
7-3-2010.
Morcego
Edigles Guedes
Quiróptero, pousas com teu corpo (adágio
Do implume homem que vivo) nos caibros sóbrios
Da noite. Estou a ver-te, assim, quase de soslaio.
Tangível criatura: nariz de astrolábio;
Boca, solitária, de quimera iníqua;
Olhos foscos, rotos, tortos; mãos oblíquas,
De quem quer pegar algo, mas escorrega
O algo por entre os dedos; uma formiga,
Íncuba, de garras a suportar peso.
E que peso? Os teus ombros, gravidade
Que suporta o mundo. E curvo, pouco teso,
Depois elástico. Libertam-se, calmas,
Tuas asas do corpo hirto, alteridade
De tua grandiloquente e famíger’ alma!…
6-3-2010.
Quiróptero, pousas com teu corpo (adágio
Do implume homem que vivo) nos caibros sóbrios
Da noite. Estou a ver-te, assim, quase de soslaio.
Tangível criatura: nariz de astrolábio;
Boca, solitária, de quimera iníqua;
Olhos foscos, rotos, tortos; mãos oblíquas,
De quem quer pegar algo, mas escorrega
O algo por entre os dedos; uma formiga,
Íncuba, de garras a suportar peso.
E que peso? Os teus ombros, gravidade
Que suporta o mundo. E curvo, pouco teso,
Depois elástico. Libertam-se, calmas,
Tuas asas do corpo hirto, alteridade
De tua grandiloquente e famíger’ alma!…
6-3-2010.
Flébeis Flamas
Edigles Guedes
Flâmulas flamas febris, fãs de frêmitos,
Franziam fráguas fraqueiras e faniquitas.
Frágeis flamas fantasmagóricas, fatos
Físicos farejados por fisiocrata…
Flor flutua: flébeis flamas fisiológicas;
Fora, cá, fáceis figuras fleumáticas!…
Friacho flexua: fluidas flamas folclóricas,
Flavípedes, frangem flechas fanáticas!…
Fugífugas flamas folíparas foram
Fofocar, frívolas, fofas; fenestraram
Fachada, fremebundas; flãs, flertam felpas…
Flutívagas flamas fiúsas: feito fina
Felugem, feito formosas e franzinas
Fístulas: flautas, folículos, folipas…
6-3-2010.
Flâmulas flamas febris, fãs de frêmitos,
Franziam fráguas fraqueiras e faniquitas.
Frágeis flamas fantasmagóricas, fatos
Físicos farejados por fisiocrata…
Flor flutua: flébeis flamas fisiológicas;
Fora, cá, fáceis figuras fleumáticas!…
Friacho flexua: fluidas flamas folclóricas,
Flavípedes, frangem flechas fanáticas!…
Fugífugas flamas folíparas foram
Fofocar, frívolas, fofas; fenestraram
Fachada, fremebundas; flãs, flertam felpas…
Flutívagas flamas fiúsas: feito fina
Felugem, feito formosas e franzinas
Fístulas: flautas, folículos, folipas…
6-3-2010.
Máscara
Edigles Guedes
Es schweigt die Seele den blauen Frühling.
Georg Trakl
Desperto-me do sono anômalo da noite gelo.
Despeço-me da madrugada de nariz adunco
E empertigado. A cama geme seu gemido tolo
E derradeiro. Espelho, fosco, cicatriza-me; asco
Da manhã febril que raiou azul. Silente primavera
Co’alma de criança e seu trebelho. Arredei-me, pulo
Acrobático, do meu modo de dormir. À vera
Ou à brinca, vou jogar a toalha no banheiro. Açulo
O cão de caça-mantença. Estou com fome, o café
Quentinho descansa na mesa posta. Apostato a fé
Nas sandálias de domingo. Escanhoo a face da nua lua
De sol. Quem se barbeia no espelho?A briosa máscara
(Que se cobre o rosto) é parecida contigo... Amoras
Bombardeiam tu’alma. Singra a máscara, Tejo, na falua!…
5-3-2010.
Es schweigt die Seele den blauen Frühling.
Georg Trakl
Desperto-me do sono anômalo da noite gelo.
