A Bola

Edigles Guedes

Redondamente borracha
Ou de couro legítimo,
Ela dança no pé, em ritmo
Alucinado de racha.

Tolinha, adeja suas velas
De jangada aeronáutica…
Peripécias acrobáticas
De mimética aquarela?

Sim, a bola faz círculo
Anatômico, cômico:
Arco do Triunfo atômico.

Agógicos passos lassos
Orquestram canto e compasso
Das pernas, bola e cálculo.

31-8-2011.

Soneto a Monteiro Lobato

Edigles Guedes

Bom dia, Lobato! cumprimento-o pela noite
Bastante agradável, na companhia de seres
Notáveis, que são teus personagens de ficção
Infantil: Visconde de Sabugosa; Emília,

A boneca de pano; Rabicó, à sonoite,
Reinando lambanças; o Pedrinho, célere,
Desvendando os sete mistérios da enganação;
Narizinho, pássaro implume, com família

Numerosa e fantástica do grão Príncipe
Do Reino das Águas Claras a torcer nariz
Arrebitado; Dona Benta, bonachona,

Recebe o Peter Pan, voador, no videoteipe;
Tia Anastácia mexe o caldo e sorri da variz.
Quanto é gostoso o Sítio na tevê e poltrona!

31-8-2011.

A Maçã e Outros Eventos

Edigles Guedes

A maçã vermelha, estrela e lustrosa,
Pipoca sua dor rediviva, vasta,
Na janela do meu quarto de casta
Luz solar, adentrando fulgurosa

No meu ser finito e efêmero, melro
Riso ou canto de ferrovia e abismo
De maria-fumaça sem modernismo,
Em linhas geodésicas: quero, quero

Tudo quanto é belo, loa, lero-lero,
Como papagaio cor verde-amarelo.
Oh, sim! a maçã resvalou o chinelo

Do menino Pinóquio sem esmero.
O numeral zero a maçã sobraça;
E os legumes, curiosos, acham graça.

30-8-2011.

Banana Deitada

Edigles Guedes

A banana, desbotada,
Sorri amarela do cesto
De frescas frutas e aladas;
Sequer se lembra do apresto,

Antes de se jogar ao mar
Do céu da boca e salivas
Gustativas de ondas e ar…
Banana – fruta auditiva?

Ou mera brincadeirinha
De roda ou parlenda antiga
Do tempo da Carochinha?

Pois deitada de ouro em berço,
Ela aguarda agra fadiga
De a devorarem um terço!

28-8-2011.

A Flor e o Cedro

Edigles Guedes

Lastima-se a Flor da sorte
Que tem debaixo do Cedro:
– Ó dor, que me consome!
Por que chorar pela forte

Chuva, se o Cedro imponente
Sorve os pingos valorosos?…
A árvore, galhos frondosos,
Retruca assaz complacente:

– A Natura bela sabe
O que faz conosco!… Sabre
Afiado devasta lerdo

Bosque tão singelo. Restou
A Flor queixosa. Arrastou
A Chuva o que viu por perto.

24-8-2011.

Tuas mãos

Edigles Guedes

Assaltou-me aos olhos hórrida manchete:
Havia um bebê abandonado em tosco galho
De mamoeiro, dentro da mochila, aos frangalhos.
O umbilical cordão choraminga alfinetes!…

Entre incrédulo e indignado, deixei-me ficar
Na poltrona, atarantada com tamanha dor…
Indaguei-me, ensimesmado: – Por onde anda, Amor,
Que não vê agror do inocente, essa infância a minguar?…

Por onde anda, Amor, que não grita manifesto
Contra abominável descaso: que decreto
Gravado vil coração das gentes humanas?…

Amor, aborrecido, responde-me: – Caro
Poeta, não te espantes, pois ainda tens o faro
De teu cão a consolar tuas mãos tão amenas!…

22-8-2011.

Amor em Xícara

Edigles Guedes

A anatômica Xícara,
Enxerida que só ela,
Diz que o bom é sorver, pelas
Narinas, a pícara

Fumaça do torto café.
Oh! Xícara assaz rude,
Bruta que nem grosso grude
Para pipa ou cafuné

De mulher tão perfumosa!
Ah! Xícara fogosa,
De cor marrom, cor de barro,

Terra massapé sem cana-
-De-açúcar, quase plana
De Amor esconso e tão raro!

24-8-2011.

Pulcro Senão

Edigles Guedes

Rastros de Amor não deixaste,
Ao pisar na areia movediça
Do meu Coração!… Que preguiça
De alçar-te nos meus guindastes

Braços, e abraçar-te, pueril!…
Pés de lãs são os teus, minha Dama!…
De tão leves, soltos na cama,
Prenderam meu cavalo anil!…

Como Unicórnio que corre
Para os braços de fulva virgem;
Meu Coração, da alta torre

De Amor, despede-se de ti!…
Teu beijo é vértice, vertigem!…
Oh! pulcro senão que parti!…

23-8-2011.

