A Lição de Ulisses e as Sereias

Edigles Guedes

As sereias — que atentaram Ulisses, o grego
Perspicaz — mudas ficaram, pois encantadas
De Amor pelo astuto guerreiro, renderam-se!…
O segredo de Ulisses era as cordas atadas

E a cera nos ouvidos posta. Se favores
De Amor queres gozar na vida, aprende, ó mortal,
Com o sábio Ulisses: amarrem-se tais dores
Ao mastro da realidade, serena e frugal;

Não se aparte jamais por alameda dos sonhos
— Pois ela é a perdição do Amor dos marinheiros.
Depois, nem tudo que de Amor se diz ao ouvido

É para crermos, porque o Amor é trapaceiro:
Hoje, ele se enche de elogios e mil venturas;
Amanhã, ele se enfeza, e fala de amarguras!…

9-10-2010.

Tatuagem Inconcebível

Edigles Guedes

Lua sem sol, estrela sem carinho, bicho do
Mato sem toca ou ninho, nuvem sem pálido
Vento… Eu caminho sozinho com esse lodo
De angústia (por nome Amor), colado ou bem lido

Na testa do meu peito… O quê? Se me desato
A rir, serei tido e achado por crasso louco;
Se me desato a chorar, eu serie um exato
Misantropo sorumbático. Certo é: pouco

Sei de mim, pois no meu peito está desenhado
Essa tatuagem inconcebível, sedenta
Por tinta de Amor proscrito. Pássaro alado,

O qual bateu asas e voou, deixando-me a grita
De quem quer se libertar dos grilhões… Se assenta,
Porém, na rocha de Prometeu e sua desdita.

9-10-2010.

Desterrado

Edigles Guedes

Desterrado eu estou da pátria que beijos
Teus me afogavam de Amor cálido…
Tuas gentis madeixas cheiram a queijo
Bom de Sanharó, cheiro mádido…

Que naufrágio foi esse em que me perdi
Da razão de Amor por ti, minha Dama?!…
Em que recife a nau calhou solteira,
Deixando-me à deriva, com tábua

Por salva-vidas?!… Então, eu me abscondi
Na gruta do teu peito – lago em chamas
Inflamou em mim essa chã e alcoviteira

Alusão de desterrado sem trégua…
Marinheiro que peleja por Amor
Longe dos braços da amada e seu fulgor!…

8-10-2010.

Lhano Sorriso

Edigles Guedes

Custa-me crer em teu sorriso sincero,
Se tudo que me destes foi um coração
Quebrantado de dores de Amor. Eu quero
Sorrir contigo, tatear tuas gaiatas mãos…

Olhar para ti e ver os meus olhos fixos
A espelhar tua alma sem nódoa, sem mágoa…
Como eu quero escalar montanha de lixo
De teus pensamentos fugazes… Ah! Água

Do riacho, que bebi em teus beijos insanos,
Vem inebriar-me com os cabelos soltos
Dessa fingida mulher camaleão. Lhano

Sorriso teu, o qual me custa a crer… Diga-me:
Por que vives a espantar esse absolto
Espantalho (que sou) desse teu ditame?…

7-10-2010.

Cerdo Lápis

Edigles Guedes

O lápis – esse operário bifronte –
Que desenha na folha em branco, letras
De minério e suor da mão brutamontes,
Persegue seu instinto, sua bilontra

Mania de embromar o rabisco lerdo
Nesta noite de ferro e aço nos olhos.
O lápis, cuja tinta se mistura
Com minhas lágrimas ou essa secura

De garganta álpica sem grito. Cerdo
Lápis!… Que me suja a alhos e bugalhos
Com grafite – rota de pedras gratas…

Lápis amigo, por que escrever dardos
Me custa?… Se eu não pedi esse agasalho
De fogo (que me queima) e a mão fragata!…

7-10-2010.

Mãos Panteras

Edigles Guedes

À tarde, ela veste-se de perfume e aroma
Silvestre à espera do amado, que tece sonhos
De uma noite de verão… Então, súbito, assoma
O amado à porta de seu banal armarinho!…

Sobressalta-se a Dama sem camélias. Ufa!…
O decote do ombro deixa-se cair, qual pena
De ave canora ao desabrochar de sua alcofa…
Seu leve olho de plumas ao amado acena.

Num fotográfico movimento de corpo
Felino, ela esconde o que escondido está. Suas mãos
Ágeis como pantera. Logo, o amado crespo

De vergonha e sem pudor encolhe-se ao mundo
De caracol. Coração navega sem timão
Nesse sonho descontente de tão cacundo!…

6-10-2010.

Acesa luz

Edigles Guedes

Não sei se valeu a pena apagar
A luz da sala, e desistir de esperar
No sofá férvido, que venha chegar
Você a mim, nesta noite a me alquebrar!...

Será que você desistiria de mim?...
Mas foram tantas noites de acesa
Luz... Tantas noites de agonia no jardim
De angústia e dor... Que não sei se a surpresa

De lhe ver novamente vale a pena
Mais uma noite de sono... Essa insônia
De ver madrugadas sem Helena,

Sem Troia, sem Homero para cantar
Com sua lira decrépita as velhas glórias
De guerreiros perdidos de tanto amar!...

5-10-2010.

Aquário de Vida

À mercê dos favônios, Bisviver jigajoga, Bajogar a conversa, Retisnar os neurônios… Lida que se renova. Quem me dera essa trela… Fá...