Despeço-me da madrugada de nariz adunco
E empertigado. A cama geme seu gemido tolo
E derradeiro. Espelho, fosco, cicatriza-me; asco
Da manhã febril que raiou azul. Silente primavera
Co’alma de criança e seu trebelho. Arredei-me, pulo
Acrobático, do meu modo de dormir. À vera
Ou à brinca, vou jogar a toalha no banheiro. Açulo
O cão de caça-mantença. Estou com fome, o café
Quentinho descansa na mesa posta. Apostato a fé
Nas sandálias de domingo. Escanhoo a face da nua lua
De sol. Quem se barbeia no espelho?A briosa máscara
(Que se cobre o rosto) é parecida contigo... Amoras
Bombardeiam tu’alma. Singra a máscara, Tejo, na falua!…
5-3-2010.
Brasume
Edigles Guedes
Que dano há no meu peito galante?
Não é dano; é Senhora refulgente…
Que pano há com minhas mãos plangentes?
Não é pano; é lenço resplandecente…
Que pálio há no teu semblante corso?
Não é pálio; é desgosto de tanto amar!…
Que prélio há nos teus pés ao descanso?
Não é prélio; é desventura a aboleimar!…
Que labéu há no teu rosto... comigo?
É o desdouro do ombro quase amigo,
Que pagou fel por mel, e molestou-me…
Que sirte há no Amor, que manietado,
Mantém-me refém de ti? Brinquedo
Abobalhado, fiquei: brasume!…
5-3-2010.
Que dano há no meu peito galante?
Não é dano; é Senhora refulgente…
Que pano há com minhas mãos plangentes?
Não é pano; é lenço resplandecente…
Que pálio há no teu semblante corso?
Não é pálio; é desgosto de tanto amar!…
Que prélio há nos teus pés ao descanso?
Não é prélio; é desventura a aboleimar!…
Que labéu há no teu rosto... comigo?
É o desdouro do ombro quase amigo,
Que pagou fel por mel, e molestou-me…
Que sirte há no Amor, que manietado,
Mantém-me refém de ti? Brinquedo
Abobalhado, fiquei: brasume!…
5-3-2010.
De Barca na Madrugada
Edigles Guedes
Cinjo-me de madrugada,
Como se cinge a Senhora
De sol, torpe, na alvorada;
Como o pingo d’água, agora:
Espelho d’alma, seguro
Pelos cabelos impuros
Da noite, oclusa, no brunir
A pia. Teu pintinho a tinir
Tranquilo, nos lençóis níveos
De encomenda. Onde estará o véu
Desta madrugada branca?…
Vagueio — vácuo vazio d’alma!…
Vagueio — cru, desço na calma
Escada da limpa barca...
5-3-2010.
Cinjo-me de madrugada,
Como se cinge a Senhora
De sol, torpe, na alvorada;
Como o pingo d’água, agora:
Espelho d’alma, seguro
Pelos cabelos impuros
Da noite, oclusa, no brunir
A pia. Teu pintinho a tinir
Tranquilo, nos lençóis níveos
De encomenda. Onde estará o véu
Desta madrugada branca?…
Vagueio — vácuo vazio d’alma!…
Vagueio — cru, desço na calma
Escada da limpa barca...
5-3-2010.
Vida Oeste
Edigles Guedes
A vida é breve, a alma é vasta:
Ter é tardar.
Fernando Pessoa
Quão breve… A vida, extasiada,
Voa de alegria pueril; extravio
Que, do rastilho de pavio,
Esvai-se!… Estorvo: partida
Ao ponto de chegada, ao léu!…
De ter não tenho — que nada!…
Porque de tanto ter, do Céu
Recebi o dom da inventada
Poesia; ainda que tardia!… Este ser
(Que sou) é viúvo de estultices;
A minh’alma desfalece…
Na brevidade do nascer,
Crescer e falecer: medra
A vida Oeste como pedra!…
5-3-2010
A vida é breve, a alma é vasta:
Ter é tardar.
