Cabelos


Edigles Guedes

Lindos, mui lindos, esvoaçavam naquela tarde
De verão. Madeixas negras; e negras pérolas
De cabelos longos, pendurados nas espáduas
De Dama bela, cujos fulgores ainda me arde

No peito mancebil. Fulguras tal qual cometa,
Com sua cauda celeste de grãs madrepérolas…
Ágeis, escorrem lebres, tais línguas de tamanduás,
Que descem de tua cabeça – embarcação corveta…

Flexíveis, esfumaçam seu odor: flor de magnólia
Que se espraia pelo ar sereno. Luar de malencolia
Inunda o firmamento – aquele xadrez de estrelas…

Eis que, cá dentro, flui e punge-me as sensações várias
De quem ama esses cabelos, que me riscam co’ árias
De clássica valsa, que me fogem sem dar trelas!…

2-10-2011.

Malquerença



Edigles Guedes

Que malquerença é essa, semeada aos poucos
No teu peito inerme?… Pélagos loucos
De loucos beijos e desejos moucos,
Calados em grandes fossos, cavoucos!…

Ingentes esforços eu já fiz, faço
Para abrandar as procelas de mau aço;
Pois minha nau navega por vil sirte,
Que me beija ali, nem guart-te sem tir-te…

Que malquerença é essa, que dá asas-pipas
À imaginação para me censurar?…
Repreende-me, deveras, mete as ripas,

Pelas palavras de Amor jamais ditas…
Porém, sempre hei de (quem sabe?) procurar
E desfazer infortúnios, desditas…

1-10-2011.

Cárcere Celestino



Edigles Guedes

Bom e preto. De cheiro preto, que subindo
Pelas paredes escabrosas do intestino,
Vai ligeirinho, espalhando seu odor ladino,
Odor de joão-ninguém azedo e desavindo.

Embora leve, consigo, essa carantonha
De malquisto, ele tem o coração-tesouro
Do Brasil, pois vale mais do que muito ouro
Na boca de gente simples – lençol sem fronha.

Um mar de escumas, com bolhas a estourar moinhos
E redemoinhos, navega o açúcar límpido;
Tão límpido que dá asco alvo, velcro estampido.

Vergam os lábios murchos, de tortos caminhos,
Estrídulas vozes de gozo matutino.
Café: cachoeira de cárcere celestino.

1-10-2011.

Édipo que Jamais Existiu



Edigles Guedes

Pálida estava, como uma rosa anêmica,
Sem braços de jardineiro para colhê-la…
De súbito, ela desfalece – qual estrela
Ofuscada pela luz do Sol ou química

De solúvel com solvente. Sua boca flébil
Sorve o ar bastante lentamente, ritmo valsa
Lânguida, ao sabor fugaz de farsa falsa…
Encanto-me por seu canto de lábio débil.

Vejo-o e meus sentidos anuviam-se… Escurece
O dia – claro enigma de esfinge atroz; fenece
O Édipo que jamais existiu em mim?… Lépido,

Ergo a formosa Dama nos meus braços. Longo
Beijo, desesperado, eu disparo: milongo
Que nos afoga no rio de ensejo crépido!…

1-10-2011.

Açoites de Rogos


Edigles Guedes

Passaste, passei. Passamos um pelo
Outro como dois estranhos amigos?
Ou inimigos não declarados?… Guerra
Que te fiz? Ou tu fizeste-me?… Amor

Que parte das alturas: perdido elo
Sublime; máquina chora castigos,
Os quais inventa d’alma; navio que erra
Por mares bravios; palhaço sem humor!…

Se eu soubesse que é duro o amar, levaria
Comigo essa mala de vis pesares
Para o oco do poço do esquecimento,

E enterraria no coração-livraria…
Pois, amar é mímico sem esgares,
Açoites de rogos sem sofrimentos!…

1-10-2011.

Cocada


Edigles Guedes

Doce de coco, cocada é: que uma medida
De tacho de açúcar e duas de coco, mexida
No fogão em fogo brando, faz saborosa
Guloseima singrar os sete paladares!…

Oco: como oca indígena sem o tacape,
Fútil guerreiro tupi com copo de frapê…
Dura: feito de pedra macia, meiga rosa
De espinhos nórdicos, naus viquingues aos ares…

Rugosa pele de animal inimaginável,
Que se apalpa pelo paladar de astuciosa
Língua e seu mover de jaguar – fera furiosa!…

Cérebro encanta-se por tão biodegradável
Sensação de sentidos que andassem ao laré…
Embotados dentes ao comer espia-maré!…

28-9-2011.

Iogurte



Edigles Guedes

Bactérias benéficas flutuam em mar-leite...
Nau que navega sangue sabor de morango,
Nas veias pueris metais de enamorado tango...
Orangotango com calças largas de enfeite...

A polpa mergulha de colher a sua touca
Na densidade absurda e pastosa de louca
Ventania sem vento, na garupa do lento
Passear de nuvens, em lídimo firmamento...

Vernácula língua! esses micróbios absorvem
Os nutrientes benignos de odor... Mares sorvem
As ondas gástricas de Amor alvo, intestinal...

Lática lactose late sua foz latido
De latim extinto, morto, solto e ferido...
Iogurte - barco a barlavento sentimental!...

27-9-2011.

Aquário de Vida

À mercê dos favônios, Bisviver jigajoga, Bajogar a conversa, Retisnar os neurônios… Lida que se renova. Quem me dera essa trela… Fá...