Ao Páramo

Edigles Guedes

Que teria podido induzir-me a vir a este páramo senão o desejo de ficar?
Franz Kafka

Oh! chegaste ao páramo deste meu coração,
Induzidas não pelo desejo de acampar!…
Escondes em tua carcomida face intenção
De odiar-me às despregadas janelas, de par

Em par… Porém, a tua fogosa mão cala-te
A boca e coração furibundos; pois sempre
Maior temor há em cobertos planos teus. Ágate
De panela fundo com falso é teu lábio… Apre!

Serpente, caída das tão bíblicas páginas,
Pasces teus luzidios olhos em minha Selva
De aberto peito, tal qual ave de rapina

À caça de seu prato eleito – fatal presa!…
Enquanto urdes tua rede, à espreita, a suave Relva
Alerta-me de ardilosa cumbuca tresa!…

17-8-2011.

Memória de pó

Edigles Guedes

Ah! escuto a mesa em que habito…
Ouço o rangido feérico
Da caneta em seus deveres…
Que sonhos – sussurro – são esses?…

A mão – máquina indômita
De lavrar poemas – sua ginga
Cumpre sem delongas. Fere
Um adjetivo; de adrede,

Escarnece da vírgula…
Selvagem sintaxe (que urra)
Escorrega rente, acolá.

Em lapsos de febre entorta,
O valente papel seda,
De pó esta memória: que erra!…

15-8-2011.

Chã de Lama

Edigles Guedes

O estrambótico gel dental
Sorri enigmático na pia.
A pia, informe, de frio metal,
As metáforas, arrepia.

A água – salobra e tão morna –
Desterra tantos pesares.
A inundação, agora, adorna
Meu coração cheio de ácares.

São ácares essas pústulas
Abertas: Amor indolor!...
São ácares essas pílulas

De microscópica color,
Que me sente na minh’alma
Tão demente – chã de lama!...

14-8-2011.

A Sala

Edigles Guedes

A sala respirava opressa, adormecida.
Clarice Lispector

A sala partida, sem meio
Ou começo e fim, desata
Melancolia – sua desdita!…
Eu perco-me em breve recreio

De alma e amargura… Que pejo
É esse na maçã que brota
Do rosto!… Oh! física e torta
Linha de harpa com arpejos

Anis!… Por que dilata nó
Em mim?… Se está nos cafundós
De mim essa voz, que rouca

E desafinada, evoca
A ti – cruento e desleal Amor!…
A vida é temor, só tremor?…

13-8-2011

Feche a Porta

Edigles Guedes

Feche a porta, antes de sair!…
Que loas ventos a levem
Para longe!… Vai partir?…
Que parta como a nuvem,

Sem deixar a Saudade
Incrustada no peito
De quem fica… Maldade,
Sim, é largar o leito

Com cheiro de perfume
De noites tão cálidas!…
Hoje, sou um belo estrume,

Dejeto humano, prumo
Sem pedreiro, sem corda!…
Nau a navegar sem rumo!…

13-8-2011

Procura-se um Vaga-Lume

Edigles Guedes

Pergunta-se assim: como é o vaga-lume? Responde-se: ele desaparece.
Clarice Lispector

Noite adentro… Um Vaga-lume
Insone inventa de piscar
Suas lanternas de brasumes.
Enquanto, lá fora, há o riscar

De pó de gizes no quadro
Negro da paisagem fútil…
Sem régua, esquálido esquadro
Foge pela folha inútil!…

À mesa, a brisa sussurra
Nos meus ouvidos o clarão
Do dia, que raia numa surra

De ventos e tempestades…
Procuro o Vaga-lume. O boião
Da Lua diz-me que é debalde…

13-8-2011

Soneto do Desencanto

Edigles Guedes

O riso desfez-se em pranto!...
A mosca pariu lamento!....
A hora consumiu meu canto!...
O lápis sorriu, sarnento!...

A mesa chorou seu tanto!...
Lua sem sal, sem sentimento!...
A brisa sobraçou o quanto
Pôde o descontentamento!...

O frio franziu seus sobrolhos,
Que nem a alma com os joelhos
De Amor no peito calado!...

O rio mingou que nem mingau;
Que nem sopa dessa mágoa
De Amor tão desmesurado!...

12-8-2011

Aquário de Vida

À mercê dos favônios, Bisviver jigajoga, Bajogar a conversa, Retisnar os neurônios… Lida que se renova. Quem me dera essa trela… Fá...