Fernando Pessoa
Quão breve… A vida, extasiada,
Voa de alegria pueril; extravio
Que, do rastilho de pavio,
Esvai-se!… Estorvo: partida
Ao ponto de chegada, ao léu!…
De ter não tenho — que nada!…
Porque de tanto ter, do Céu
Recebi o dom da inventada
Poesia; ainda que tardia!… Este ser
(Que sou) é viúvo de estultices;
A minh’alma desfalece…
Na brevidade do nascer,
Crescer e falecer: medra
A vida Oeste como pedra!…
5-3-2010
A Fera
Edigles Guedes
Ferir-me como a fera,
Que bastante pantera,
Ruge suas garras de aço:
Noite que me espedaço!…
Súplice, com fervença
Por tua boa benquerença!…
Persigo o meu infortúnio
De perto. Plenilúnio
Já desatou o campônio
Coração: há que cá dentro…
Onde, espúrio, está o cetro,
Do rei que não fui?… Eufônios
Despertaram-me. A fera —
A ferir-me cratera!…
4-3-2010.
Ferir-me como a fera,
Que bastante pantera,
Ruge suas garras de aço:
Noite que me espedaço!…
Súplice, com fervença
Por tua boa benquerença!…
Persigo o meu infortúnio
De perto. Plenilúnio
Já desatou o campônio
Coração: há que cá dentro…
Onde, espúrio, está o cetro,
Do rei que não fui?… Eufônios
Despertaram-me. A fera —
A ferir-me cratera!…
4-3-2010.
Paixão
Edigles Guedes
Paixão penosa e desenfreada, eu avezei-me
A ti. Cuidei que fosse um mero silvo
De pássaro canoro, que chove, e alvo,
Sua lira, antes de abrir cântaro de fome.
Paixão anojosa e alambreada, eu acostumei-me
Com teu toscanejar de hipopótamo, avô
De pântanos, que ardem no metano calvo
Da minh’ma!… Onde me acudiu o azedume
Dessa Paixão? Em que salmo ou provérbio, crespo,
Eclipsaste a tu’alma? Mudo, fizeste-me
Calado. O Teu sacrifício na cruz, lume
Dos cristãos; serve-me de bússola. Apulpos
Suportaste por mim. Eu — alguém sem velame
Que açodasse o navio da lida ao destempo!…
4-3-2010.
Paixão penosa e desenfreada, eu avezei-me
A ti. Cuidei que fosse um mero silvo
De pássaro canoro, que chove, e alvo,
Sua lira, antes de abrir cântaro de fome.
Paixão anojosa e alambreada, eu acostumei-me
Com teu toscanejar de hipopótamo, avô
De pântanos, que ardem no metano calvo
Da minh’ma!… Onde me acudiu o azedume
Dessa Paixão? Em que salmo ou provérbio, crespo,
Eclipsaste a tu’alma? Mudo, fizeste-me
Calado. O Teu sacrifício na cruz, lume
Dos cristãos; serve-me de bússola. Apulpos
Suportaste por mim. Eu — alguém sem velame
Que açodasse o navio da lida ao destempo!…
4-3-2010.
As Mulheres que Amei
Edigles Guedes
Todas as mulheres que amei,
Falharam em amar-me! Nau
Que se foram; que eu lamentei…
Não sabiam amar-me!… Quinau
Tomei, com tanta enganação
Em minha vida. Mas, tudo
Eu não as culpo. Culpo à bênção
Do Fado. Bênção, de ávido,
Estar vivo; que arte: ronda-me
A Morte!… Logo, eu pago esse
Preço! A vida, bífida, é-me!…
O Amor, lauto, que me sonda,
Custou-me o Fado!… Carece
Meu imo infante de guarida!…
3-2-2010.
Todas as mulheres que amei,
Falharam em amar-me! Nau
Que se foram; que eu lamentei…
Não sabiam amar-me!… Quinau
Tomei, com tanta enganação
Em minha vida. Mas, tudo
Eu não as culpo. Culpo à bênção
Do Fado. Bênção, de ávido,
Estar vivo; que arte: ronda-me
A Morte!… Logo, eu pago esse
Preço! A vida, bífida, é-me!…
O Amor, lauto, que me sonda,
Custou-me o Fado!… Carece
Meu imo infante de guarida!…
3-2-2010.
