Iogurte



Edigles Guedes

Bactérias benéficas flutuam em mar-leite...
Nau que navega sangue sabor de morango,
Nas veias pueris metais de enamorado tango...
Orangotango com calças largas de enfeite...

A polpa mergulha de colher a sua touca
Na densidade absurda e pastosa de louca
Ventania sem vento, na garupa do lento
Passear de nuvens, em lídimo firmamento...

Vernácula língua! esses micróbios absorvem
Os nutrientes benignos de odor... Mares sorvem
As ondas gástricas de Amor alvo, intestinal...

Lática lactose late sua foz latido
De latim extinto, morto, solto e ferido...
Iogurte - barco a barlavento sentimental!...

27-9-2011.

Saudade Submarinha



Edigles Guedes

O que adianta andares por outros corpos,
Se é meu corpo (lasso dessa jornada)
Quem tu tanto amas a rodo!… Mimada
Garota de bolsos com anticorpos;

Vacinada contra a lúbrica febre
De Amor… Ainda sibila, ao som silêncio,
A sílaba sadia desse saliêncio
Animal: consome o homem-sabre lebre

De pensar o Amor como uma andorinha,
Que sozinha não faz verão ou inverno…
Despojo-me de mim para soletrar

O alfabeto: saudade submarinha!…
Teu corpo no meu corpo sem governo!…
Dispo-me de mim em ti a compenetrar!…

26-9-2011.

Pálido Pelém


Edigles Guedes

Insensível?… Por que não hei de sê-lo,
Se jogaram pedra no meu telhado
De vidro?… Pois, quem ama que é talhado
Para sofrer, como carta sem selo

De correio… Eis que vivo de amar fosso
Sem fossa, quando a quem se ama não pode
A olhos vistos nos vermos… Eia, sacode
Meu corpo: cemitério de cinza e osso!…

Insensível!… Que Dor me dói no siso!…
Quando — os olhos tão queridos — deslizo
Por longes colinas de corpos além!…

Um corvo negro escancara seu riso:
— Vá, telhado de vidro!… Voar e poiso,
Por ser a quem ama um pálido pelém!…


26-9-2011.

Três Agruras



Edigles Guedes

Acerba-me a existência, essas agruras:
Uma Dor que começa não sei como;
Uma flor, plácida, de cinamomo;
Um Amor de binômio sem alturas…

Ah! Dor inumana que me cavalga
As entranhas estranhas de meu íntimo!…
Tão estranha é que me foge o último
Suspiro de saudade, que me salga!…

Ó flor estúpida, de língua morna,
Quando faz inverno lá fora!… Adorna
O meu peito com cicatriz profunda!…

Ah! Amor de passarinho: verão que
Pousa palma da minha mão – sotaque
De vil Vênus de Milo que me afunda!…

25-9-2011.

O Fogão



Edigles Guedes

Arde com ardor de crepitantes pérolas,
Quando a Madrugada altaneira foge aos uivos
Das mendazes bocas, que comem abrasivos
Ares dentro de mim… Amanheço, de alfolas

Vestida está a Lua, desabrocha labaredas
No forno escaldante… Coruscantes fagulhas
Costuram, tecem, cortam, picam, como agulhas
De mosquitos vorazes… Céus com abóbedas

Côncavas de nuvens e corrupios infantis…
Ofuscam precipícios, píncaros, alcantis,
Cumes, o fogão co’ incandescentes caiçaras…

É num poema que minhas mágoas desafogo…
Quem me dera queimar em mil línguas de fogo
Todas as lembranças de Amor, que me são caras!…

24-9-2011.

Nefelíbata



Edigles Guedes

Ora, se andei nas nuvens?… Se as nuvens haverão
De ser o caminho por onde eu possa vagar…
Quer plúmbeas, co’ odor de bricabraque, devagar
Redemoinho girando girândolas, verão

Que voa mansinho em manhosice de coração…
Quer etéreas, frocos de doce algodão manco,
Claudicando de ar em ar, qual brando tamanco
Bêbedo, sem desforço; ou como quem faz menção

De seguir avante, porém recua, quando está
Face a face com o perigo de presente.
São digníssimas esculturas dessa gesta

Celestial, que celebra os feitos de valente
Guerreiro imortal… Pássaros… Natura em festa
Recorda a vitória – fio de nuvem! – chãmente.

24-9-2011.

Trompete



Edigles Guedes

Sopra o rural maracatu de instrumento
Cortante, como estrovenga em mãos canaviais,
Em festa de cores  multidoloridas
Ou de sons aturdidos – palavras triviais,

Que se multiplicam abundantemente.
Caracol metálico com retangular
Concha a envolver múltiplas curvas: tais idas
Sem voltas; jaguadarte juba jugular

De leonino dragão: o cospe-raios-e-trovões.
Acelerado ritmo de pés descalços...
Pistons movem-se de fróis clichês e chavões...


