O Silêncio de Deus

Edigles Guedes

Silêncio, de repente, tudo se fez silêncio.
Não foi a noite, com seu vagar de trem dos pêsames,
Que chegou sorrateira, tal como uma pantera
Trigueira, de mansinho se fez silêncio — enxames

De dores a supliciar a carne! Frontispício
De madeiro mudo, em que Cristo pregado na cruz
Rompeu seu vagido de Príncipe e Rei. Crateras
Fenderam-se na terra em grão terremoto de avestruz.

Homens caíram, abalados co'o sobrenatural
Silêncio de Deus. Tudo gemeu em dores de parto!...
Sem destino esperto, como carta confidencial.

Mas, empós três dias, o silêncio de Deus estrondou!
Cristo ressurgiu suas vestes brancas, braços hartos,
Triunfante. O Rei dos reis da sepultura obscura urrou!...

26-3-2010.

O Embuste dos Olhos

Edigles Guedes

Existe cousa mais embusteira que os olhos?
Se estás num deserto, com sede ardente, basta
Olhar o poente, e lá recolherás abrolhos
Em lugar de água límpida, que sacia a casta

Sede, a qual afoga os teus sentidos trêmulos!...
Dizem ilusão que é de óptica: que más peças
Pregam em olhos de viandante imprevidente!
Enganadores são os teus ósculos estrídulos,

Cheios de peçonha de víbora. Que caleça
Leva e contamina o sangue insípido? Dentes
Raivam seus rangidos de lodo e cárie bruta.

Assim, como podem os olhos se deixarem
Engodar por Senhora tão sagaz, astuta?
Cada um vê mal ou bem, conforme os olhos que tem!...


25-3-2010

O Segredo Belo Adormecido

Edigles Guedes

Quem te disse ao ouvido esse segredo...
Fernando Pessoa

Quem te contou da rosa, que adormece
Todo fim de ano, e não ouve seus tímpanos
O estrugir bum! de fogos de artifícios?
Belo adormecido em braços lívidos!...

O colchão de tua pelúcia de pele
Preenche o vácuo ser, recende a sândalo.
Sonda-me! sou um fogoso precipício
Em pele de sabor tenuilívido!...

Ah! Quantos ardem desfalecimentos
Em tua pele (tão minha ela é quanto tua)
Branda? Em sua alma de pantera seminua

Há esse dilúvio de pele. Lamentos
E uivos de prazer desmedido, poucos
Beijos, carícias... Sandices de louco!...

25-3-2010.

De Sofrer Petas

Edigles Guedes

Que sina é essa a minha de sofrer petas
Por mulheres que eu singularmente amo?
Quiçá me apraz sentir, tal qual palhaço
De cambalhotas isósceles, tretas

Em piadas esgrimadas por ferina
Língua de desabusado ser; quiçá
Me deleite ser o bobo da corte
De algum castelo medieval, cujo rei

Benevolente estendesse sua espada
Em prólogo de sorriso velosporte;
Quiçá, inda que tarde, certo aprenderei

A escolher sem dedos a minha amada,
Pra navegarmos lençóis descampados.
Céu escamado, ao terceiro dia molhado!...

25-3-2010.

Rinoceronte Procarionte, Vulpina Dama

Edigles Guedes

Há em mim um rinoceronte branco, alvo como
A noute escura fora de mim; tão longínquo
Quanto o ponto cardeal de mim para comigo.
Anda por quarteirões inconcebíveis esse

Rinoceronte procarionte, e sumamente
Degolado pelo desespero da perla
Em concha magnética; tal como bom tolo
Vivente, eu sigo sendo um pó de areia com felpas

Da manhã insurgente. Fulgura acolá, dentro
Do invólucro que é meu corpo, o conteúdo fosco
Da minh'alma transparente, fictícia. Assento

Minhas mágoas de envelope dormido em carta
De Amor não correspondido. Destinatário
De meus pruridos é você: vulpina Dama!...

25-3-2010.

Cabelos Fulvos, Beneméritos Olhos

Edigles Guedes

Perdi-me na selva de teus cabelos fulvos;
A fera em fúria renhida, aos meus olhos murchos,
Magoa com sua pata de leoa cancerígena!
Como uma zebra, que esperneia por sua tão tenra

Vida. Um bocadinho de fôlego por entre
Garras de animal belicoso, diligente.
Tal qual João e Maria, indago pelo caminho
De volta à casa paterna. Argêntea Lua gora

Na abóboda celeste, que nem pergaminho
Em mãos de escriba medieval. Cálido Agora,
Na minh’alma encapelada por desalento

Infindo, lamenta em mim os beneméritos
Olhos da Dama que amei! Descontentamentos
Restaram-me em meu coração de olhos contritos!…

22-3-2010.

O Amor Aceso na Lareira

Edigles Guedes

O Amor é que nem fogo aceso na lareira,
Cuja lenha vai queimando, cor de oxigênio,
O ar melífluo, que sorvemos devagarmente;
É que nem servo ignavo, agrilhoado em madeixas

De sua Dama. O Amor é quem recebe prêmio
De loiros n'alma, como atleta reluzente
Depois de cortar tesoura a linha em chegada
Triunfal; tal qual ônibus espacial dolente

Em viagem sideral pelo espaço apático!
O Amor, quem não o vê é porque não quer! Salamandra
Que, pé ante pé, desengonçada, perseguindo

Um pobre inseto, em desespero de premente
Morte: assim é o Amor; pois, outra não palavra
Há para expressar sentimento dessa lavra!...

23-3-2010.

Aquário de Vida

À mercê dos favônios, Bisviver jigajoga, Bajogar a conversa, Retisnar os neurônios… Lida que se renova. Quem me dera essa trela… Fá...