Laço Pardo

Edigles Guedes

Degusta-me como fruto
De teus beijos salientes…
Degusta-me como ardente
Canção de Amor enxuto…

Frustra-me o siso ferido
De apaixonada fera…
Frustra-me pernas de cera
E teu queixo escorrido…

Bailarina és, enquanto sou
Soldado roaz de chumbo…
Se valente em mim ficou

Tão fero de Amor leopardo,
Em ti restou qual cubo:
Coração, laço pardo!…

23-8-2011.

Notícia de Jornal

Edigles Guedes

O que esperar de pensamento fugaz?...
Se a Noite é pequena, mas vasto é pensar!…
Ó Dama! esvai-se na ampulheta, a rodear,
A areia: minúscula, estreita, tão loquaz!...

À medida que escorre vidro na areia,
Deixa-se ruminar contentamento
Por Amor platônico – sentimento
De marinheiro por gástrica sereia!...

De tanto pensar, a Noite acorda
Bastante lânguida e dorme vãmente...
O Enforcado – pendurado na corda –

Servia como notícia roaz de jornal,
Porque ainda se morre docemente
Por pensar em Amor bruto e cordial!...

22-8-2011.

Abelha

Edigles Guedes

Como abespinhada abelha-macha,
Mordes de febres mil o atrevido
Amor seresteiro, que se agacha
Para colher a flor mel adido…

Tu eras malandro ser cifozoário,
Desassossego, cega devoção…
Tu eras brevíssimo corolário,
Que não deitava sua demonstração:

Caravela nau sem astrolábio;
Sobrevoo de sopa sem moscardo;
Caduquice de velho coroca…

É mister aprender com os sábios,
Já que dizia popular brocardo:
Cochilou, o cachimbo cai da boca!…

21-8-2011.

Despedida de Outono

Edigles Guedes

O Vento assoviava navalhamente…
As Folhas farfalhavam sorrateiras,
Bailavam moles Boleros de Ravel,
Ciscavam a Lua e as estrelas belas…

O Outono incendeia cores fluorescentes
Na Floresta de ferro, derradeira,
Aço e concreto… Bênção inestimável
De circuitos integrados, e ruelas,

E válvulas, e porcas mecânicas,
E biônicas mãos com sua tecnologia…
Que mundo de peças eletrônicas

E aparelhos eletrodomésticos
Criamos!… Enquanto pássaros, em orgia
Acústica, despendem-se, acrósticos…

21-8-2011.

Esquizofrenia de Açoite

Edigles Guedes

Restou-me o fel, com água e sal…
Meus olhos (quão cabisbaixos)
Lacrimejam peixe abissal,
Que sorri dos contrabaixos,

E rabecões, e violinos…
Quebrou-se a flauta, tão doce
Voz melosa, timbre fino,
Retórica de simploce,

Música endógena, sonho
Em sons flutuantes… Drapejam
As bandeiras dos pidonhos

Amanheceres, que almejam
Viver a insônia sem noite…
Oh! esquizofrenia de açoite!…

20-8-2011.

Rosa Rubra

Edigles Guedes

Ah! Rosa Rubra mastiga
A dor mais que indigesta!…
O Cravo diz que a amiga
Não sabe contar a gesta.

Rosa Rubra, então, recita
“O Cravo brigou co’a Rosa”.
E salteado de cor, dita
Sua façanha toda prosa!…

O Cravo, jumento bravo,
Escouceia!… Eis que esbraveja!…
Tal qual moeda de centavo,

Espoja-se no duro chão.
Rosa Rubra, lhana, adeja…
Eh! ri que ri do sabichão…

20-8-2011.

Ela, à Porta

Edigles Guedes

Ela bate à porta, atarantada.
Os nós dos dedos doíam, frenéticos,
Mas não se cansavam de bater… Co’unhas
E dentes vis, incansavelmente,

Ela batia à porta, tresloucada.
Os braços erguidos, patéticos,
Suplicavam; e eram testemunhas
Da súplica por uma demente

Gota de Amor no oceano de Mágoas.
Ela baterá à porta… Risos
De desdém sairão – tal muitas águas

Do rio Capibaribe, zombando
Das ribeirinhas casas e lisos
Caranguejos trelosos, aos bandos…

18-8-2011.