Sai melodiosamente orneio de jumento
Por estrada de chão: grandes seus percalços,
Antes de atingir o furacão demente.

24-9-2011.

A Manicure



Edigles Guedes

Mansa, de olhos humílimos, movimenta

Apurado pincel de gênero dúbio;
De gênio forte e rudo, cujo dilúvio
De esmaltes cobre milimetricamente

Cada unha da freguesa, com sua tormenta

E bife à sobremesa, a espiar o cantinho
De carne fresca que sobrou no dedinho.
Aliás, lava as mãos com carinho decente;

Livra-se, à saúde, dos micróbios nocivos.

Desenha, exímia, esses corações cativos,
Essas rosas obsoletas, esses cravos

De odores lírios, essas magras orquídeas...

Destarte, se enfeita flores trigonídeas
No jardim de unhas porcas, poucos centavos!...

21-9-2011.

Sapateiro


Edigles Guedes


Peleja com sua ferramenta de puro aço;
Pugna contra couro, antes que forno-chicote
Assopre sua víbora língua — chocolate
Sabor de suor e muito siso de palhaço;

Brinca de acrobacias na mão com o martelo,
Que faz caretas de mímico sorrateiro.
E, ribomba esse bombo bastante ligeiro,
Não dá pista de paradeiro ou perdido elo,

Que une o prego ao sapato inteiro — mero, outrora,
Trapo de couro ou parco pano: tapeçaria.
Melro de bico amarelo, finório; embora

Boa gente, de fala pouca, de má toleima?
Prossegue seu ofício de verme, solitária:
Sonda e cola a sola ao fundo de sobreteima!


21-9-2011.

Coração de Manteiga Derretida



Edigles Guedes

Bate que bate – relógio interior – com ponteiros
Compassados, pesados nas sobrancelhas largas;
De nariz empinado, como pipas amargas
Postas a voar no alpendre de casa. Conselheiros

Olhos olham para mim, absortos, tão longínquos!…
Freme! meu coração sondável pelo colossal
Navio; brame! de júbilo ou de pitada de sal
Pouquinha no muito feijão do dia a dia. Altíloquos

Soluços de Amor comovem, rubra, derretida
Manteiga na frigideira de mim. Neve álbida
De lágrimas gelam meu íntimo; porquanto sente

Os sentidos plangentes, de choros coloridos
Na gravura da Dama que se vai sem pruridos!…
Ah! molenga e mocorongo, coração demente!…

19-9-2011.

Batatas Fritas


Edigles Guedes

Crocantes rosas recendiam desse mastigar
Árido de terra sertaneja, tal como
O lento cavalgar dos carros de boi… Tomo
Destino contrário em minhas mãos a mitigar

O pão da sabedoria dos dias primaveris…
Crepitar insano, e constante, e concânico,
Jorra a flux da minha boca; som mecânico
Escancara as mandíbulas, tais quais esmeris

Polindo a faca de corte, rente ao cadáver
De horas mortas, em que o pio – estrênuo precaver
Da coruja – sobressalta arrepios cá dentro

De mim. Adrede, quebro matéria tudesca,
Esmago goma de mascar de eris batatas
Fritas, circunscritas na boca do epicentro.

19-9-2011.

Ao Olhar o Guarda-Roupa



Edigles Guedes

Ó guarda-roupa imaturo! em que vestimentas
Se amontoam no pouquíssimo espaço sideral
Entre as colunas de madeira… Ser vegetal
Que nada sabe das quantas mil blaus tormentas

Sofri meu estilo frutiluzente de vestir
Adjetivos, quando só substantivos chegam
Na garganta ínvia; os verbos, inócuos, que negam
Esse estranhamento de balmaz sem assentir

Do parnasiano martelo, um quê modernista
De mistura com radical simbolista…
Portanto, no acento circunflexo das horas

Que passo, abismado, a olhar esse dicionário
Ou gramática – cais de vestes –, o incendiário
Poeta na máquina de lavar joga amoras!…

18-9-2011.

Solitário no Vaso


Edigles Guedes

A escova de dente dorme tão sossegada
Quanto aéreo aeroplano em voo de ave musical…
Descansa curva contra coluna cervical.
Suas cerdas cervicórneas… Cala abodegada

Sereia da higiene bucal – as cáries, imigas
Do esmalte e da dentina, apavoradas, cerram
Os dentes de ácido ódio lático e desferram
Sua cólera insubmissa em rapsódias, cantigas…

Bactérias, suas fermentações da sacarose,
Fazem festa de arromba com broto frutose.
Enquanto isso, acolá, no moço sanitário

Soergue-se um santuário de dores virulentas;
Pernoito no vaso plantado por violentas
Agonias sem aleluias – homem solitário!…

18-9-2011.

