É-me Difícil

Edigles Guedes

É-me difícil entender o orgulho
Humano, se todos nós havemos
De morrer. Como um gorgulho
Passa a vida que pouco a temos;

Como uma chama duma vela:
Uma vez acesa, logo, apagada.
Como uma flor, que ao vê-la,
Breve se desfaz: efêmera e leda!…

É-me difícil entender o orgulho
Humano. Se todos vamos padecer
De doença ou engano. O marulho

Do mar borrascoso é ensurdecedor
Em seu desassossego, ao escurecer
As escumas em vagas álgidas de dor!…

28-2-2010.

Aquele Derriço

Edigles Guedes

Por que tu tinhas aquele derriço
Nas mãos? Sim, foram quem elas
Me disseram que o ouriço da fala
Que tens é por mim quebradiço!…

Quebradiço, porque eu sou constante
Em querer-te para mim, inteiramente.
Quebradiço, porque eu não sei se vivo
Ou se morro perto dos teus adjetivos!…

Tu és a mulher benfazeja, prestativa,
Benévola, fêmea, efêmera, que cativa
O meu coração leso com insanos beijos!…

Tu és quem ao cavalgar de furta-passos,
Leva contigo o charme dos moveres lassos,
De quem não ama, mas é a foto do desejo!…

28-2-2010.

Quando teus Olhos

Edigles Guedes

Quando teus olhos trigueiros
E plúmbeos olharam para mim,
Eu sabia que logo o cheiro
Da manhã degolaria o jasmim,

Bisonho, entre as magnólias.
Pois eu passeava por entre
As magnólias e não sabia
Que tantas flores dentre

Havia um jasmim, carente,
Por teus feros e ciosos dentes
A morder a maçã do amanhã

Em mim. Eu que nada meramente
Tenho a perder ou ganhar; tirante
Teus dentes a picar-me de manhã!…

28-2-2010.

Riacho Amigo

Edigles Guedes

Pasciam os meus olhos na paisagem
De ti. Tu cuidavas do meu rebanho…
Quando te vi, Pastora, em banho,
Num riacho, de águas claras, virgem,

Que me arrepanhava o dolente
Coração, naquela manhã primaveril.
Riacho benigno, tuas águas de anil
Pintam o meu mendaz coração solerte

De esperança por aquela Dama,
Que me arrebatou da minha cama,
Onde eu dormia o dormir dos dias

Entre lúgubre e exultante!… Agora,
Choro, Riacho amigo, a desoras,
Pelo Amor que me furta a valentia!…

28-2-2010.

Um Fiapo de luz

Edigles Guedes

Eu apetecia a tua mão pousada
Na escrivaninha, a qual dormia
Na sala d’alma. A luz afogueada
Reclamava do tão escaldante dia!…

Dia estafante, o qual me chegava
Pela janela do quarto a despertar-me
Para a rotina fatigante. Adentrava
Ali um fiapo de luz, fônica e íngreme!…

Tão íngreme quanto a minh’alma,
Tão fônica quanto o calor do estio,
Num fiapo de pensamento correntio.

Ah, acendeu-se a lâmpada calma
Do pensamento em cordéis de versos,
Que me embrenha no cérebro imerso!…

28-2-2010.

Qual foi o benefício?

Edigles Guedes

Qual foi o benefício que trouxeste à minh’alma?…
Ainda hoje eu procuro nos quatro cantos do mundo
Esse tal de benefício. E por mais que cante a rima
Nos meus versos, não encontro esse tal vagabundo!…

O teu benefício para com a minh’alma é de quem
Quer estender a mão, em sinal de auxílio,
Mas acaba por roer-me — formiga-quem-quem,
Que tu és! Destarte, parto para o meu exílio.

É melhor viver em longínquas terras e ares
Do que sonhar a viver contigo sem préstimo!…
É melhor despedir-nos de nossos mimos,

Já não somos dois em um, jungidos. Tu, tu és;
Eu desprimoroso sou sem ti. Entretanto, há o estro
Em mim que diz: — Vá!... Que dure este Amor canhestro!…

27-2-2010.

O Privilégio de um Beijo

Edigles Guedes

Sortia-me em mim o privilégio de um beijo,
Arcaico que fosse — é um beijo assaz e ainda!…
O qual me arrasa o âmago, austero, sem pejo,
E o quarteirão, onde eu resido com minha lida!…

Você sabia que o beijo me devoraria,
Como a Esfinge de Édipo em sua travessia.
— Decifra-me, ou te devoro! — ela diria.
Você, no entanto, com sua avessia,

Far-me-ia perder a calma na lama do rio Tejo.
Tejo, Tejo, onde Pessoa afogou suas lágrimas,
Onde Pessoa surtia efeito de suas mãos heterônimas!…

O que eu digo para ela, Tejo, Tejo, meu Tejo?...
Quais as palavras, palpáveis, que cabem nos lábios
De um coração que nada sabe, mas é enxerido e sábio!…

27-2-2010.

Aquário de Vida

À mercê dos favônios, Bisviver jigajoga, Bajogar a conversa, Retisnar os neurônios… Lida que se renova. Quem me dera essa trela… Fá...