Esmorecido de Pelejar por Amor de ti
Edigles Guedes
Esmorecido estou de tanto pelejar
Por teu Amor. Mas, a Senhora ignora-me: torso
De tigre nas pintas das manhãs de anêmonas,
A velejar o Céu sem estrelas, sem urzes
De vaga-lumes. Eu já bajulei a bajoujar,
Como o Mar a esgrimar o rochedo. Recursos
Gastei, cingindo-te de esplendor; nas mornas
Águas, porém, tu golpeaste as minhas revezes!…
Em teu livre líbito, rútila, cuspiste
Na minha tez… Esmigalhando os meus bilhetes
De Amor, que tão singelo escrevi. Cabisbaixo,
Fiquei. Desiludido, estou. A Esperança
Não falece nunca!... Portanto, enquanto a lança
De a vida restar-me, eu direi: Eia, Paradoxo!…
3-2-2010.
Esmorecido estou de tanto pelejar
Por teu Amor. Mas, a Senhora ignora-me: torso
De tigre nas pintas das manhãs de anêmonas,
A velejar o Céu sem estrelas, sem urzes
De vaga-lumes. Eu já bajulei a bajoujar,
Como o Mar a esgrimar o rochedo. Recursos
Gastei, cingindo-te de esplendor; nas mornas
Águas, porém, tu golpeaste as minhas revezes!…
Em teu livre líbito, rútila, cuspiste
Na minha tez… Esmigalhando os meus bilhetes
De Amor, que tão singelo escrevi. Cabisbaixo,
Fiquei. Desiludido, estou. A Esperança
Não falece nunca!... Portanto, enquanto a lança
De a vida restar-me, eu direi: Eia, Paradoxo!…
3-2-2010.
Pombinhos Grudados
Edigles Guedes
Saciei-me de muita terra com sal,
Até o dia em que aprendi a ser
O sal da terra — cristal pintado a cal
De transparência reluzente, a ter
Em suas janelas de vidros e sóis
O espectro multicolorido da luz
De Newton e seu prisma. Ah, nós
Dois!… Quantas vezes, de quebra-luz,
Fizemos de Amor o nosso ninho.
Entre beijos, carícias e carinhos,
Largamos os nossos seres lassos
Em meio aos lençóis, bordados
Com tanto esmero. Grudados
Pombinhos, éramos… Braços laços!…
2-3-2010.
Saciei-me de muita terra com sal,
Até o dia em que aprendi a ser
O sal da terra — cristal pintado a cal
De transparência reluzente, a ter
Em suas janelas de vidros e sóis
O espectro multicolorido da luz
De Newton e seu prisma. Ah, nós
Dois!… Quantas vezes, de quebra-luz,
Fizemos de Amor o nosso ninho.
Entre beijos, carícias e carinhos,
Largamos os nossos seres lassos
Em meio aos lençóis, bordados
Com tanto esmero. Grudados
Pombinhos, éramos… Braços laços!…
2-3-2010.
O que é Feito do que Sinto?
Mas se a vejo tremo, não sei o que é feito do que sinto na ausência dela.
Alberto Caeiro
O que é feito do que sinto
Na ausência dela? Se minto,
Ao dizer que o sentimento
Que nutro por ela é lamento…
Então, qual é o meu valimento?…
Talvez eu valha menos que um palito
De fósforo, desusado. Em cumprimento
À minha palavra, confesso-te o delito,
Doravante, de te amar, minha Senhora.
Mas, de Amor tal, sem fingimento;
Que de tanto te amar… Tu penhorarás
O meu coração numa loja de relíquias.
E leiloarás este coração, sem discernimento,
Como se leiloam os bonecos de ventriloquia.
2-3-2010.
Alberto Caeiro
O que é feito do que sinto
Na ausência dela? Se minto,
Ao dizer que o sentimento
Que nutro por ela é lamento…
Então, qual é o meu valimento?…
Talvez eu valha menos que um palito
De fósforo, desusado. Em cumprimento
À minha palavra, confesso-te o delito,
Doravante, de te amar, minha Senhora.
Mas, de Amor tal, sem fingimento;
Que de tanto te amar… Tu penhorarás
O meu coração numa loja de relíquias.
E leiloarás este coração, sem discernimento,
Como se leiloam os bonecos de ventriloquia.
2-3-2010.
Quem está isento?
