Noite Pulcra e Peralta

Edigles Guedes

No rodapé da calçada, eu navego
As horas de ignóbil caminho avante!…
Perseguir-me-á, cravada em poste cego,
A lâmpada elétrica, doravante…

Evanescente sombra que me angustia…
Por que me segues em noite regada
Por penumbras das pernas rotas da tia
Lua? — Seara de nostalgia malfadada…

É esta em que me bebo a moléstia suja
Das horas engendradas por suicidas
Mandíbulas do ser que era eu… Enferruja

Em mim os motins de navio pirata;
Gruda em mim teu beijo, que me homicida
Na bacia da noite pulcra e peralta!…

4-3-2010.

Reparas

Edigles Guedes

Reparas no riacho… ele late mágoas
Na lata do lixo. No assoalho limpo
Da sala de estar, há um tapete guapo,
Que sorri do perigo dos pés — águas,

Que em moinho, espezinham as dermatoses.
Reparas no arroio… ele sangra valente
Seu canto de pássaro alvinitente,
Na manhã leopardo de celulose.

Reparas no fiapo d’água, que escorre
Da pia… ele não reclama; sequer se fia
Na fortaleza que há em ausente torre

De alumínio e detergente. Reparas
No rio imprecatado e liso, que se afia
Nas pedras de engaste, com tais texturas…

4-3-2010.

Girafa em tom Gráfico

Edigles Guedes

Girafa das horas órfãs, orgânico
Cântico dos ponteiros, em desacerto
De segundos, aos pés bastante malucos
De centopeia galante. Traumas cobertos

Por vestígios de auroras frustradas; tanto
Tempo deserto pelo atroz platelminto
De versos, em cólica de ser; os cantos
De meus desencantos a mentir. Eu sinto

A gravidade pungente das agruras,
Chagas abertas no canal de Suez em mim!
Eu sinto a voz frita — calabresa escura

Na frigideira da vida — ardendo ártico
No meu ser. Girafa, em zoológico jardim,
Não sabe se vai ou fica, em tom gráfico!…

4-3-2010.

Amargo fel Solteiro

Edigles Guedes

Gotícula de fel na injeção do ser:
É assim a poeira da noite escabrosa,
Que invade a terra do nunca — jamais ter
Do que se regozijar. Tenebrosa

Madrugada — infecção vã que se alastra
Pela inércia das paredes do quarto
Contíguo; e traspassa a funesta letra
Inscrita na bolha de sabão: farto

Dos poucos minutos de vida arterial!
Há uma pulga atrás da orelha, vestida
De verme e vergonha cervicobraquial;

Há um agastamento bem sorrateiro,
Na minha esperança com desvalida
Gotícula de amargo fel solteiro!…

4-3-2010.

Ao Romper Boca Bilíngue

Edigles Guedes

Desata-me a madrugada do ovário da noite.
A insônia das horas consome o relógio — grito
De toureiro com espada, na mão, e grande sorte
De capa vermelha, na esquerda de seu anélito.

Ainda ouço no frufrulhar de lençóis nossa cama:
Ebulição de orgasmos; travesseiros despidos
De lua e estrelas. Eis que fora começa a toleima
Dos automóveis em suas inépcias. O carpido

Coração, aleijão de amores, manqueja de perna
Torta. Está meditabundo; pois, a essa hora, os lençóis
Vazios dilatam vera solidão de baderna —

A solidão de abajur co’uma lucerna tênue.
Eu quero mui a mulher de desejos em caracóis,
Parida em minha cama, ao romper boca bilíngue!…

4-3-2010.

Ceifador de Estrelas

Eu jamais ceifarei estrelas;
Não sou qualquer astrônomo
Co’intuito de conhecê-las.
Conheço de vista o abismo

Que há entre Órion, gigante presto,
E Aldebarã independente.
Estrelas não estão no cesto
De lixo. São: dor de dente

Pra ir ao dentista na quinta?
Não são: a de futebol bola
Pra entrar no gol dessa quarta.

Estrelas são plasmas — gases
Ionizados. Mas assola
No peito essa estrela de ases…

3-4-2010.

Rudes Rugas

Edigles Guedes

Elefantes horas, que desgarradas,
Tecem suas aranhas em teias de amoras
Rupestres; nuvens cândidas, saradas,
Tartamudeiam suas mágoas sem demora!…

O relógio analógico da sala
É tão devagar quanto tartaruga
Marinha. O cuco da caixa — ele fala:
— O que foi feito de tuas rudes rugas?…

Eu respondo meio cordato, prudente:
— Foram pastar capim! Estou tão senil,
Que as rugas estão caindo, decadentes!…

A lâmpada de pele magnética
Espelha seu vidro elétrico e vinil
Numa vitrola quimiossintética!…

3-4-2010.

Aquário de Vida

À mercê dos favônios, Bisviver jigajoga, Bajogar a conversa, Retisnar os neurônios… Lida que se renova. Quem me dera essa trela… Fá...