Céu Aliseu

Edigles Guedes

Madrugada incólume, em que o grilo canta
Seu salmo monótono!… Há um risco inerte
No papel da carta, que eu não escrevinhei.
Tudo é silêncio cego de escuridão…

Um mosquito sonâmbulo me inquieta.
Pobre bicho! que bastante solerte
Soletra a cartilha verde, que eu sonhei
Nos tempos de menino… Grã solidão

Com os livros de Monteiro Lobato
Em minhas mãos de calos e assíntotas!…
Sento-me ao lado do lustre astômato

Da sala de estar. Eu já não sou mais eu,
Sou uma breve figura (cara torta)
Em porta-retratos… Manhã, céu aliseu!…

8-8-2010.

Pulcro Talhe

Edigles Guedes

Usuário das horas arqueográficas…
Prossigo por ingentes pensamentos.
Há um túnel na estrada reprográfica
Dos sandeus – longobardos sentimentos.

Pulcro talhe de mulher desabrocha
Na linha do horizonte geodésico.
Quem vem lá? Já vem bela flor em concha
De vestido farfalhante – belisco

Nos olhos ariscos da tarde insossa!…
Pulcro talhe de mulher desengrossa
O hábito das estrelas tão cadentes

Quanto de fervores amanhecentes!…
Ó talhe de mulher sem escrúpulos!
Que me encanece, qual gato aéreo pulo…

7-8-2010.

Dia dos Pais

Edigles Guedes

Meu pai, pego da pena para exaltar,
Hoje, a tua paciência para comigo!…
Eu (um obtuso imperfeito) que a peraltar
Nos teus braços, ombros e torso amigos

Vivi desde menino bem franzino,
Venho nesses versos, tal qual mendigo,
Pedir a tua bênção, meu papai alvino!…
Pois, eu sou pequenino do tamanho

Do alevino. E agradeço a mão que sigo
Por me guiar guarnecido, sem acanho,
De carinho enobrecido. Neste dia,

(Enaltecido por muitos) declaro,
Em salto de bom tom, nossa melodia,
Como pássaro na chuva serôdia.

7-8-2010.

Peixe sem Dentes

Edigles Guedes

Por que a pedra no meio do meu caminho
Não é igualzinha a pedra do vizinho?
Preciso aprender a fazer das pedras
Uma fortaleza ou forte, que medra

No imo. As pedras que jogaram em mim,
Com o tempo faleceram em jasmim,
Tornaram-se um canto – entrave de cisne,
Tornaram-se meu titubeante tisne.

Fugiu em mim um fôlego de gota
De chuva. Deságua cachoeira rota
Que pole a pedra triste, mocoronga.

Hoje, chora em meu peito transparente
Essa dor rente de peixe sem dentes,
De dor sem ferida, sem trapizonga.

5-8-2010.

Soneto à Bacia Sanitária

Rechonchudinha: chupeta de criança
Plantada ao contrário na árvore – cano
De descarga. Quem sabe?… Uma esperança
Verde de milagres bem espartanos,

Flutuando em sua nau por guerra escondida
Entre estômago, intestino e sua boca…
A gula aguda que agulha a ferida
Da úlcera gástrica em gluglu de foca,

No espetáculo do circo estomacal.
Quando a vejo, ó boa bacia sanitária,
Os meus olhos enchem-se com pá de cal!…

Pois, lembro-me da azia e má digestão,
Lembro-me as hemorroidas solitárias,
E o jornal lido no trono sem razão.

03/08/2010.

Navega em mim

Edigles Guedes

Navega em mim a solidão das horas
Sem pudor da tarde alva. Tarde calva:
De substantivos ermos, adjetivos
Estropiados, advérbios deletérios…

Navega em mim um mar colosso e afora,
Sem escrúpulos das horas fuscalvas,
Porquanto o tempo é degenerativo
E imperdoável em seu giro ─ vozerio

Das engrenagens de relógio infindo.
Navega em mim esse grande estrupício:
O Amor, nem sempre todo bem-avindo,

Nem sempre em mim bastante compreendido…
Mas que persiste, tal como no hospício
Um lunático de siso encardido!…

02/08/2010.

Uma Colher de Sede

Edigles Guedes

Quanto mais me amavas, mais eu te perdia.
Porque no jogo do amor é assim: nem dia,
Nem hora marcada existem para o Amor
Deixar sua marca registrada ─ clamor

Dos calos na mão do coração ingrato!
O Amor é um chato: velozes sapatos
E umas sandálias Havaianas no dorso.
Há sempre na boca o gelo remorso

Pelo beijo que não nos concedemos,
Há os desencontros irreconciliáveis
De mãos sem afagos. Nós esquecemos

O quão difícil é viver sem paredes
E portas trancadas. Quem sabe?… Talvez
O Amor nos dê uma colher de sede!

01/08/2010.

Aquário de Vida

À mercê dos favônios, Bisviver jigajoga, Bajogar a conversa, Retisnar os neurônios… Lida que se renova. Quem me dera essa trela… Fá...