Edigles Guedes
Se pena por amar-vos se merece,
Quem dela livre está? ou quem isento?
Luís de Camões
Quem está isento da ecnefia
Das ondas, que procelosas
Navegam o Amor?… Quem se fia
Na conversa afiada das Rosas,
As quais com cores olorosas,
Fazem a gente infértil penar
Em seus espinhos!… Dengosas,
Elas perfazem do meu ninar
Entre espinhos, uma frase
Sem mais valia. Que me vale
Andar contigo, em êxtase,
Ao levar tuas mãos donzelas…
Se tu és como o lírio-do-vale
Ao capricho de outra procela!…
2-3-2010.
Se pena por amar-vos se merece,
Quem dela livre está? ou quem isento?
Luís de Camões
Quem está isento da ecnefia
Das ondas, que procelosas
Navegam o Amor?… Quem se fia
Na conversa afiada das Rosas,
As quais com cores olorosas,
Fazem a gente infértil penar
Em seus espinhos!… Dengosas,
Elas perfazem do meu ninar
Entre espinhos, uma frase
Sem mais valia. Que me vale
Andar contigo, em êxtase,
Ao levar tuas mãos donzelas…
Se tu és como o lírio-do-vale
Ao capricho de outra procela!…
2-3-2010.
Amor não se Rege por Razão
Edigles Guedes
Mas Amor não se rege por razão;
Não posso perder, logo, a esperança.
Luís de Camões
Sinceramente, Amor, eu não sei
Que regência eu te dou!… Se és
Intransitivo, que a ferramenta, eis,
Falta-me por complemento; talvez
Se fores transitivo direto, iríamos
Direto ao ponto do desentendimento
Entre mim e ti, Amor. Tão somos
Díspares, que deixamos tormentos
De esguelha. Se for bitransitivo, então
A razão regeria a ti, Amor, em plantão.
— Vinte e quatro horas de atendimento
Gratuito, diria a garota do telemarketing.
Onde está a razão?… Vou fazer um footing
Para espairecer as horas sem valimento!…
2-3-2010.
Mas Amor não se rege por razão;
Não posso perder, logo, a esperança.
Luís de Camões
Sinceramente, Amor, eu não sei
Que regência eu te dou!… Se és
Intransitivo, que a ferramenta, eis,
Falta-me por complemento; talvez
Se fores transitivo direto, iríamos
Direto ao ponto do desentendimento
Entre mim e ti, Amor. Tão somos
Díspares, que deixamos tormentos
De esguelha. Se for bitransitivo, então
A razão regeria a ti, Amor, em plantão.
— Vinte e quatro horas de atendimento
Gratuito, diria a garota do telemarketing.
Onde está a razão?… Vou fazer um footing
Para espairecer as horas sem valimento!…
2-3-2010.
Por Matar-me o Amor
Ao cabo de
dias, Caim trouxe o fruto da terra em oferta;
Abel,
entretanto, entregou os primogênitos do rebanho.
O
Senhor pôs fito em Abel e suas ovelhas, que na certa
Enchiam
o vaso de regozijo dos céus. Caim, tacanho,
Irou-se
tremendamente. Descaiu-lhe o semblante valente,
De
quem lida com a bruta terra. O pecado bateu à porta
Do
encolerizado Caim. Então, o desejo do pecado, avante,
Perturbou-lhe
a índole; reprimiu-o, como o cabresto a torta
Égua
arredia, refreia. Aliás, estando os dois pelo campo
A
vaguear, Caim ergueu sua mão contra seu casto irmão.
E
a voz de Deus, serena e suave, fez-se da cor do salmão!…
Lançou-lhe
a maldição: erradio e vagabundo no escampo
Do
mundo. E eu que te amei, Senhora, será que mereço
Autor: Edigles Guedes.
Que Aljamia é Esta?
Que aljamia
é esta, que queima
No
meu peito solar?… Não é a língua
Dos
bárbaros, em tanto que se teima;
Nem
é a língua dos civilizados,
Que
se escreve assaz com polidez!…
É
a língua do livro das mil mágoas
Que
faz ninho de mim na lucidez;
Em
árvore um ninho, que atado,
Agrilhoa-me
aos teus fulvos cabelos,
Tão
dourados, com sua gravidade
De
clara íris; tão esguios e belos,
Que
os desembaraçam pétrea chuva
Minha
em culta frágua, ó beldade!