Reflexão de Formiga



Edigles Guedes

Incansavelmente, a formiga
Indicava: – Prossiga em frente!
O inverno desastroso e amiga
Cigarra (preguiça demente)

Seguem à vanguarda da gente.
Avante! de folha por folha,
Colho suprimento presente.
Tudo é mera questão de escolha?

A causa e efeito que suscita
Pergunta entre primos e crivo
De Eratóstenes escomunal.

Ser ou não ser? Hamlet duvida,
Logo existe: finito e sido
Ele mesmo sem o desigual.

18-9-2011.

Belo Monte, a Hidrelétrica do Xingu



Edigles Guedes

Demito-me do existir burocrático,
Dessas horas burras: jumento senador
Que vota, em plenário, leis democráticas
Do regime de águas hidrelétricas, mor

Impacto ambiental na floresta e ribeiro.
Desastre anunciado da morte – cratera
Vulcânica de terror às palafitas,
Que se penduram nas margens, onça e fera,

Do rio caudaloso, já extinto de antemão!
Índios, posseiros, fazendeiros, grileiros,
Seringueiros: povo viaja na contramão

Da história escrita à dor e sangue, típico
De  brasileiro – américa veia latina!
Consórcios, acorrentados: que latrina!

18-9-2011.

Filtro d’Água


Edigles Guedes

Ora, que água potável a escorrer líquido
Vapor condensado em minha castanha boca!…
Desenhado por mãos de barro, da substância
Barro é feito a embalagem, ou invólucro, ou toca

De pombo-correio, que anuncia (audaz mensageiro)
Mensagens de boas-novas: a água imprescindível
Ainda jorra do filtro inconsútil; errância
De pingos e respingos de tão combustível

Alimento, que sagaz percorre montanhas
E vales do meu ser finito, enquanto dure
A minha existência de hiena, por entre entranhas

De gentes nocivas e sorriso sofrido…
De gota em gota, o filtro fura-olho que fure
O barro ingente por dentro da alma-celeiro…

18-9-2011.

Catar Estrelas


Edigles Guedes

Outrora, ouvi Estrelas, cujas belezas
Transcendiam o arrebol – lume lúcido.
Eram tão travessas que as Incertezas
Tomavam chá de sumiço sórdido.

Elas comigo brincavam de esconde-
Esconde, de tonturas de Amor à luz
Do luar, de cantiga de roda, conde
Ou condessa no castelo de Andaluz.

E, quando a Noite pegava sua mala,
Com intento de partir, eu inda sorria,
Amargo, para minha insigne sala

De estar, donde vinham estrelas belas.
Hoje, é apenas um retrato essa história
De catar estrelas; por onde estão elas?

17-9-2011.

Não Reparas…




Edigles Guedes

Púrpura tarde que se esvai no horizonte, além
Do infinito, e mais palpável do que a louvável
Imponderabilidade do ser moldável
À filosofia vã do Amor rude e gredelém…

Não sou pastor, como Dirceu, para salmodiar
Com doce lira os teus pruridos, já esquecidos
Em nosso leito soez de prazer; tempos idos,
Que ignorávamos dor, pois eis no peito a vadiar

Alegria inconfessa e felicidade agreste…
Eu, perdido nos teus braços de corça ávida,
Carrossel a girar veloz arco-celeste…

Tu, achada em meus braços de olíveo cisne alciôneo,
Não reparas na tarde ástrica, que se finda;
Não reparas no pejo do meu ser etéreo…

17-9-2011. 

Apaga a Magra Loisa



Edigles Guedes

Escanhoa-se a face com muita perfeição
A contrapelo; pela segunda, a pele
Ecoa o espumar congruente da lâmina
Em atrito fundo do imo, que repele

A sujidade dos pelos semidoutos.
Barbeador torna-se vassoura de gari
– Nobre cavaleiro de facalhaz fina,
Mãos calejadas por pimentas cumbaris –,

Instrumento cirúrgico de incisivo
Corte no lixo das ruas e d’ almas coisas,
Que sobrevivem ao dilúvio dativo

De químicos dejetos e sua poluição.
Escanhoa-se qual se apaga a magra loisa,
De giz riscada, por lápis armidouto.

16-9-2011.

