Outro soneto

Barril e navio. Naufrágio. Tempestade. Ondas grandes e furiosas.



Palavra tonteante e cruel disseste-me.
Sopraste no ouvido meu leonino,
Que magoou vocábulos sentidos.
Eu fiquei sem chão: só barco sem leme.

Paredes que apalpei de sóbria cal.
Contorço-me no fio demais fininho,
Que me sustenta, cá, no ar desatino.
Minha língua pressente a pá de sal.

Quedei-me no sofá pasmo da sala.
Um longínquo tormento e colossal
Inundou-me a alma já dilacerada.

Ó bendita palavra! que me fere,
Que me rasga, que fisga grão punhal
Na boca ávida, rude carne: cárcere!…

9-10-2016.


A Fortuna do Morango

Uma bacia em forma de flor, cheia de morangos. Um copo de suco de morango. Um vaso de flores. Uma compota com doces de morango.



Jaz o morango sobre a mesa torta.
Não sabe que seguir rota. Destino
Não se traça com vela em sua nau tosca;
Não se traça sem mero em mapa prisco.

Fortuna rota não é pirata em crimes
Pelos setenta mares, fora e dentro.
A dormir, mas, morango menos crise,
Não sabe que destino o seu está aceso.

De repente, escuta-se alarido
No ar. Uma faca ingente e seu sorriso
A sorrir puro dano. Hora má e sina!

Logo, a faca soletra grave dito:
— Desinfeliz morango, réu sem tino,
Morre o porquê sem saber da lida!

3-1-2016.


Flagelo sem Flauta

Casal abraçados. Um pé de árvore ao lado. Pássaros voando. E uma lua enorme, envolvendo o casal.



Quando vieste, eu disse assim: — Jamais
Escrevo outro soneto ou melodia!…
No entanto, ao fitar tão ingente cais
De doçura… Tal qual chuva serôdia,

Inunda o meu atroz ser sentimento.
Das entranhas no abismo, acolá, nasce
Esse flagelo sem flauta, tormento
Sem comento, apascenta-me que pasce.

Se vivo, eis que já não sei, ou morro;
Se respiro ou transpiro, acá; se corro
Ou fico. Sei lá… subo ou desço? Minto

A mim mesmo. Confesso, Amor, calo
No meu peito a linguagem ardente. Ralho,
Com as pernas bambas, caro Amor que sinto!…

3-1-2016. 

O Barco que eu sou

Um barco inclinado. Atracado no litoral. Um pássaro empoleirado no barco. A lua envolve o pássaro e uma parte do barco. É noite.



Desadoro o difuso azul de meigos olhos,
O pouco verde muro de música pele.
Bravio, que me lanças, ó mar!… Eis compele
Sargaços sobre o meu dorso aos duros molhos.

Desadoro esse informe gesto de teu rosto,
Tampouco do incolor sujo de tuas pernas.
Vento de valorosos brios, ó, com ternas
Palavras furibundas a bom tira-gosto!…

Desadoro as selvagens ondas mais umbrosas,
Como lenços nocivos que choram sem rosas.
Qualquer dia arvorarei velas em plúmbeas ilhas?…

Desadoro o barco que, decerto, eu sou.
Barco cego, nu, tosco e mouco, que passou
Da linha de refregas pelas Tordesilhas.

5-4-2015.



Lábios de Desapontamento

Uma mulher encostada num tronco de árvore. Um cachecol azul cobre seus lábios.


Esquece-me os teus gentis lábios de mel.
Lábios dóceis, na mente, que me encantam.
Gentis são os teus que gestos desencantam
Viver de falto, e falso, e feio, e fel.

Falta-me metafísica da sórdida
Rosa com seus amargos já macérrimos.
Falsa é a vida, que tão de breve, rimos
De zéfiros — sem porta torta ou saída.

Como uma onda que soez claudica (sonsa);
Pensares entre dois tão descontentes
Quanto a pena e o papel são escreventes.

Fel, que destila vil veneno de onça…
Esquece-me, deveras, sou uma sombra
Que desapontamento a nuvem obumbra!…

4-4-2015.

Ave Alígera

Uma pessoa com cão. E mais três pessoas. Todas numa ponte. Ao fundo, um pássaro voando alto. É um pôr do sol. O quadro usa as cores: laranja vivo, vermelho suave e preto nítido.



Voou minh’alma contrita: ajo por ida
Sem volta. Queira Deus!… que na partida,
Encontres o que não pude te dar;
O afeto que convinha com enredar;

O carinho solícito de duas
Mãos sem mágoas de agruras, ou sem nódoas;
O beijo que singelo, sem aleivosias;
O anelo — tal relevo sem falésias.

Vai!… Esquece-me o vulgar verme daninho!…
Rasga-me como um mau papel almaço!…
Risca-me de tua agenda, o pulcro ninho!…

Ave alígera vai!… Voe pra laço
De à toa passarinheiro! Cá, definho,
Perdido em minério de selva e aço.

3-4-2015.


Teus Ósculos sem Pejo ou Válido Desejo

No fundo, um navio enfrentando uma tempestade. À frente, uma mulher sentada, próxima a um grande peixe.



Afoguei-me em teus lábios muito sintópicos,
Como náufrago em tábua de tal salvação?…
Estrangulei as não ditas sintaxes?… Micos
Calei no peito infante?… A maquinação

De xodó que teci zeloso em minha mente?…
Arranhei a garganta das boas horas mortas?…
De prejuízo, fui aranha tão demente
Quanto a teia tecida que por pernas tortas?…

Engendrei planos mil para galgar os montes
E as montanhas íngremes?… Saltei as fontes?…
Mosca tosca, decerto, enredada por beijo

Perene e mortal — fui e sou. Tão somente
Mosca (sem asas ou pernas), temente e descrente
De teus ósculos sem pejo ou válido desejo!…


Aquário de Vida

À mercê dos favônios, Bisviver jigajoga, Bajogar a conversa, Retisnar os neurônios… Lida que se renova. Quem me dera essa trela… Fá...