Verte
favo em mim, caras meles curvas!…
Coração Envilecido
Meu coração
envileceu, sua voz
Melíflua.
Sanha por vã dor atroz;
Por
ti, Senhora, que me enlouquece!…
Aquela
chama, que me ensandece,
É
de Amor, cativo, escorçado
Na
varanda do pulcro coração;
Porém,
fora jamais realizado,
Pois
eu tenência não tive e mãos
Para
efetuar a ligação
Entre
mim e ti. Como méleas pombas
Dos
pombais, que lépidas se vão,
Arrulhando
canções naquela tromba
De
música ao vento, léu de mim…
Vida
cônica, como um pinguim!…
Não Consintas, Amor...
Não
consintas, Amor, que se finde no lume
Dos
meus olhos saudade que dos olhos dela!…
Só
por causa do meu acridoce ciúme
Daqueles
olhos; não podiam os meus vê-la…
Navegar
com vestido de renda ou chita
Pela
Praça… Que, mais rápido, o coração
Colore
outra cor aos olhos artesãos,
Seus
olhos tão castanhos queimam. Feito fita
De
cinema, em volta do filme na tela,
Em
que se exibiam; seus olhos coagulavam
Duas
chamas férteis, dentro da tórrida cela,
Que
enclausurava meu coração seriguela…
Olhos
benditos sãos, olhos que sussurravam
Suas
chamas por minha treda descautela!…
Cartas Ridículas de Amor
Não me
creia que todas estas cartas
Pipilam
de Amor em mim, de tão
Ridículas
que são!… A frase ingrata
Não
é minha, mas cá de um falastrão,
Que
sabia muito bem o que dizia,
Pois
ele torturado era de Amor,
Que
engendra sua vida no torpor
Do
dia. O Pessoa, sim, se comprazia
Em
falar-me que disso tanto sentia.
Amor,
se era, que em seu ganido peito
Eclodira,
não sei.. Quiçá no leito
De
um hospital de privança em agrestia…
Mulher,
é que sabemos nós o quanto
De
tênue há em pós: náusea e pranto!…
Os Lábios da Manhã
Os lábios
da manhã triste, coesa e cinzenta,
Regaçaram-se
belo e minguado sorriso…
Nesses
lábios da Dama, de sal com pimenta,
Concebeu-se
um plebeu roxo, tacanho, inviso!…
O
meu coração ínvio — sem as duras vias
De
trânsito: calor de Amor interciso —
Suplica
às boas horas que a algaravia
De
meus afetos (inda que tão indecisos)
Passem
o mais lacônico que for possível.
Posto
que não se aguenta meu corpo em pé,
Diante
dela. Pranteio pela Dama crível
Das
minhas amarguras sem do Amor a lei.
Dama
que se vai, tão dura e impermeável
À
minha afeição pela bola de vôlei!…
É-me Difícil
Edigles Guedes
É-me difícil entender o orgulho
Humano, se todos nós havemos
De morrer. Como um gorgulho
Passa a vida que pouco a temos;
Como uma chama duma vela:
Uma vez acesa, logo, apagada.
Como uma flor, que ao vê-la,
Breve se desfaz: efêmera e leda!…
É-me difícil entender o orgulho
Humano. Se todos vamos padecer
De doença ou engano. O marulho
Do mar borrascoso é ensurdecedor
Em seu desassossego, ao escurecer
As escumas em vagas álgidas de dor!…
28-2-2010.
É-me difícil entender o orgulho
Humano, se todos nós havemos
De morrer. Como um gorgulho
Passa a vida que pouco a temos;
Como uma chama duma vela:
Uma vez acesa, logo, apagada.
Como uma flor, que ao vê-la,
Breve se desfaz: efêmera e leda!…
É-me difícil entender o orgulho
Humano. Se todos vamos padecer
De doença ou engano. O marulho
Do mar borrascoso é ensurdecedor
Em seu desassossego, ao escurecer
As escumas em vagas álgidas de dor!…
28-2-2010.