Lâmpada



Edigles Guedes

Cospe de sua fagulha o fogo incessante que
Incendeia de paixões canavial dos amantes,
Na praça enluarada por vaga-lumes guapos.
Dragão ou monstro moderno, avante, assim como antes,

Indomável, bipolar: de noite, príncipe;
De dia, feioso sapo, que carece de beijos
De uma princesa para desabrochar o ser
Que é, esconso na armadura rugosa. Pão e queijo,

Ou goiabada e queijo, saem os dois, casalzinho,
A passear pelo reinado em cavalo branco.
Lâmpada de Aladim ou gênio, de mansinho,

Arquitetando três desejos inconclusos?
A carruagem elétrica, aos sãos solavancos,
Percorre caminhos luminosos e lusos.

16-9-2011.

Amores de Dirceu



Edigles Guedes

Ruge, de palmo em palmo, o leão ferocíssimo,
Enjaulado em grades camonianas, sintaxes
De um domador com seu fiel banco, escudeiro, e som
De chicote voraz, azorrague de praxes

Ferinas… O estalido da garra sem mimo
Evoca bastantes arrepios na coluna
Vertebral dos ouvidos… Nem tapa-orelhas, com
Carinho, seria de serventia… Sequer duna

Fecharia o Sol com sua peneira de fina areia…
Domesticado, ameaçado chico das dores,
A fera pula círc’lo de fogo; fome feia

Esconde de farto público… Espetáculo
De graça e desgraça no picadeiro… Amores
De Dirceu sem Marília de sustentáculo!…

16-9-2011.

Fugir de mim



Edigles Guedes

Meu coelhinho branco, de patinhas túmidas;
De focinho inquieto, mexendo de cá para
Lá, a procura de caminhar por entre clara
Noite de frio e solidão das nuvens fúmidas…

Fúmeo nevoeiro devora-te tão guloso
Quanto tua gula perene por mil cenouras…
Dentro da plúmbea neve, mastigas louras
Sementes de girassóis; quando cafangoso

Inverno ira zumbe de tempestuoso Aquiles…
Martelas, tal qual prego no cruento martelo,
Teco a teco, teu dente em outros dentes brailes…

Multiplica-se o Fibonacci número atroz
Do tempo argiláceo, do minuto amarelo.
Quem me dera fugir de mim feito um albatroz!…

16-9-2011.

Reflexão Sobre a Ostra



Edigles Guedes

A ostra: compacta, amassada leseirice
De poeira e areia do mar, sem caspas moribundas;
Alice, singela, e sua tagarelice
De Chapeleiro Maluco, com cenas mudas

Do Gato Risonho, escondendo longa cauda
E, por último, seu sorriso matreiro.
Somos todos Daniel Defoe ou mosqueteiros?
Somos somente simples crianças com fraldas?

A ostra dorme (prazenteira) de milênios
Sonos que não despertam sonhos, que não acordam
Travesseiros ou fronhas em seus silêncios.

Bivalve, de quando em vez, ela resolve seu
Problema de aritmética: eis que engordam
As louvaminhas dos versos, como fariseu.

16-9-2011.

Um Gole de Carinho



Edigles Guedes

Por que existo sem os teus benditos
Olhares? Se há de penar que insisto
Em viver longe dos olhos vistos.
Que imprevisto me uniu a mim ao dito

De ver olhos tão castos, castanhos:
Meu existir de sorongo e pamonha?
Não sei se desisto… Há quem me ponha,
Rosto a rosto, com olhos de acanhos?

Deveras, os tortos foram meus pés,
Que me levaram para juntinho;
Fizeram-me sentar nos canapés.

Sim, se existir for fogo sem ninho,
Eu prefiro um tremendo pontapé
A viver sem gole de carinho.

13-9-2011.

Tucano


Edigles Guedes

Com seu bico oblongo, torce o rabo do olho contorto.
Desconfiado, ainda vive; de galho em galho, saltita
Alegrim e alegrim de sua gris desdita; palpita
Seu coração ortográfico; navega sem conforto.

O verde vê o laranja de sua cor, grita ametista
Com todo seu fulgor de pedra, embaralhada em ramos,
Que escondem o vistoso bicho à distância inaudita.
Mãos fotográficas almejam seus silêncios calmos,

Todavia não alcançam as alturas panorâmicas.
O animalzinho, pregado no papel de parede,
Lamenta-se ser somente uma lembrança idílica.

Enquanto eu - grudado na minha existência atrípede -
Não sei se rio, ou se choro, ou se chove, ou se esse Sol fica
Mais belo; porém, sei dessa existência que me prende!

13-9-2011.

Aquário de Vida

À mercê dos favônios, Bisviver jigajoga, Bajogar a conversa, Retisnar os neurônios… Lida que se renova. Quem me dera essa trela… Fá...