Sapateiro


Edigles Guedes


Peleja com sua ferramenta de puro aço;
Pugna contra couro, antes que forno-chicote
Assopre sua víbora língua — chocolate
Sabor de suor e muito siso de palhaço;

Brinca de acrobacias na mão com o martelo,
Que faz caretas de mímico sorrateiro.
E, ribomba esse bombo bastante ligeiro,
Não dá pista de paradeiro ou perdido elo,

Que une o prego ao sapato inteiro — mero, outrora,
Trapo de couro ou parco pano: tapeçaria.
Melro de bico amarelo, finório; embora

Boa gente, de fala pouca, de má toleima?
Prossegue seu ofício de verme, solitária:
Sonda e cola a sola ao fundo de sobreteima!


21-9-2011.

Coração de Manteiga Derretida



Edigles Guedes

Bate que bate – relógio interior – com ponteiros
Compassados, pesados nas sobrancelhas largas;
De nariz empinado, como pipas amargas
Postas a voar no alpendre de casa. Conselheiros

Olhos olham para mim, absortos, tão longínquos!…
Freme! meu coração sondável pelo colossal
Navio; brame! de júbilo ou de pitada de sal
Pouquinha no muito feijão do dia a dia. Altíloquos

Soluços de Amor comovem, rubra, derretida
Manteiga na frigideira de mim. Neve álbida
De lágrimas gelam meu íntimo; porquanto sente

Os sentidos plangentes, de choros coloridos
Na gravura da Dama que se vai sem pruridos!…
Ah! molenga e mocorongo, coração demente!…

19-9-2011.

Batatas Fritas


Edigles Guedes

Crocantes rosas recendiam desse mastigar
Árido de terra sertaneja, tal como
O lento cavalgar dos carros de boi… Tomo
Destino contrário em minhas mãos a mitigar

O pão da sabedoria dos dias primaveris…
Crepitar insano, e constante, e concânico,
Jorra a flux da minha boca; som mecânico
Escancara as mandíbulas, tais quais esmeris

Polindo a faca de corte, rente ao cadáver
De horas mortas, em que o pio – estrênuo precaver
Da coruja – sobressalta arrepios cá dentro

De mim. Adrede, quebro matéria tudesca,
Esmago goma de mascar de eris batatas
Fritas, circunscritas na boca do epicentro.

19-9-2011.

Ao Olhar o Guarda-Roupa



Edigles Guedes

Ó guarda-roupa imaturo! em que vestimentas
Se amontoam no pouquíssimo espaço sideral
Entre as colunas de madeira… Ser vegetal
Que nada sabe das quantas mil blaus tormentas

Sofri meu estilo frutiluzente de vestir
Adjetivos, quando só substantivos chegam
Na garganta ínvia; os verbos, inócuos, que negam
Esse estranhamento de balmaz sem assentir

Do parnasiano martelo, um quê modernista
De mistura com radical simbolista…
Portanto, no acento circunflexo das horas

Que passo, abismado, a olhar esse dicionário
Ou gramática – cais de vestes –, o incendiário
Poeta na máquina de lavar joga amoras!…

18-9-2011.

Solitário no Vaso


Edigles Guedes

A escova de dente dorme tão sossegada
Quanto aéreo aeroplano em voo de ave musical…
Descansa curva contra coluna cervical.
Suas cerdas cervicórneas… Cala abodegada

Sereia da higiene bucal – as cáries, imigas
Do esmalte e da dentina, apavoradas, cerram
Os dentes de ácido ódio lático e desferram
Sua cólera insubmissa em rapsódias, cantigas…

Bactérias, suas fermentações da sacarose,
Fazem festa de arromba com broto frutose.
Enquanto isso, acolá, no moço sanitário

Soergue-se um santuário de dores virulentas;
Pernoito no vaso plantado por violentas
Agonias sem aleluias – homem solitário!…

18-9-2011.

Reflexão de Formiga



Edigles Guedes

Incansavelmente, a formiga
Indicava: – Prossiga em frente!
O inverno desastroso e amiga
Cigarra (preguiça demente)

Seguem à vanguarda da gente.
Avante! de folha por folha,
Colho suprimento presente.
Tudo é mera questão de escolha?

A causa e efeito que suscita
Pergunta entre primos e crivo
De Eratóstenes escomunal.

Ser ou não ser? Hamlet duvida,
Logo existe: finito e sido
Ele mesmo sem o desigual.

18-9-2011.

Belo Monte, a Hidrelétrica do Xingu



Edigles Guedes

Demito-me do existir burocrático,
Dessas horas burras: jumento senador
Que vota, em plenário, leis democráticas
Do regime de águas hidrelétricas, mor

Impacto ambiental na floresta e ribeiro.
Desastre anunciado da morte – cratera
Vulcânica de terror às palafitas,
Que se penduram nas margens, onça e fera,

Do rio caudaloso, já extinto de antemão!
Índios, posseiros, fazendeiros, grileiros,
Seringueiros: povo viaja na contramão

Da história escrita à dor e sangue, típico
De  brasileiro – américa veia latina!
Consórcios, acorrentados: que latrina!

18-9-2011.

Aquário de Vida

À mercê dos favônios, Bisviver jigajoga, Bajogar a conversa, Retisnar os neurônios… Lida que se renova. Quem me dera essa trela… Fá...