Aquele Derriço
Edigles Guedes
Por que tu tinhas aquele derriço
Nas mãos? Sim, foram quem elas
Me disseram que o ouriço da fala
Que tens é por mim quebradiço!…
Quebradiço, porque eu sou constante
Em querer-te para mim, inteiramente.
Quebradiço, porque eu não sei se vivo
Ou se morro perto dos teus adjetivos!…
Tu és a mulher benfazeja, prestativa,
Benévola, fêmea, efêmera, que cativa
O meu coração leso com insanos beijos!…
Tu és quem ao cavalgar de furta-passos,
Leva contigo o charme dos moveres lassos,
De quem não ama, mas é a foto do desejo!…
28-2-2010.
Por que tu tinhas aquele derriço
Nas mãos? Sim, foram quem elas
Me disseram que o ouriço da fala
Que tens é por mim quebradiço!…
Quebradiço, porque eu sou constante
Em querer-te para mim, inteiramente.
Quebradiço, porque eu não sei se vivo
Ou se morro perto dos teus adjetivos!…
Tu és a mulher benfazeja, prestativa,
Benévola, fêmea, efêmera, que cativa
O meu coração leso com insanos beijos!…
Tu és quem ao cavalgar de furta-passos,
Leva contigo o charme dos moveres lassos,
De quem não ama, mas é a foto do desejo!…
28-2-2010.
Quando teus Olhos
Edigles Guedes
Quando teus olhos trigueiros
E plúmbeos olharam para mim,
Eu sabia que logo o cheiro
Da manhã degolaria o jasmim,
Bisonho, entre as magnólias.
Pois eu passeava por entre
As magnólias e não sabia
Que tantas flores dentre
Havia um jasmim, carente,
Por teus feros e ciosos dentes
A morder a maçã do amanhã
Em mim. Eu que nada meramente
Tenho a perder ou ganhar; tirante
Teus dentes a picar-me de manhã!…
28-2-2010.
Quando teus olhos trigueiros
E plúmbeos olharam para mim,
Eu sabia que logo o cheiro
Da manhã degolaria o jasmim,
Bisonho, entre as magnólias.
Pois eu passeava por entre
As magnólias e não sabia
Que tantas flores dentre
Havia um jasmim, carente,
Por teus feros e ciosos dentes
A morder a maçã do amanhã
Em mim. Eu que nada meramente
Tenho a perder ou ganhar; tirante
Teus dentes a picar-me de manhã!…
28-2-2010.
Riacho Amigo
Edigles Guedes
Pasciam os meus olhos na paisagem
De ti. Tu cuidavas do meu rebanho…
Quando te vi, Pastora, em banho,
Num riacho, de águas claras, virgem,
Que me arrepanhava o dolente
Coração, naquela manhã primaveril.
Riacho benigno, tuas águas de anil
Pintam o meu mendaz coração solerte
De esperança por aquela Dama,
Que me arrebatou da minha cama,
Onde eu dormia o dormir dos dias
Entre lúgubre e exultante!… Agora,
Choro, Riacho amigo, a desoras,
Pelo Amor que me furta a valentia!…
28-2-2010.
Pasciam os meus olhos na paisagem
De ti. Tu cuidavas do meu rebanho…
Quando te vi, Pastora, em banho,
Num riacho, de águas claras, virgem,
Que me arrepanhava o dolente
Coração, naquela manhã primaveril.
Riacho benigno, tuas águas de anil
Pintam o meu mendaz coração solerte
De esperança por aquela Dama,
Que me arrebatou da minha cama,
Onde eu dormia o dormir dos dias
Entre lúgubre e exultante!… Agora,
Choro, Riacho amigo, a desoras,
Pelo Amor que me furta a valentia!…
28-2-2010.
Um Fiapo de luz
Edigles Guedes
Eu apetecia a tua mão pousada
Na escrivaninha, a qual dormia
Na sala d’alma. A luz afogueada
Reclamava do tão escaldante dia!…
Dia estafante, o qual me chegava
Pela janela do quarto a despertar-me
Para a rotina fatigante. Adentrava
Ali um fiapo de luz, fônica e íngreme!…
Tão íngreme quanto a minh’alma,
Tão fônica quanto o calor do estio,
Num fiapo de pensamento correntio.