Tarde Estética

Edigles Guedes

A da foz tarde desaguou em mim…
Sem Riacho fronteiras, que desmama
A faceira novilha na cama…
Cachoeira de pó com pirlimpimpim,

Tão que só quanto o barco de papel…
A luz do arrebol tange o vermelho
Para pradarias ou praias de artelhos
Ventos, areias, castelos, e tropel

De crianças, e basbaques brinquedos…
A laranja cala magnética
Acolá, longínqua, no penedo…

A de costura máquina do dia
Finda-se, bela numa estética
De James Joyce, o qual me parodia…

18-8-2011.

Ao Páramo

Edigles Guedes

Que teria podido induzir-me a vir a este páramo senão o desejo de ficar?
Franz Kafka

Oh! chegaste ao páramo deste meu coração,
Induzidas não pelo desejo de acampar!…
Escondes em tua carcomida face intenção
De odiar-me às despregadas janelas, de par

Em par… Porém, a tua fogosa mão cala-te
A boca e coração furibundos; pois sempre
Maior temor há em cobertos planos teus. Ágate
De panela fundo com falso é teu lábio… Apre!

Serpente, caída das tão bíblicas páginas,
Pasces teus luzidios olhos em minha Selva
De aberto peito, tal qual ave de rapina

À caça de seu prato eleito – fatal presa!…
Enquanto urdes tua rede, à espreita, a suave Relva
Alerta-me de ardilosa cumbuca tresa!…

17-8-2011.

Memória de pó

Edigles Guedes

Ah! escuto a mesa em que habito…
Ouço o rangido feérico
Da caneta em seus deveres…
Que sonhos – sussurro – são esses?…

A mão – máquina indômita
De lavrar poemas – sua ginga
Cumpre sem delongas. Fere
Um adjetivo; de adrede,

Escarnece da vírgula…
Selvagem sintaxe (que urra)
Escorrega rente, acolá.

Em lapsos de febre entorta,
O valente papel seda,
De pó esta memória: que erra!…

15-8-2011.

Chã de Lama

Edigles Guedes

O estrambótico gel dental
Sorri enigmático na pia.
A pia, informe, de frio metal,
As metáforas, arrepia.

A água – salobra e tão morna –
Desterra tantos pesares.
A inundação, agora, adorna
Meu coração cheio de ácares.

São ácares essas pústulas
Abertas: Amor indolor!...
São ácares essas pílulas

De microscópica color,
Que me sente na minh’alma
Tão demente – chã de lama!...

14-8-2011.

A Sala

Edigles Guedes

A sala respirava opressa, adormecida.
Clarice Lispector

A sala partida, sem meio
Ou começo e fim, desata
Melancolia – sua desdita!…
Eu perco-me em breve recreio

De alma e amargura… Que pejo
É esse na maçã que brota
Do rosto!… Oh! física e torta
Linha de harpa com arpejos

Anis!… Por que dilata nó
Em mim?… Se está nos cafundós
De mim essa voz, que rouca

E desafinada, evoca
A ti – cruento e desleal Amor!…
A vida é temor, só tremor?…

13-8-2011

Feche a Porta

Edigles Guedes

Feche a porta, antes de sair!…
Que loas ventos a levem
Para longe!… Vai partir?…
Que parta como a nuvem,

Sem deixar a Saudade
Incrustada no peito
De quem fica… Maldade,
Sim, é largar o leito

Com cheiro de perfume
De noites tão cálidas!…
Hoje, sou um belo estrume,

Dejeto humano, prumo
Sem pedreiro, sem corda!…
Nau a navegar sem rumo!…

13-8-2011

Procura-se um Vaga-Lume

Edigles Guedes

Pergunta-se assim: como é o vaga-lume? Responde-se: ele desaparece.
Clarice Lispector

Noite adentro… Um Vaga-lume
Insone inventa de piscar
Suas lanternas de brasumes.
Enquanto, lá fora, há o riscar

De pó de gizes no quadro
Negro da paisagem fútil…
Sem régua, esquálido esquadro
Foge pela folha inútil!…

À mesa, a brisa sussurra
Nos meus ouvidos o clarão
Do dia, que raia numa surra

De ventos e tempestades…
Procuro o Vaga-lume. O boião
Da Lua diz-me que é debalde…

13-8-2011

Soneto do Desencanto

Edigles Guedes

O riso desfez-se em pranto!...
A mosca pariu lamento!....
A hora consumiu meu canto!...
O lápis sorriu, sarnento!...

A mesa chorou seu tanto!...
Lua sem sal, sem sentimento!...
A brisa sobraçou o quanto
Pôde o descontentamento!...

O frio franziu seus sobrolhos,
Que nem a alma com os joelhos
De Amor no peito calado!...

O rio mingou que nem mingau;
Que nem sopa dessa mágoa
De Amor tão desmesurado!...

12-8-2011

Aquário de Vida

À mercê dos favônios, Bisviver jigajoga, Bajogar a conversa, Retisnar os neurônios… Lida que se renova. Quem me dera essa trela… Fá...