Ah, acendeu-se a lâmpada calma
Do pensamento em cordéis de versos,
Que me embrenha no cérebro imerso!…
28-2-2010.
Eu apetecia a tua mão pousada
Na escrivaninha, a qual dormia
Na sala d’alma. A luz afogueada
Reclamava do tão escaldante dia!…
Dia estafante, o qual me chegava
Pela janela do quarto a despertar-me
Para a rotina fatigante. Adentrava
Ali um fiapo de luz, fônica e íngreme!…
Tão íngreme quanto a minh’alma,
Tão fônica quanto o calor do estio,
Num fiapo de pensamento correntio.
Ah, acendeu-se a lâmpada calma
Do pensamento em cordéis de versos,
Que me embrenha no cérebro imerso!…
28-2-2010.
Qual foi o benefício?
Edigles Guedes
Qual foi o benefício que trouxeste à minh’alma?…
Ainda hoje eu procuro nos quatro cantos do mundo
Esse tal de benefício. E por mais que cante a rima
Nos meus versos, não encontro esse tal vagabundo!…
O teu benefício para com a minh’alma é de quem
Quer estender a mão, em sinal de auxílio,
Mas acaba por roer-me — formiga-quem-quem,
Que tu és! Destarte, parto para o meu exílio.
É melhor viver em longínquas terras e ares
Do que sonhar a viver contigo sem préstimo!…
É melhor despedir-nos de nossos mimos,
Já não somos dois em um, jungidos. Tu, tu és;
Eu desprimoroso sou sem ti. Entretanto, há o estro
Em mim que diz: — Vá!... Que dure este Amor canhestro!…
27-2-2010.
Qual foi o benefício que trouxeste à minh’alma?…
Ainda hoje eu procuro nos quatro cantos do mundo
Esse tal de benefício. E por mais que cante a rima
Nos meus versos, não encontro esse tal vagabundo!…
O teu benefício para com a minh’alma é de quem
Quer estender a mão, em sinal de auxílio,
Mas acaba por roer-me — formiga-quem-quem,
Que tu és! Destarte, parto para o meu exílio.
É melhor viver em longínquas terras e ares
Do que sonhar a viver contigo sem préstimo!…
É melhor despedir-nos de nossos mimos,
Já não somos dois em um, jungidos. Tu, tu és;
Eu desprimoroso sou sem ti. Entretanto, há o estro
Em mim que diz: — Vá!... Que dure este Amor canhestro!…
27-2-2010.
O Privilégio de um Beijo
Edigles Guedes
Sortia-me em mim o privilégio de um beijo,
Arcaico que fosse — é um beijo assaz e ainda!…
O qual me arrasa o âmago, austero, sem pejo,
E o quarteirão, onde eu resido com minha lida!…
Você sabia que o beijo me devoraria,
Como a Esfinge de Édipo em sua travessia.
— Decifra-me, ou te devoro! — ela diria.
Você, no entanto, com sua avessia,
Far-me-ia perder a calma na lama do rio Tejo.
Tejo, Tejo, onde Pessoa afogou suas lágrimas,
Onde Pessoa surtia efeito de suas mãos heterônimas!…
O que eu digo para ela, Tejo, Tejo, meu Tejo?...
Quais as palavras, palpáveis, que cabem nos lábios
De um coração que nada sabe, mas é enxerido e sábio!…
27-2-2010.
Sortia-me em mim o privilégio de um beijo,
Arcaico que fosse — é um beijo assaz e ainda!…
O qual me arrasa o âmago, austero, sem pejo,
E o quarteirão, onde eu resido com minha lida!…
Você sabia que o beijo me devoraria,
Como a Esfinge de Édipo em sua travessia.
— Decifra-me, ou te devoro! — ela diria.
Você, no entanto, com sua avessia,
Far-me-ia perder a calma na lama do rio Tejo.
Tejo, Tejo, onde Pessoa afogou suas lágrimas,
Onde Pessoa surtia efeito de suas mãos heterônimas!…
O que eu digo para ela, Tejo, Tejo, meu Tejo?...
Quais as palavras, palpáveis, que cabem nos lábios
De um coração que nada sabe, mas é enxerido e sábio!…
27-2-2010.
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